Página 1951 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 24 de Agosto de 2015

em seu quadro clínico e requer a antecipação dos efeitos da tutela para se determinar aos requeridos o fornecimento de doze frascos contendo noventa e seis cápsulas de Fosfoetanolamina sintética, necessárias para o seu tratamento. Relata que a droga foi amplamente estudada por mais de vinte anos, pelo Dr. Gilberto Orivaldo Chierice, do Instituto de Química de São Carlos, pertencente à USP, com brilhantes teses de mestrado, pesquisas em laboratório e estudos experimentais com casos concretos. Ocorre que, no dia 10 de junho de 2014, o Diretor do Instituto determinou, através da PORTARIA IQSC 1389/2014, a interrupção da produção e distribuição, enquanto a Fosfoetanolamina não for liberada pelos órgãos competentes, o que está longe de ocorrer. É O RELATÓRIO. PASSO A FUNDAMENTAR E DECIDIR. Em sua manifestação, em autos que tratam de situação semelhante e tramitam perante esta Vara da Fazenda Pública, argumenta a autarquia que o Diretor do IQSC, ao expedir a portaria que determinou a interrupção da produção e distribuição da Fosfoetanolamina, agiu dentro da legalidade e, tão logo tomou conhecimento dos fatos, entendeu por bem normatizar os procedimentos relativos à produção, manipulação e distribuição de medicamentos e outros compostos, pois há uma série de exigências para que a droga ou medicamento possa ser fornecido ao público. Pelo relato dos autos, a pesquisa vem sendo realizada há vinte anos. Há dissertação de mestrado apontando os resultados positivos da droga, em animais, na contenção e redução de tumores, tendo o pesquisador Renato Meneguelo, inclusive, registrado que, nos estudos feitos com camundongos, não houve alterações das células normais, nem os efeitos colaterais dos quimioterápicos convencionais. Tem-se, ainda, outras ações em andamento nas quais se informou que há cerca de 800 pessoas fazendo uso da Fosfoetanolamina, com relatos de melhora nos sintomas. Não é válido, portanto, o argumento da USP, de que, agora, tomou conhecimento dos fatos e resolveu normatizar a situação. Ademais, a questão é bem mais ampla do que o debate travado. Trata-se de garantir o direito humano à vida, bem maior consagrado pela Constituição Federal, como ícone da dignidade da pessoa humana. Não bastasse isso, há também o direito à saúde, garantido constitucionalmente, sendo dever do Estado, através de suas entidades públicas (administração direta e indireta) a sua garantia. Sabe-se que a comercialização de um medicamento ou composto medicamentoso em território nacional pressupõe sua aprovação e registro no Ministério da Saúde, conforme dispõe o art. 12 da Lei 6.360/76, pois a natureza e a finalidade de certas substâncias exigem o monitoramento de sua segurança, eficácia e qualidade terapêutica. “Art. 12 - Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”. Esse registro é definido pelo inciso XXI do art. do Decreto nº 79.094/77, na redação que lhe foi atribuída pelo Decreto nº 3.961/01, a saber: “XXI - Registro de Medicamento - Instrumento por meio do qual o Ministério da Saúde, no uso de sua atribuição específica, determina a inscrição prévia no órgão ou na entidade competente, pela avaliação do cumprimento de caráter jurídico-administrativo e técnico-científico relacionada com a eficácia, segurança e qualidade destes produtos, para sua introdução no mercado e sua comercialização ou consumo;” Atualmente, a entidade competente para proceder a essa inscrição é a Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária, na forma das disposições da Lei nº 9.782/99 e da Lei nº 6.360/76. Há hipóteses, entretanto, em que a necessidade de registro é afastada pela própria lei, como a seguir se verá. Com efeito, dispõe o artigo 24, da Lei 6.360/76: “Estão isentos de registro os medicamentos novos, destinados exclusivamente a uso experimental, sob controle médico, podendo, inclusive, ser importados mediante expressa autorização do Ministério da Saúde”. Assim, não obstante, em princípio, seja descabido o fornecimento de medicamentos que não possuem registro na ANVISA, em situações excepcionais, em face de risco de morte, se tem relativizado tal restrição. A esse respeito, em caso semelhante, há a decisão do Agravo de Instrumento nº 70045154887, ressaltando o Des. Jorge Luis Dall’Agnol, in verbis: “Entende-se cabível e adequada a determinação de fornecimento do medicamento ou do numerário necessário à sua aquisição, ainda que não esteja arrolado em lista ou não haja registro na ANVISA, como forma de assegurar a pronta satisfação da tutela deferida judicialmente, mediante prestação de contas, por se tratar de direito fundamental à saúde, assim assegurado na Constituição Federal. E o Poder Público deve tutelar o referido direito de forma responsável e eficaz, cumprindo-lhe implementar as políticas necessárias para garantir aos administrados o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, em especial, em se tratando de pessoa carente que padece de doença grave, rara e incurável, como ocorre no caso dos autos. Eventual ausência de registro do medicamento na ANVISA, assim como a sua não-inclusão em lista, não afasta a responsabilidade do Estado e nem obsta o direito do favorecido em ter o fármaco custeado pelo recorrente, uma vez que a obrigação dos entes públicos de garantir o direito à saúde não se limita ao registro do medicamento ou ao conteúdo das listas do SUS, sob pena de grave afronta às disposições legais e constitucionais. Ainda que não esteja o fármaco registrado na ANVISA, O Estado deve garantir o direito à saúde, não podendo simplesmente omitir-se ou negar-se a fornecer os meios e recursos necessários à obtenção do medicamento requestado.”Cumpre destacar o desprovimento tanto do AgR na SL 47/PE, como do AgRg na STA 175-CE, GILMAR MENDES, onde, certo, destacado descaber ao Poder Público fornecer medicamentos não registrados na ANVISA, mas aceitando que esta possa, até, autorizar a importação de medicamento não registrado, na esteira do previsto na Lei nº 9.782/77.Em suma, corre-se grave risco de promover a morte do agravado ao deixar de fornecer-lhe o medicamento prescrito.Por fim, se é certo que impressiona o valor do medicamento, no entanto não se pode sonegar seu emprego diante de claras referências a risco de evento morte, ausente, de resto, qualquer possibilidade de este caso único implicar em restrição das disponibilidades estatais na área da saúde.Ainda, o próprio reembolso perante o Sistema Único de Saúde SUS, não fica eliminado pela ausência do registro perante a ANVISA, uma vez emanada a aquisição de ordem judicial. No mais, cumpre lembrar ser firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhecendo o dever do Estado, lato sensu considerado, ou seja, modo indistinto por todos os seus entes federados União, Estados, Distrito Federal e Municípios , de assegurar o direito à saúde, na forma dos artigos 23, II e 196, ambos da Constituição Federal”. No caso, estando a parte autora acometida por uma doença grave, cruel, que lhe causa intenso sofrimento físico e emocional, mostra-se viável, nesse início de conhecimento, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, ainda que o medicamento ou composto farmacêutico penda de registro no órgão competente. Tampouco a citada Portaria, documento que deu origem a presente ação, possui o condão de obstar a utilização do fármaco, como a seguir restará demonstrado. Dispõe o art. 1º da Portaria IQSC 1389/2014: “Art. 1º. A extração, produção, fabricação, transformação, sintetização, purificação, fracionamento, embalagem, reembalagem, armazenamento, expedição e distribuição de drogas com a finalidade medicamentosa ou sanitária, medicamentos, insumos farmacêuticos e seus correlatos só podem ser efetuados nas dependências do IQSC após apresentação à Diretoria do Instituto das devidas licenças e registros expedidos pelos órgãos competentes, de acordo com a legislação vigente e desde que tais atividades estejam justificadamente alinhadas com as finalidades da Universidade”. A redação do dispositivo em apreço, interpretado literalmente, poderia conduzir à falsa ideia de que toda e qualquer pesquisa nas dependências do IQSC estaria vedada enquanto não expedidas pelos órgãos competentes as devidas licenças e registros. Ora, então, de que forma os medicamentos/compostos farmacêuticos poderiam ser descobertos, criados e testados, senão anteriormente ao registro, eis que a competente licença somente se admitiria uma vez comprovada a eficácia de sua aplicação? Decerto que o registro é posterior à descoberta, pesquisa e aplicação farmacológica dos compostos/ medicamentos testados! Até porque não se presume um invento para registrá-lo e apenas depois testá-lo. Não se pode admitir que a aplicação de substância, potencialmente capaz de conter os efeitos nefastos da doença que assola o paciente, seja vedada ao argumento da ausência de seu registro ou licença nos órgãos respectivos. Ainda que a possibilidade de cura seja

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