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10 de Junho de 2024

60 anos da aprovação pelo STF da Súmula 323

Dispõe sobre a ilegalidade na apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributo

Publicado por Leandro Bertoletti
há 7 meses

Este texto jurídico realiza a análise da ilegalidade e desrespeito dos atos praticados por auditores fiscais, mesmo com o posicionamento sumulado a décadas (Sessão Plenária de 13/12/1963) pelo Supremo Tribunal Federal - STF, os quais condicionam a liberação de mercadorias apreendidas ao pagamento de débito fiscal.

Em que pese a inquestionável relevância da Súmula 323 da Corte Suprema, que desde sua aprovação em seção plenária em 13/12/1963, completando agora 60 anos, consolida o entendimento de que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos, é necessário atentar para a omissão do legislador constitucional (assembleia constituinte de 1988).

A ausência de previsão expressa como instrumento de garantia individual no ordenamento constitucional quanto à proibição dessa prática configura uma lacuna, revelando uma falha que, ao longo das décadas, tem suscitado questionamentos quanto à plenitude dos direitos e garantias individuais frente a medidas coercitivas adotadas pela Administração Pública no contexto fiscal.

Essa lacuna no arcabouço normativo evidencia a importância de revisões e atualizações legislativas de forma incisiva e punitiva para assegurar de maneira mais abrangente os direitos fundamentais dos cidadãos diante de práticas estatais abusivas que possam comprometer o exercício de suas atividades econômicas e a segurança jurídica do sistema.

Além disso, na legislação vigente, não se encontra, de maneira expressa, disposição normativa que estabeleça a responsabilidade da Administração Fiscal por atos que ultrapassem os limites de sua competência ou violem os direitos e garantias individuais dos contribuintes. A ausência de uma previsão explícita quanto à imputação de sanções administrativas, cíveis e criminais à Administração Fiscal em casos de apreensão ilegal de bens e mercadorias deixa lacunas normativas nesse tocante.

Ainda, a inexistência de disposições que configurem a prática de apreensão ilegal como infração administrativa, sujeitando os responsáveis a medidas sancionatórias proporcionais à gravidade do ato, como advertência, multa, perda do cargo e responsabilização penal, evidencia a necessidade de uma legislação específica que discipline essas questões e assegure a responsabilização em conformidade com os princípios constitucionais e o ordenamento jurídico.

Ressalta-se que este tipo de prática “usual” e “ilegal” por parte das autoridades fiscais está em total desacordo com toda a legislação pátria, inclusive, conforme mencionado, já pacificada como ilegal a tanto tempo pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive em data anterior a atual Constituição Federal/1988, e que tem ainda sobrecarregado o sistema judiciário com um expressivo número de Mandados de Segurança impetrados contra as apreensões ilegais de mercadorias.

É imperativo ressaltar que tanto a Constituição de 1988 quanto a legislação tributária fornecem amparo ao sujeito passivo diante de eventuais ilegalidades perpetradas pelas autoridades fiscais.

No âmbito constitucional, o princípio da legalidade, consagrado no artigo 5º, inciso II, assegura que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei. Ademais, normas específicas no ordenamento jurídico federal conferem proteção aos contribuintes, destacando-se a previsão de garantias e direitos fundamentais que visam salvaguardar o cidadão contra abusos e práticas indevidas por parte das autoridades fiscais, conforme será exposta a seguir.

A Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso XIII, resguarda o livre exercício de atividade profissional, in verbis:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade nos termos seguintes:
(...)
XIII - e livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Neste diapasão, preleciona o saudoso ANTONIO FERNANDO SEABRA:

É defeso, por outro lado, ao fisco aplicar sanções políticas no sentido de compelir o contribuinte a efetuar o recolhimento de tributo porventura devido, pois que para tanto esse tem o meio próprio para cobrar seus créditos, o executivo fiscal, sem impedir direta ou indiretamente o exercício de atividade profissional lícita do contribuinte, levando-o ao descrédito junto a terceiros ...

Por outro lado, possui a Autoridade Coatora outros meios eficazes e legais para cobrar os tributos supostamente devidos, mais as multas aplicadas, sendo válido apenas a apreensão para confecção do auto de infração, posteriormente sendo liberada para transporte.

Contrapondo-se à prática ilegal, é destacado o entendimento dos Tribunais de Justiça brasileiros, que reiteradamente afirmam a inconstitucionalidade da apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos, respaldando-se na Súmula nº 323 do STF. A jurisprudência ressalta que, uma vez constituído o crédito tributário, o Fisco dispõe de meios administrativos e judiciais para sua cobrança, sem a necessidade de recorrer a medidas coercitivas que prejudiquem o livre exercício de atividades econômicas. Observe:

Poder Judiciário 09 Tribunal de Justiça da Paraíba Des. Abraham Lincoln da Cunha Ramos Normal 0 21 false false false PT-BR X-NONE X-NONE A C Ó R D Ã O AGRAVO INTERNO n. 0803401-53.2022.8.15.0181 RELATOR : Dr. Sivanildo Torres Ferreira, Juiz convocado AGRAVANTE : Estado da Paraíba PROCURADOR : Sergio Roberto Felix Lima AGRAVADO : Comercio de Cereais Safra LTDA ADVOGADO : Pedro Henrique Pedrosa De Oliveira - OAB PE30180-A PROCESSUAL CIVIL e TRIBUTÁRIO – Agravo interno em apelação cível – Mandado de Segurança – Apreensão de mercadorias pelo Fisco estadual – Finalidade – Cobrança de tributo – Impossibilidade – Indevido meio coercitivo para o pagamento de Imposto – Súmula 323 do STF – Precedentes – Insuficiência dos argumentos perlustrados no Agravo para modificar os Fundamentos da decisão monocrática recorrida – Manutenção do decisum – Desprovimento.
1. Uma vez realizada a autuação da infração, constituído o crédito tributário, dispõe o Fisco dos meios administrativos e judiciais para cobrança de seus créditos, não podendo valer-se da apreensão de mercadorias para coagir o contribuinte ao pagamento de imposto que entende cabível.
2. “(...) O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente entendido que é inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quanto aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos.
3. Agravo nos próprios autos conhecido para negar seguimento ao recurso extraordinário, reconhecida a inconstitucionalidade, incidental e com os efeitos da repercussão geral, do inciso IIIdo § 1º do artigo 219 da Lei 6.763/75 do Estado de Minas Gerais.”(STF, ARE 914045 RG, Relator (a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 15/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-232 DIVULG 18-11-2015 PUBLIC 19-11-2015). 3. Súmula 323 do STF. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
(TJ-PB - REMESSA NECESSáRIA CíVEL: 08034015320228150181, Relator: Des. Abraham Lincoln da Cunha Ramos, 2ª Câmara Cível)
AGRAVO INTERNO EM REMESSA NECESSÁRIA – MANDADO DE SEGURANÇA – APREENSÃO DE MERCADORIA – POSSIBILIDADE – NOTA FISCAL INIDÔNEA – INFRAÇÃO MATERIAL – ENTEDIMENTO FIRMADO NO IRDR N.º 1012269-81.2017.8.11.0000 – SENTENÇA RETIFICADA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. Nos termos do entendimento deste Sodalício, desde que estritamente relacionada à operação fiscalizada e sem a intenção de cobrança de valores pretéritos, inexiste ilegalidade na apreensão de mercadoria que visa coibir infração material de caráter continuado por ausência de documentação fiscal idônea. 2. Recurso conhecido e desprovido, decisão mantida.
(TJ-MT - AGR: 10348829320228110041, Relator: MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO, Data de Julgamento: 31/10/2023, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 06/11/2023)
REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA – APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO DE COAÇÃO DA IMPETRANTE AO PAGAMENTO DE TRIBUTO – ILEGALIDADE – CONFRONTO COM A SÚMULA N. 323, DO STF – SENTENÇA RATIFICADA. 1 - É ilegal a apreensão de mercadorias visando coagir o contribuinte a pagar obrigação tributária, pois consiste em medida auto-executória da Administração Pública, circunstância repelida pela jurisprudência dominante nos tribunais superiores, nos termos da Súmula nº 323 do Supremo Tribunal Federal. 2 – Sentença ratificada. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM, em sessão permanente e virtual, os juízes da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos, a seguinte decisão: Por unanimidade, ratificaram a sentença em sede de remessa necessária, nos termos do voto do Relator.
(TJ-MS - Remessa Necessária Cível: 80006107520228120800 Aparecida do Taboado, Relator: Des. Vladimir Abreu da Silva, Data de Julgamento: 30/10/2023, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 01/11/2023)

Conforme observado, uma análise das jurisprudências nos tribunais revela uma vasta gama de decisões, muitas delas recentes, que apontam para a recorrente prática ilegal por parte do fisco.

Por outro lado, além do cerceamento das atividades econômicas que resulta das apreensões das mercadorias, estas estão passíveis de deteorização pelas más condições de armazenamento de onde se encontram, podendo assim o contribuinte passar da apreensão ilegal e vir, consequentemente a perder sua mercadoria, bem como sofrer um abalo nas suas relações comerciais e confiança no mercado.

Com efeito, o entendimento esposado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal - STF, consubstanciado pela Súmula nº 323, não permite a existência de dúvidas, senão veja-se:

STF - Súmula nº 323: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

Portanto, é possível concluir que, após seis décadas da aprovação da Súmula 323 do STF, que categoricamente declara a inadmissibilidade da apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos, persistem desafios e lacunas no ordenamento jurídico. A ausência de disposições claras sobre a responsabilidade da Administração Fiscal por atos que excedam seus limites e a falta de previsão de sanções em casos de apreensões ilegais destacam a urgência de uma legislação específica. A jurisprudência, por sua vez, reforça a ilegalidade dessas práticas, evidenciando a importância de uma atuação estatal alinhada aos princípios constitucionais, assegurando a proteção dos direitos fundamentais e a preservação da segurança jurídica no âmbito fiscal.

  • Sobre o autorAdvogado, Especialista em Direito Tributário pela FGV
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1 Comentário

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Felicia Scabello
6 meses atrás

Assunto esclarecedor! As mercadorias apreendidas não pagam impostos, a não que estas sejam falsificadas, aí sim... continuar lendo