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30 de Maio de 2024

Excesso de Prazo Injustificado no Processo Penal, Cabe Reparação?

há 2 anos

A coação estatal é limitada pela efetivação do instrumento que lhe é posto à disposição [1] - o processo penal, e o cidadão tem o direito de conhecer/saber antecipadamente o tempo de duração do processo ou de uma prisão cautelar.

Nessa perspectiva, por meio da Emenda Constitucional número 45, de 2004, foi consagrada a garantia constitucional da duração razoável do processo. A despeito do avanço, não foram estabelecidos parâmetros para conceituar ou delimitar o que seja “razoável duração do processo”, tampouco as consequências do desrespeito dessa garantia.

Nas lides diárias nos diversos tribunais do nosso País, não são raros os casos de réus reclamarem de excesso de prazo na formação da culpa e, ao final da instrução, serem absolvidos, impronunciados, condenados a pena restritivas de direitos ou nos regimes diversos do fechado.

Assim, o excesso de prazo injustificado vicia o processo como um todo, ainda que a pena final imposta seja legítima e conforme o direito, e esse constrangimento ilegal exige compensação por parte do Estado, uma vez que o réu não está obrigado a suportar [2].

Como exemplos de soluções compensatórias de natureza penal ofertadas pelo nosso ordenamento jurídico, podemos citar a detração, o perdão judicial e a atenuante inominada do art. 66 do Código Penal.

Do mesmo modo, a superação de súmula, como o enunciado número 231 do STJ, que estabelece que “[a] incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”, poderia ser manejada pelo julgador para corrigir a retenção abusiva do tempo pelo Estado.

Soluções processuais também podem ser aplicadas, tais como a extinção do feito, arquivamento, declaração de nulidade dos atos praticados após o marco delimitador da legalidade, absolvição, suspensão da execução e dispensabilidade da pena.

Tais medidas se mostram adequadas para reparar demoras injustificadas.

Se nas relações privadas há reparação por ilegalidades, o Estado deve entender que a sua atuação abusiva, subtraindo tempo mais que o autorizado no processo penal, sobretudo do réu preso, também enseja uma reparação, e a doutrina nos ensina que a melhor forma de fazer a correção “[é] assumir o tempo do processo como pena, que, portanto, deverá ser compensado na pena de prisão final aplicada.” ( LOPES Jr., A., 2021. p. 239)

Essa postura, como uma política pública reparatória de danos na esfera penal se coaduna com os princípios que protegem a dignidade humana e orientam a constituição e a nossa sociedade.

Sobre as outras formas de reparação, vale destacar um exemplo vindo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao julgar a apelação criminal n. 70019476498.

Neste caso, o fato teria ocorrido em 23/7/2000, um roubo praticado em concurso de agentes; a sentença foi proferida em dezembro de 2005 e a apelação foi julgada em 14/6/2007. A Corte revisora entendeu tratar-se de processo simples, com apenas um delito a ser apurado e dois réus, sendo que a defesa não teria contribuído para a demora no trâmite. Reconhecido o retardo injustificado, aplicou uma solução compensatória ao dar provimento ao recurso defensivo para absolver o réu. Essa é a ementa do acórdão:

Ementa: ROUBO. TRANSCURSO DE MAIS DE SEIS ANOS ENTRE O FATO E A SENTENÇA. PROCESSO SIMPLES, SEM COMPLEXIDADE. ABSOLVIÇÃO. 1. O tempo transcorrido, no caso em tela, sepulta qualquer razoabilidade na duração do processo e influi na solução final. Fato e denúncia ocorridos há quase sete anos. O processo, entre o recebimento da denúncia e a sentença demorou mais de cinco anos. Somente a intimação do Ministério Público da sentença condenatória tardou quase de cinco meses. Aplicação do artigo 5º, LXXVIII. Processo sem complexidade a justificar a demora estatal. 2. Vítima e réu conhecidos; réu que pede perdão à vítima, já na fase policial; réu, vítima e testemunha que não mais lembram dos fatos. 3. Absolvição decretada. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. (Apelação Crime, Nº 70019476498, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em: 14-06-2007)

Como vimos, embora seja cabível a reparação, não se verifica uma aplicação recorrente na justiça brasileira, mesmo tendo à disposição soluções jurídicas para concretizar uma política pública reparatória no processo penal. E aqui, a moeda a ser valorada para fins de compensação é o tempo, pois tudo que for realizado no processo além do prazo razoável é ilegítimo e vulnera o princípio da legalidade [3].

Assim, parece não haver impedimentos para aplicação de medidas compensatórias quando reconhecido o excesso de prazo na fase de conhecimento. Caberá ao juiz, ao final do processo penal, avaliar formas de o Estado reparar o dano decorrente da excessiva demora, tendo sempre em mente que “[a] flecha do tempo é irreversível e o tempo que o Estado indevidamente se apropriou, jamais será suficientemente indenizado, pois não pode ser restituído”. (LOPES Jr., A., 2021. p. 240).

Referências:

LOPES Jr., Aury. Direito de ser julgado em um prazo razoável: o tempo como pena e a (de) mora jurisdicional no processo penal. Ciência Penais: Revista da Associação Brasileira de Ciências Penais. V. 1, n. 1, jul./dez. 2004.– 18. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

RUY, Diana. Prisão cautelar e direito ao julgamento no prazo razoável / Diana Ruy. – 1. ed. – Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2021.

Site do Superior Tribunal de Justiça: < https://scon.stj.jus.br/SCON/ >. Acesso em 19/9/2022.

Site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: https://www.tjrs.jus.br/novo/buscas-solr/?aba=jurisprudencia&q=&conteudo_busca=ementa_comple.... Acesso em 19/9/2022.


[1] RUY, Diana. Prisão cautelar e direito ao julgamento no prazo razoável / Diana Ruy. – 1. ed. – Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2021. p. 115.

[2] LOPES Jr., Aury. Direito de ser julgado em um prazo razoável: o tempo como pena e a (de) mora jurisdicional no processo penal. Ciência Penais: Revista da Associação Brasileira de Ciências Penais. V. 1, n. 1, jul./dez. 2004.– 18. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p. 241.

[3] Idem. p. 239

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