Página 620 da Judicial I - Interior SP e MS do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) de 4 de Março de 2015

mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.Redução à condição análoga a de escravoArt. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).Analisando o relatado pelo réu e também por Reinaldo Teixeira pode-se concluir que a relação iniciada por eles há aproximadamente quinze anos é complexa e, ao que parece, não envolveu relação empregado-empregador. Todos os depoimentos foram uníssonos no sentido de que Reinaldo morava na casa de Marcos já que o pai deste último o tirou das ruas, pois Reinaldo vivia constantemente alcoolizado e desamparado pela família. Pode-se concluir também que Reinaldo foi levado para casa de Marcos e passou a trabalhar com este e viver com seus pais como se fosse membro da família. Assim como Marcos, ambos passaram a trabalhar com a perua vendendo frutas, verduras e churros. O que ganhavam era o suficiente apenas para a sobrevivência, como se fossem membros efetivamente da mesma família, ou seja, viviam como irmãos, já que Reinaldo era tratado já pelo pai de Marcos como um filho adotado.Não há como crer que durante quinze anos Reinaldo foi mantido contra sua vontade na casa de Marcos. A própria tia de Reinaldo relatou que ele por vezes voltava para sua casa, mas pouco tempo depois, espontaneamente, retornava para a casa de Marcos. Aliás, o próprio réu se contradiz em audiência quando relata que ficava com Marcos

porque se sentia ameaçado por ele e, depois, diz que o portão ficava aberto e podia ir e vir quando quisesse.

Chegou a dizer que gostava do trabalho que fazia. Embora a tia de Reinaldo ainda tenha dito que o sobrinho lhe contou que Marcos dirigia as ameaças a sua avó e a própria tia de Reinaldo, este mencionou em seu interrogatório que as ameaçadas de Marcos nunca atingiram membros da família, sendo direcionadas só a ele. A corroborar a conclusão de que Reinaldo permanecia por sua livre e espontânea vontade na casa de Marcos, há ainda o fato de não ter sido demonstrado nos autos que sua tia tenha tomado qualquer providência judicial nos quinze anos em que sobrinho ficou afastado de sua casa ou nos dois últimos anos, em que alega que as agressões se intensificaram.As testemunhas viram Reinaldo por diversas vezes nas ruas, tudo indicando que ele somente voltava para casa de Marcos porque era esta sua vontade. A conduta de Marcos, por outro lado, embora extremamente reprovável, não configurou crime, com exceção das lesões corporais ocorridas no dia 11 de outubro e demonstradas neste feito, como antes se viu. O que se evidenciou é que ele agia como o irmão que dominava Reinaldo, pois possuía capacidade mental maior que a de Reinaldo, até porque este tem problemas com álcool. Mas não se pode negar que Marcos distorceu a realidade, tratando mal o novo membro da família, escolhido por seu pai, até porque em diversas oportunidades em seu interrogatório dizia que sua mãe e pai demonstravam gostar mais de Reinaldo do que dele, que era filho de sangue. Com esta visão Marcos submetia Reinaldo a suas ordens, muitas vezes achando que Reinaldo deveria obedecê-lo por estar morando em sua casa, situação que parece ter sido perpetuada após a morte do genitor de Marcos.No entanto, não se pode julgar esta relação como submissão de Reinaldo à condição análoga a de escravo. O próprio Reinaldo disse que a esposa de Marcos lavava suas roupas e que Marcos era uma boa pessoa que nunca regulou comida e abrigo. Pode-se perceber também pelo depoimento de Reinaldo que ao responder às perguntas do Ministério Público Federal ele apresentou versão de anos de maus tratos e trabalhos forçados. Já ao responder às perguntas da defesa Reinaldo chegou a dizer que gostava do trabalho que fazia com Marcos e que ele era pessoa boa, embora tenha ficado mais agressivo com o passar dos anos.Não houve desta forma qualquer prova de enriquecimento de Marcos às custas de Reinaldo, sendo que ambos viviam à margem da pobreza, trabalhando juntos, ambos sem salário, sendo que Reinaldo permaneceu nesta situação porque julgou estar melhor amparado que na residência de sua própria família, ocasião em que permanecia nas ruas, alcoolizado.Ante o exposto, não há como aceitar, com a certeza necessária a uma condenação, que Reinaldo foi submetido por Marcos à condição análoga à de escra vo ou que Marcos constrangeu Reinaldo a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda. Aliás, o objeto jurídico do delito de constrangimento ilegal é a liberdade de autodeterminação e, pelo já explanado na presente sentença, o réu permanecia na casa de Marcos por sua vontade, embora não fosse bem tratado. O mesmo se diga quanto ao delito descrito no artigo 149 do Código Penal que tem como objeto jurídico a liberdade em todas as suas formas de exteriorização.Em síntese, Reinaldo não teve sua liberdade de locomoção cerceada como preceitua o artigo 149 do CP. Ele podia entrar e sair da casa de Marcos quando bem entendesse, o que, aliás, fez algumas vezes ao voltar para casa da tia. Não se pode afirmar também que foi submetido a trabalhos forçados ou jornadas excessivas, pois além de ter retornado para sua casa por alguns períodos (como afirmado pela tia), disse em seu depoimento que até gostava do trabalho que fazia. Por fim, entendo também que não ficou provado que suas condições de trabalho eram degradantes. Isso porque, ao que parece, trabalhava espontaneamente com Marcos em sua perua vendendo frutas e verduras. Já as condições em que era tratado na residência de Marcos não ficaram plenamente satisfeitas. Não entendo demonstrado que ele somente dormia na perua que ficava na garagem da casa, hipótese em que também seria razoável esperar que Reinaldo voltasse para a residência de sua tia, onde tinha um quarto só dele construído nos fundos da casa, como relatado por ela. Assim, embora reprovável a maneira com que Marcos tratava Reinaldo, sua conduta não configurou os crimes descritos nos artigos 146 e 149, ambos do Código Penal,

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