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23 de Maio de 2024

Estudo de Impacto de Vizinhança

Publicado por Cleocir Moraes
há 7 meses

Para analisarmos substancialmente o Estudo de Impacto de Vizinhança há que se examinar algumas noções precedentes, conforme se verá a seguir.

Da Autonomia Municipal Atribuída pela Constituição Federal de 1988

O federalismo brasileiro inaugurado a partir da Constituição Federal de 1988, inovou ao incluir os municípios na qualidade de entes federativos - juntando-se à União, Estados-membros e Distrito Federal - surgindo assim, como elucida a doutrina constitucionalista, a exemplo de Guilherme Braga Peña, o federalismo tricotômico ou tripartite.

Com o federalismo tripartite, o poder está distribuído verticalmente em poder central (União), caracterizado pelo interesse nacional; poder regional (Estados e DF), com interesse predominantemente estadual; e por fim, poder local (Municípios), interesse exclusivamente municipal.

Neste sentido, o caput do artigo 1º da Carta republicana, que inaugura os princípios fundamentais, qualifica o município - objeto de estudo do presente tópico - como ente integrante do pacto federativo, estabelecendo que “A República Federativa do Brasil, formada pela União Indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito”.

Em seguida, inaugurando o título III “Da Organização do Estado”, o artigo 18 da Constituição Federal, - também prevendo os Municípios - dispõe que:

A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Nesta mesma linha de raciocínio, dando enfoque no Município, a Constituição Federal atribuiu competências comuns entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, como é o exemplo da proteção do meio ambiente, e o combate à poluição. Vejamos:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

Dessarte, verifica-se que desde logo que a Constituição brasileira atribuiu autonomia aos Municípios, o que significa dizer que houve uma outorga de competências administrativas e legislativas, conforme delineado pela Carta Máxima.

A respeito da autonomia, Aguiar (1993, p.41) leciona brilhantemente:

A autonomia municipal é a faculdade que o Município tem, assegurada pela Constituição da Republica, de auto-organizar-se politicamente, através de lei própria, de auto-governar-se, sobre assuntos de interesse local e de auto-administrar-se, gerindo seus próprios negócios e dispondo livremente sobre eles, respeitados o sistema constitucional das competências e as restrições que a mesma Constituição lhe impõe.

A Autonomia Municipal é, inclusive, consagrada como um princípio constitucional sensível (artigo 34, alínea c), sendo, portanto, de observância obrigatória aos demais entes federativos.

Assim, denota-se que este desenho institucional arquitetado pelo Constituinte originário, propiciou ao poder local ou municipal uma maior parcela de atuação e discricionariedade para se autogerir, fortalecendo a ideia de descentralização administrativa, característica marcante do federalismo brasileiro, ou seja menos centralização, e consequentemente, maior distribuição do poder.

Neste diapasão, vem à calhar o que consigna o artigo 29 do Diploma Constitucional:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: (...)

Veja-se que a Lei Orgânica do Município (LOM) constitui diploma fundamental que rege o município, organizando-o, de forma a exercer a autonomia municipal explicitada.

Conforme o artigo 30, I, da Constituição Federal, compete aos Municípios legislarem sobre assuntos de interesse local, cabendo-lhe, nos termos do inciso V do artigo citado, “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.”

Nesta senda, para melhor prestação dos serviços públicos a população municipal, se mostra indispensável que o Município desenvolva a sua ordenação urbana, conforme estabelece o inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal:

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

Neste sentido, Massiris (2002, p. 125) leciona:

Poderíamos afirmar, em síntese, que o ordenamento do território é um instrumento de planejamento, de caráter técnico-político-administrativo, com que se pretende configurar, no longo prazo, uma organização do uso e ocupação do território, de acordo com suas potencialidades e limitações, as expectativas e aspirações da população e os objetivos de desenvolvimento. Concretiza-se em planos que expressam o modelo territorial de longo prazo que a sociedade considera desejável e as estratégias pelas quais se atuará sobre a realidade para evoluir até esse modelo. (grifamos)

Desta forma, o ordenamento territorial, em essência, nada mais é do que a ordem necessária ao bom funcionamento do município, evidenciando significativamente a autonomia municipal erigida pela Constituição Federal, nos termos arguidos.

Da Política de Desenvolvimento Urbano

A Política de Desenvolvimento Urbano, prevista no artigo 182 da Constituição Federal, será executada pelo Poder Público Municipal, consoante diretrizes gerais fixadas em lei, e tem por escopo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantindo-se assim o bem estar de seus habitantes.

Vejamos:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Nestes termos, vale relevar que a política de desenvolvimento urbano através da prestação de serviços públicos, garantindo-se, assim, o bem-estar de seus habitantes, se mostra em verdadeiro instrumento jurídico-político de caráter difusor e concretizador dos direitos sociais (direitos fundamentais), e por sua vez da dignidade da pessoa humana.

Assim a Política de Desenvolvimento Urbano, na prática, é um conjunto de ações desenvolvidas pelo Poder Público Municipal, através, principalmente do chefe do executivo auxiliado pelas secretarias municipais, com o objetivo de garantir uma melhor qualidade de vida aos seus habitantes, através do já citado ordenamento territorial, bem como de instrumentos que propiciam uma melhor utilização e aproveitamento do solo, cumprindo-se assim, a função social da propriedade urbana.

Nesta senda, quanto mais desenvolvimento urbano, melhor pode ser a prestação das funções públicas em benefício da sociedade, concretizando, exponencialmente, a ideia de justiça distributiva, propiciando uma melhor fruição dos direitos e garantias fundamentais.

Indubitavelmente que, dentro da ideia de política de desenvolvimento urbano deve residir o máximo respeito à inviolabilidade do meio-ambiente e seus recursos naturais, tal qual estabelece o já examinado artigo 225 da Constituição Federal, conforme analisamos ao tratar do EIA/RIMA.

A seguir, examinaremos o Estatuto da Cidade, - importante elemento da política de desenvolvimento urbano, bem como da autonomia municipal - que tem por escopo a gestão das cidades, constituído por instrumentos jurídico-políticos, a exemplo do plano diretor, bem como o estudo de impacto de vizinhança que possuem importância ímpar na administração municipal, conforme se verá.

Estatuto da Cidade

Na década de 60, as cidades cresceram repentinamente, pois a maioria das pessoas que viviam na área rural mudaram-se para a área urbana, tendo em vista as ofertas de emprego, que cresceram com o processo de industrialização.

Contudo, as cidades se desenvolveram de forma desorganizada, principalmente na ocupação e utilização do solo, pois, não havia planejamento urbano.

Assim com o intuito de melhorar a situação das cidades, onde o crescimento repentino vendou os olhos para as mazelas sociais, piorando as condições de vida da sociedade, entrou em vigor o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001, norma de ordem pública e interesse social, que visa ordenar o uso e a ocupação do solo de forma inteligente, e garantir a sustentabilidade urbana.

Com base nessas premissas, Marcos Abreu Torres (2007, p. 209), leciona que:

“O advento do Estatuto da Cidade dá aos municípios a chance de reparar uma parcela considerável das injustiças sociais consequentes dos processos desordenados de urbanização ocorridos no país ao longo das últimas décadas, pois se trata de uma lei espelhada na “Constituição Cidadã” atual, preocupada em destinar uma função social à propriedade privada. (…) A “faca e o queijo” estão nas mãos dos gestores públicos”.

Denota-se, assim, que o Estatuto da Cidade, é uma norma administrativa, que auxilia e orienta a administração pública, visando assegurar a segurança, o bem estar coletivo, e principalmente o equilíbrio ambiental, dessa forma garantido um crescimento equilibrado da cidade, conforme o disposto no art. da norma em comento. Vejamos:

Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;

De acordo com o artigo acima citado, observa-se que o Estatuto da Cidade é um instrumento jurídico que visa ordenar o desenvolvimento das cidades, traçando os rumos nos quais as cidades devem seguir para garantir uma boa qualidade de vida aos seus habitantes.

O Estatuto da Cidade atende ao princípio do desenvolvimento sustentável, que é fundamental, pois as pessoas são o centro das preocupações e têm o direito a uma vida saudável e produtiva.

Nessa perspectiva, as funções sociais exercidas pelo Estatuto da Cidade, garantem o princípio da dignidade da pessoa humana.

Vale difundir que para garantir a sustentabilidade da cidade, o Estatuto da Cidade utiliza algumas ferramentas, que são essenciais para garantir um bom desenvolvimento urbano, essas ferramentas são os já examinados, Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA), analisado acima, o Estudo prévio de Impacto de Vizinhança (EIV), bem como o Plano Diretor, destacados no artigo 4º da lei em comento, e que serão melhor analisados a seguir.

Análise do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)

Conforme já estudado, o Estatuto da Cidade é responsável por estabelecer diretrizes gerais da política urbana visando o bem social e ambiental, utilizando ferramentas como o Estudo de Impacto de Vizinhança, que é obrigatório para obter a autorizações, ou licenciamento para contrução, ou modificação em empreendimentos ou atividades em area urbana.

O Estudo de Impacto de Vizinhança, é o meio pelo qual a gestão pública tem para conhecer mais sobre o empreendimento, saber quais são seus riscos, e quais são seus impactos na vizinhança, é um documento que visa prevenir impactos irreversíveis para a cidade.

Nessa perspectiva, o jurista Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2002, p. 219), leciona o seguinte:

"Mais importante instrumento de atuação no meio ambiente artificial na perspectiva de assegurar a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) tem como objetivo compatibilizar a ordem econômica do capitalismo (arts. 1º, IV, e 170 da Constituição Federal) em face dos valores fundamentais ligados às necessidades de brasileiros e estrangeiros residentes no país justamente em decorrência do trinômio vida / trabalho / consumo."

O EIV é considerado uma ferramenta de execução de política urbana, conforme determina o Estatuto da Cidade, pois estabelece norma de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade privada, em prol do bem coletivo, e consequentemente o equilíbrio ambiental.

Assim, percebe-se que o Estudo do Impacto de Vizinhança é um documento de estudo técnico que os empreendedores elaboram, e apresentam ao Poder Público Municipal. E neste estudo deve conter uma analise profunda sobre sobre varios aspectos, conforme determina o artigo 37 do Estatuto da Cidade.

Vejamos:

Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:
I – adensamento populacional;
II – equipamentos urbanos e comunitários;
III – uso e ocupação do solo;
IV – valorização imobiliária;
V – geração de tráfego e demanda por transporte público;
VI – ventilação e iluminação;
VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.
Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado.

Portanto, o Poder Público Municipal, antes de conceder o licenciamento ao empreendimento ou atividade, deve analisar o Estudo de Impacto de Vizinhança, para previnir, ou minimizar os impactos que as atividades e empreendimento possam causar na vizinhança, e acima de tudo, assegurar que a obra não venha comprometer a sustentabilidade da cidade.

Nesse sentido, o tribunal de justiça de santa Catarina, tem adotado o seguinte entendimento:

APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. SALÃO DE EVENTOS MUSICAIS. ALVARÁ EXPEDIDO SEM ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA. PROVIDÊNCIA EXIGIDA POR LEI MUNICIPAL CÔNSONA COM O ESTATUTO DA CIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. SENTENÇA REFORMADA. ORDEM CONCEDIDA. Em atenção à norma estabelecida por Lei Municipal (LCM n. 306/2007), cônsona com o Estatuto da Cidade (Lei Nacional n. 10.257/2001), reverenciando, consequentemente, o princípio constitucional da legalidade (art. 37, caput, CF), não há como admitir-se a dispensa da apresentação de estudo de impacto de vizinhança antes da expedição de alvará de funcionamento do estabelecimento em apreço, destinado à promoção de atividade de lazer relacionada com música, dança e bar (discoteca, danceteria, etc), sob pena de negar-se vigência ao reportado comando legal.
(TJ-SC - MS: 20150674904 Lages 2015.067490-4, Relator: João Henrique Blasi, Data de Julgamento: 15/03/2016, Segunda Câmara de Direito Público)(Grifamos)

Conforme o supra Tribunal, o alvará de funcionamento, ou licenciamento não deve ser concedido antes da elaboração do EIA, pois é através deste estudo que o poder público analisara os impactos, seja eles negativos ou positivos, e observará também, se o empreendimento não afeta a qualidade de vida da população residente na área ou nas proximidades, ou seja, a vizinhança. .

Vale destacar, que nem todos os empreendimentos ameaçam degradar a sustentabilidade da cidade, assim, compete ao Municipio, estabelecer quais são as atividades que necessitam da elaboração do EIV, conforme o artigo 36 do Estatuto da Cidade. Vejamos:

Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.

Assim, cada municipio devera elencar em seus ordenamentos, quais são os tipos de atividades ou empreendimentos, capazes de degradar a sustentabilidade da cidade.

Conclusão

Conclui-se, portanto, que o EIV possui caráter preventivo, uma vez que visa evitar, ou ao menos minimizar os impactos negativos que os empreendimentos ou atividades possam causar no meio ambiente artificial. E, uma das finalidades do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), é garantir o direito do cidadão à uma cidade sustentável.

Referência

AGUIAR, Joaquim Castro. Competência e Autonomia dos Municípios na Nova Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 3ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 219-220

MASSIRIS CABEZA, A. Ordenación del territorio en América Latina. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona, vol. VI, n.. 125, 1º de octubre de 2002.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituição/Constituição.htm

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