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28 de Maio de 2024

A utilização da Sentença ´´Per (Ad) Relationem´´ no Processo Penal Brasileiro e sua admissão na jurisprudência pátria.

Publicado por Guilherme Nogueira
há 4 anos

Desde a criação da nossa Constituição atual (1988) um dos direitos que mais tem se discutido e defendido é o direito ao devido processo legal, no qual, inclusive, é utilizado como princípio basilar de um Estado Democrático de Direito. Neste sentido, ramificando sua utilização, temos a garantia da motivação das decisões judiciais, prevista no art. 93, IX, da nossa Carta Magna, no qual prevê a fundamentação de todas as decisões dos órgãos do Poder Judiciário, sob pena de nulidade. Tal direito constitucional previsto, garante o raciocínio do julgador bem como valora as provas juntadas ao longo do processo, garantindo às partes, em especial ao acusado, a predominância da racionalidade sob o poder do órgão julgador.

Todavia, sabemos que ao longo do tempo, muitas teses e princípios se adesivam a constituição da maneira em que os casos concretos aparecem, assim como, da forma com que os tribunais passam a lidar com as quantidades de demandas judiciais postas no Brasil, a fim de garantir a economia e celeridade processual.

É, portanto, neste contexto que surge dentro do sistema processual brasileiro a chamada sentença ´´per relationem´´, ´´ad relationem´´ ou mesmo ´´aliunde´´, que em resumo, é a utilização de decisões ou posicionamentos das partes como referências na sentença.

A fundamentação ´´per relationem´´ até os dias atuais causa diversas discussões acerca do seu teor constitucional, sendo criticada por muitos dos nossos juristas brasileiros, uma vez que grande parte dessas decisões são formadas somente pelo famoso ´´ctrl C + ctrl V´´, no qual os julgadores se limitam em suas decisões somente aos pareceres das partes, especificamente do Ministério Público, afinal é o órgão que, historicamente, possui muita afinidade com o Julgador.

Segundo Michele Taruffo, citado por Antônio Magalhães Gomes Filho, “existe motivação ad relationem quando sobre um ponto decidido o juiz não elabora uma justificação autônoma ad hoc, mas se serve do reenvio à justificação contida em outra decisão” (GOMES FILHO, 2013, p. 163)

Visto isso, em sede recursal o teor da utilização ad relationem nos graus superiores para discutir tal problemática demonstrou-se cada vez mais comum, pois, afinal, a sentença ´´per relationem´´ possui ou não compatibilidade com o art. 93, IX da CRFB/88? É cabível a motivação por referência como exclusiva fundamentação de decisões?

Pois assim, quanto a compatibilidade decidiu o saudoso Ministro Joaquim Barbosa em sede de Agravo Regimental no Agravo de Instrumento:

´´Esta Corte já firmou o entendimento de que a técnica de motivação por referência ou por remissão é compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição Federal. Não configura negativa de prestação jurisdicional ou inexistência de motivação a decisão que adota, como razões de decidir, os fundamentos do parecer lançado pelo Ministério Público, ainda que em fase anterior ao recebimento da denúncia. (AI 738982 AgR, Relator (a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 29/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 18-06-2012 PUBLIC 19-06-2012)

Dessa forma a Suprema Corte decidiu que a fundamentação referencial ainda que trazida a decisão por meio do dito popular ´´copia e cola´´ é compatível com o texto constitucional e, portanto, é dotado de legalidade, entretanto, anterior ao julgamento acima colacionado o STF, por meio do honroso Ministro Celso de Mello já alertando a limitação da sentença aliunde, decidiu em sede de Habeas Corpus:

´´O Supremo Tribunal Federal tem salientado, em seu magistério jurisprudencial, a propósito da motivação "per relationem", que inocorre ausência de fundamentação, quando o ato decisório - o acórdão, inclusive - reporta-se, expressamente, a manifestações ou a peças processuais outras, mesmo as produzidas pelo Ministério Público, desde que nestas se achem expostos os motivos, de fato ou de direito, justificadores da decisão judicial proferida.´´(HC 69.438, rel. min. Celso de Mello, Primeira Turma, de 24.11.2006)

Diante disso, é notório que o entendimento pátrio é de que há legalidade na fundamentação ´´per relationem´´, todavia, a decisão do julgador não deve se limitar a tal, respeitando assim o uso do raciocínio para valoração das provas, bem como sua preponderância sob o poder do juiz, conforme dito nas preliminares do presente estudo.

Ainda assim, mesmo que devidamente admitido pela jurisprudência, é notório que no dia a dia processual as decisões ´´per relationem´´ violam constantemente o devido processo legal dos acusados, até porque, ouso dizer que em sua absoluta maioria é utilizada apenas fundamentação do órgão acusador, e ainda que complementadas, apresentam certa vaguidade, pois o que se busca é somente adentrar a fundamentação de uma das partes, sendo a mais vulnerável a prejudicada.

Destarte, é preciso bastante cautela e atenção quando tal instituto for utilizado, pois ainda que sua utilização em nosso sistema processual se dê muito em razão da economia e razoável duração do processo, é necessário que quando utilizada haja respeito às normas constitucionais, tendo assim uma fundamentação concreta da referência, qual seja apta a garantir às partes, em especial ao acusado, a devida e legal prestação jurisdicional.

REFERÊNCIAS:

BRASIL [Constituição (1988)]. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: Palácio do Planalto, [2020].

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A motivação das decisões penais. 2. Ed. São Paulo: RT, 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. matéria criminal. Recurso que teve o seguimento negado monocraticamente. Possibilidade. Motivação per relationem. Legitimidade jurídico-constitucional dessa técnica de motivação. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento julgado improcedente. AI 738.982 AGR / PR. Javert Prado Martins Filho e Ministério Público do Estado do Paraná. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. DJ, 20 jun. 2012. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2657028

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. "Habeas Corpus" - Procedimento penal do Júri - Acórdão confirmatório de sentença de pronúncia - pretendida ausência de fundamentação do ato decisório - remissão aos fundamentos fático -- jurídicos expostos na denúncia - validade - alegada improcedência das qualificadoras do crime de Homicídio - reexame de fatos - inviabilidade na sede processual do "Habeas Corpus" - pedido Indeferido. HC 69438 / SP. Izaque Mendes da Silva e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Celso de Mello. DJ, 24 nov. 2006. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1537798

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