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25 de Maio de 2024

As transferências voluntárias: os benefícios e malefícios ao Federalismo Fiscal e o desmantelamento da Autonomia Financeira

Publicado por Ingrid Oliveira
há 6 meses

Ingrid Oliveira Nunes

1 DESCRIÇÃO DO CASO

O Brasil é uma Federação e a autonomia financeira que os entes possuem, é um aspecto indispensável para funcionamento deste sistema. Os entes federados, em especial os chamados “entes subnacionais” (Estados, Distrito Federal e Municípios) precisam dispor de recursos suficientes para fazer frente a suas despesas. Os gastos serão adequados de acordo com cada serviço prestado pelos entes federados. É notável que existe uma distribuição de receitas entre os entes federados e as transferências voluntárias que podem ser entregues a outros entes federados, conforme for conveniente.

2 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DO CASO

2.3.1 As Transferências Voluntárias não transgridem o princípio do Federalismo Fiscal.

A flexibilidade das transferências voluntárias é um sistema que utilizado de modo correto, é fundamental a divisão de recursos entre os entes federados, pois é possível o atendimento das necessidades públicas da forma mais eficiente, e com a flexibilidade exigida pelas peculiaridades dos serviços públicos, dos prestadores e dos beneficiários, além das demais peculiaridades de cada caso concreto. Os contratos de repasse segundo Medauar e Oliveira (2006), as vantagens da cooperação entre os entes federados são perceptíveis quando a racionalização do uso dos recursos existentes, destinados ao planejamento, programação e execução de objetivos são de interesses comuns, a criação de vínculos, com a formação ou consolidação de uma identidade regional, instrumentalização da promoção do desenvolvimento local, regional e nacional, e os esforços para atender às necessidades da população que não poderiam ser atendidas de outro modo diante de um quadro de escassez de recursos.

Atualmente, Municípios menores são dependentes dessas transferências para investimentos e despesas que vão surgindo e ainda que existam critérios a respeito de quais entes receberão ou não recursos, não se observa com precisão a ruptura da autonomia dos entes federativos. Ao estabelecer especificações sobre o que devem ter determinadas obras para receber ou não recursos, o ente que vai repassar as verbas já está decidindo quais obras deverão ou não ser construídas. Entende-se que as transferências voluntárias não transgridem o federalismo fiscal e a autonomia financeira dos entes subnacionais visto que os recursos das transferências voluntárias são do ente repassante, e este não é obrigado a repassá-los a outros entes, sendo decisão particularmente dele. Se escolher repassar, o fará segundo a sua vontade, o que não se confunde com desrespeito a autonomia dos entes previstas na Constituição. A autonomia dos entes está garantida sim nas competências tributárias e nas transferências obrigatórias, as transferências voluntárias estando no rol de discricionariedade do ente concedente. Quando o ente repassa a verba a outro, ele não está lhe concedendo autonomia, porque uma vez que ele decidiu pelo repasse, já existe um destino certo para este dinheiro, já que o receptor tem contato com sua coletividade diretamente. Dessa forma, não haverá conflito com o federalismo fiscal, o detentor vai apenas executar a destinação do recurso que recebeu. Por exemplo, construir postos de saúde, a União determina que precisam ser construídos e que tais Municípios não possuem verba para essa obra, vai então disponibilizar recursos para execução desta. Esse Município já conhece a região, sabe qual a área mais necessitada, conhece os custos de obra no local, tem melhor condição de organizar uma licitação local, de fiscalizar a obra e isto inclusive é atribuição da Constituição. Então com uma análise abrangente de modo técnico, não vai haver conflitos entre as transferências voluntárias e o federalismo fiscal e a autonomia dos entes.

A alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias pela Lei nº 13.602/2018 em seu artigo 74, dispõe que a inadimplência dos Municípios não impede a assinatura de instrumentos e emissão dos respectivos empenhos. Porem, para que recebam a primeira parcela dos recursos financeiros, deve estar adimplente na CAUC que é o Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias. Quanto à competência tributária e a divisão de arrecadação estabelecida constitucionalmente inexistem violações posto que, as transferências são apenas formas de auxílio principalmente aos Municípios que se mostram dependentes desses recursos para efetuar seus investimentos. A União, na prática, decide quais investimentos serão feitos por determinados entes subnacionais.

2.3.2. O princípio do Federalismo Fiscal é infringido pelas Transferências Voluntárias.

As transferências voluntárias pelos demais entes da União prejudicam o princípio do Federalismo Fiscal disposto pela Constituição Federal. O Brasil por ser uma Federação como dispõe o artigo 1º da Carta Magna, as atribuições, arrecadações e competência tributária são divididas entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. No que tange a autonomia real, é necessário que exista uma autonomia financeira e daí a importância ao federalismo fiscal. De acordo com a distribuição de competência pela Constituição quanto ao Sistema Tributário Nacional conforme os artigos 145 a 162 da Constituição, a União vai instituir o imposto de importação, exportação como por exemplo IPI, IR, IOF, também a renda, produtos industrializados, operações financeiras, propriedade rural e grandes fortunas. Por outro lado, caberá aos Estados e ao Distrito Federal o imposto de transmissão causa mortis e doação, de circulação de mercadorias e de propriedade de veículos automotores como ICMS, o ITCMD e o IPVA. Já os Municípios são responsáveis pelos impostos de propriedade predial e territorial urbana e outros serviços como IPTU, ITBI e ISS. (BRASIL, 1988)

O artigo 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) contempla as transferências voluntárias que por sua vez, consistem na entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, com fim de cooperação, auxílio ou assistência financeira. Não estão inclusos recursos de mandamento constitucional, legal, os destinados ao sistema único de Saúde, bem como as descentralizações de recursos a Estados, Distrito Federal e Municípios para a execução de ações cuja competência seja exclusiva da União. José Maurício Conti explica que das transferências da União para Estados e Municípios, cerca de 61,36 bilhões de reais fazem parte de transferências constitucionais e apenas 5,56 bilhões de reais são transferências voluntárias, isto no ano de 2001 (CONTI, 2018). Então, numa análise superficial, estes 7% não vai violar o Federalismo Fiscal. Porém, na verdade, pois no caso dos Municípios por possuírem orçamento com suas receitas derivadas do Fundo de Participação deles, gastam muito com verbas de custeio e acabam por ficarem desprovidos de recursos para investimentos na saúde, escolas, obras públicas e etc. Fica perceptível nesse cenário que a importância e dependência que esses entes possuem desses recursos para a plena realização das políticas públicas de sua gestão. Sendo assim, afirmar que as transferências voluntárias não ameaçariam o federalismo fiscal é utópico.

Cabe também ressaltar que as transferências voluntárias são utilizadas para projetos de saneamento básico nos Municípios. O ente verifica a possibilidade de repassar recursos para a determinada construção ou investimento. Esta verificação já infringe a autonomia do ente subnacional uma vez que ele ficará dependente de uma prévia aprovação do ente que irá repassar a verba para a finalidade pretendida. Este método de transferência de recursos é impedido pela Constituição quando trata da indispensabilidade de meios de transferências dentro dos governos que prevê que o ente que vai doar vai decidir se o projeto a ser alcançado vai precisar daquele recurso ou não. Ao se transferir recursos, independentemente do uso que será dado, a autonomia do ente seria preservada e ele teria a discricionariedade de definir onde essa verba seria melhor alocada.

Os parâmetros basilares que norteiam as transferências voluntárias, ainda não são firmes e pragmáticos por serem arbitrários, o que abre lacunas para privilégios de cunho político como por exemplo, um prefeito de tal Município que é aliado do Presidente da República, pode conseguir deste, vantagens para sua administração e carreira política, este tipo de conduta afeta o Federalismo Fiscal, tendo em vista que as receitas de determinando ente não podem ter natureza subjetiva e muito menos política. As receitas e gastos dos entes subnacionais devem ser feitas com base em futuros investimentos em prol da coletividade local. A partir do momento que o prefeito para administrar sua cidade deve angariar recursos em Brasília, fica evidente que a autonomia dos entes está sendo transgredida, não levando em conta se esta ausência de verbas se deu por desvio político ou desorganização financeira, o correto à ser visto é que a existência das transferências voluntárias, pressupõem uma superioridade entre os entes federativos, extinguindo a autonomia oriunda da Constituição. A ADI 5683 o Ministro Luís Roberto Barroso explica que de acordo com o artigo 167, inciso X da Constituição Federal, é proibido o Estado membro contrair dívida de ente público para pagar servidores e aposentados. E ainda lembra que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), veda a realização de operações de crédito entre instituições financeiras estatais e outro ente da Federação para financiar, despesas correntes. Independentemente se estes parâmetros irão prevenir doações partidárias, barganhas políticas, cabe observância ao princípio da impessoalidade na administração pública quando a autonomia desses entes ainda é afetada.

3 CRITÉRIOS E VALORES

Federalismo Fiscal: é uma técnica de divisão das competências entre os entes federados, e possui diversas dimensões entre arrecadação, gasto e endividamento públicos.

Autonomia Financeira: representa a maior ou menor capacidade de uma empresa ou entidade fazer face aos seus compromissos financeiros através dos seus capitais próprios.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituição/constituição.htm > Acesso em: 15 de setembro de 2020.

BRASIL. Lei Complementar nº 101 de 4 de maio de 2000- Lei de Responsabilidade Fiscal. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /lcp/lcp101.htm > Acesso em: 15 de setembro de 2020.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade- ADI 5683- Origem: RJ - RIO DE JANEIRO Relator: MIN. ROBERTO BARROSO. Relator do último incidente: MIN. ROBERTO BARROSO (ADI-MC-ED). Disponível em: < http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5160707 > Acesso em: 15 de setembro de 2020.

BRASIL. Lei nº 13.602 de 9 de janeiro de 2018- Altera a Lei nº 13.473, de 8 de agosto de 2017, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e a execução da Lei Orçamentária de 2018. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Lei/L13602.htm>; Acesso em: 15 de setembro de 2020.

CONTI, José Mauricio. Levando o Direito Financeiro a Sério : a Luta Continua. 2. ed. -- São Paulo: Blucher, 2018.

MEDAUAR, O; OLIVEIRA, G. J. Consórcios Públicos: comentários à Lei 11.107/2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

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