Definir inimputabilidade é desafio para Direito Penal
Por Thaís Sabino
Uma das grandes dificuldades do Direito Penal é classificar réus como inimputáveis. Não só no Brasil, mas também em outros países do mundo. Na teoria, é bastante simples. O artigo 26 do Código Penal define os inimputáveis como aqueles que, por conta de doença ou deficiência mental, são incapazes de compreender o caráter ilícito do fato. Estes são isentos da pena. Já aqueles que, por conta de perturbações mentais não compreendem inteiramente a ilicitute dos seus atos, a pena pode ser reduzida de um a dois terços. Na prática, no entanto, as coisas são diferentes.
Não há exames eficazes capazes de comprovar com exatidão o discernimento do réu quanto ao crime cometido. As perícias médicas são feitas em dez minutos, conta o advogado criminalista Thiago Gomes Anastácio , que faz parte do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Há teorias de que um serial killer , por exemplo, por mais doentia que possa parecer sua atitude, deve ser devidamente punido já que o fato de tentar esconder dos outros os crimes que comete é sinal de que sabe do seu caráter ilícito. O psicopata é semi-imputável porque compreende parcialmente o que cometeu, explica o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Consenzo . O chamado psicopata sabe o que fez, mas não vê problemas em sua ação, complementa o advogado criminalista Luiz Guilherme Vieira. Neste casos, ele é condenado, mas sua pena é reduzida.
Reconhecer, no entanto, quando se está diante de um psicopata continua sendo um grande desafio. Em 1966, Francisco Costa Rocha, que ficou conhecido como Chico Picadinho, matou e esquartejou uma bailarina, sem qualquer motivo aparente. Foi considerado imputável e passou oito anos e dez meses na prisão. Dois anos depois, cometeu o mesmo crime contra uma prostituta. Desta vez, foi considerado semi-imputável, condenado e cumpriu pena máxima. O Ministério Público, então, conseguiu comprovar que Chico Picadinho era um psicopata e ele foi encaminhado para um hospital psiquiátrico.
Thiago Anastácio cita o caso do Maníaco do Parque, que foi condenado como imputável pelo assassinato de várias mulheres. Ele estuprava, matava a vítima e no outro dia voltava para ter relações sexuais. Isso não é ação de gente normal. Depois de cumprir a pena e pagar sua dívida com a sociedade, Francisco de Assis Pereira terá de ser solto.Ele foi condenado como assassino imputável e, em 15 anos, pode ser libertado. Para Anastácio, existe uma incongruência na decisão. O advogado acredita que o Maníaco tem consciência dos seus atos, porém não tem controle sobre elas. "É como se existisse um impulso dentro dele que o levava a cometer os estupros", diz. Sua conclusão se dá no atraso presente na legislação, em relação à psiquiatria. Explica que mesmo diante dos evidentes distúrbios mentais, a legislação não possui uma determinação específica para ele, já que o Maníaco tinha consciência dos seus atos. "Ele vai sair e pode voltar a cometer os crimes", afirma.
As medidas aplicadas aos inimputáveis também deixam a desejar. O advogado criminalista Luiz Guilherme Vieira conta que, uma vez reconhecida a inimputabilidade do réu, ele permanece por tempo indeterminado em tratamento psiquiátrico e passa por exames constantes para detectar a evolução do quadro psicológico. Muitas vezes, passa a vida internado em hospitais psiquiátricos sem poder sair.
Inimputabilidade temporária
No meio da confusão sobre imputáveis e inimputáveis, o artigo 27 do Código Penal é o mais simples e facilmente aplicado. Menores de 18 anos são inimputáveis. Aqui, não há discussão. O problema acontece, no entanto, quando um menor comete um crime digno dos chamados psicopatas. Foi o que aconteceu com o garoto que ficou conhecido no país como Champinha. Ele matou friamente um casal de namorados, depois de estuprar a menina, em Embu-Guaçu (SP). Foi enviado para a Fundação Casa para cumprir medida socioeducativa. Três anos depois, prazo máximo de internação, e já maior de idade, ganharia o direito de voltar para as ruas. Por enquanto, o Ministério Público conseguiu provar que o já adulto tem distúrbios mentais e ele está em tratamento em um hospital psiquiátrico.
A discussão sobre quem é ou não inimputável cai em mais uma lacuna: crimes cometidos em momentos de surto psicológico. Estes são bem difíceis de se avaliar, diz o advogado criminalista Fábio Tofic. O importante é a capacidade de discernimento do indivíduo no momento do crime. Se ele não estava consciente, por um surto isolado, é visto como inimputável, explica. No entanto, não faz sentido ser encaminhado para tratamento psicológico, já que não possui qualquer transtorno mental. É o caso da mulher que esfaqueou e matou, dentro da delegacia, o homem que estuprou seu filho. De acordo com o advogado Thiago Gomes Anastácio, a atitude foi considerada instintiva e de defesa contra a agressão psicológica que ela sofreu. Ela foi absolvida pelo júri popular.
Thiago Anastácio conta que, nos Estados Unidos, existe o legaly insane para casos assim. Trata-se da absolvição do réu, diante de sua atitude ter sido motivada por provocação psicológica extrema. Ele explica que é como um surto isolado. "É como se uma pessoa chegasse no momento seguinte ao assassinato de sua mãe, perdesse o controle e matasse o assassino", exemplifica.
O artigo 28 fala que não excluem a imputabilidade penal a emoção, a embriaguez voluntária ou a perda da consciência por conta do uso voluntário de drogas, mas, quando o acusado estava sob efeito de remédios no momento do delito que alteraram seu discernimento, ele é visto como consciente parcial dos seus atos. O ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal, Sérgio Salomão Shecaira , conta o caso de um criminoso que conseguiu provar que, quando cometeu o delito, estava em meio a um tratamento com remédios que causavam a perda de discernimento. Por isso, ele foi considerado inimputável. De acordo com o Código Penal, ele deveria ser encaminhado a tratamento psiquiátrico. Porém, quando parou de tomar os remédios, os sintomas desapareceram e ele ficou livre de qualquer medida judicial.
Fonte: Conjur
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