Lesões e mortes por projéteis de arma de fogo
INTRODUÇÃO
Com efeito, cotidianos são os casos de homicídios e lesões corporais resultantes de violências à mão armada; penoso é saber, que ao mesmo passo, poucos seriam capazes de, diante de uma cena de lesão por projéteis de arma de fogo, identificar as peculiaridades da lesão, e a partir dela deduzir informações concernentes a forma do disparo, que parecem pairar evidentes, ou pouco implícitas, quando consideradas as noções científicas elucidadas no campo da medicina legal e da balística forense.
O escopo do presente artigo é traçar as noções gerais das lesões e mortes por projéteis de arma de fogo, propondo a análise, desde a anatomia de um cartucho, as noções propedêuticas de balística forense e perícia criminal, de caráter e utilidade prática.
Trabalha-se no presente escrito distinções conceituais fundamentais para a compreensão efetiva das terminologias empregadas no âmbito da medicina – legal, e ainda, as teorias desenvolvidas ao longo do decurso histórico que teceram grande colaboração para este campo.
Para além de meras conceituações cientificas, são trazidas à baila as distinções práticas que viabilizam a identificação de lesões típicas de determinadas procedimentações nos disparos; como as orlas, que permitem identificar lesões de entrada (a partir da orla de enxugo ou anel de Fish), distância do tiro (a partir da presença de elementos do cano de dispersão), ângulo do disparo (a partir dos centros das orlas componentes do anel de Fish) e etc; mas, que não se adiante os sucessos, é crendo que preferível o conteúdo aos cumprimentos preambulares, que passamos ao mesmo subsequentemente.
DAS PARTICULARIDADES DO PROJÉTIL
Projétil de arma de fogo é um instrumento vulnerante, perfuro contundente, que causa lesão perfuro-contusa, isto é, perfura porque tem ponta, e contunde pois, animado por uma energia cinética, quando transferido para o corpo, altera seu estado normal de funcionamento, causando uma lesão.
É cediço que quando se desfere um tiro, o projétil é disparado; para melhor compreensão, uma análise de sua estrutura nos revela que o projetil é aquele localizado na parte superior do cartucho, acima da camisa/estojo; dentro da camisa/estojo tem-se o propelente (normalmente a pólvora), uma substância que entra em combustão, passando do estado sólido para o estado gasoso n’uma velocidade abissal, o que faz com que os gases propulsem o projetil para frente, expulsando o projetil do cano da arma; na base do estojo tem-se a capsula de espoletamento, que contém uma mistura iniciadora chamada de “primer”. Têm-se então elucidadas as noções gerais para compreensão do processo do disparo - quando acionado o gatilho da arma, solta-se a mola do retém do percursor, o percursor toca a capsula de espoletamento, gerando uma centelha, esta que faz com que o propelente entre em combustão, expandindo os gases, que por sua vez propulsam o projétil para frente, o projétil sai do cano da arma, sendo disparado, fazendo uma série de movimentos, assim ocorre, efetivamente, o tiro.
Os projetis podem ser classificados quanto à velocidade, como de baixa velocidade (viajam em velocidade inferior à 300 m/s), média velocidade (viajam em velocidade entre 300 m/s e 680 m/s), e alta velocidade (viajam em velocidade superior à 680 m/s); importa dizer que 300m/s é a velocidade do som no ar, e logicamente, 680m/s o dobro do som do ar, o que significa que ao ouvir o som do disparo do projétil, provavelmente o mesmo já viajou nesta velocidade, passando pelo ouvinte.
A partir do conhecimento do projetil pode-se calcular sua energia cinética, isto é, o projetil ao sair do cano da arma carrega consigo uma energia cinética, e para calcular essa energia cinética, se utiliza a fórmula "Energia Cinética = Massa do Projétil x velocidade ² / 2"
DO DISPARO
Quando efetuado o tiro, é feita expulsão do projétil (elemento primário do tiro) do cano da arma, e juntamente com ele, elementos do cone de dispersão (elementos secundários do tiro) que, a depender do calibre e de suas peculiaridades, alcançam determinada distância, geralmente pequena; o cone de dispersão é formado por pólvora combusta, pólvora incombusta, micropartículas de metal do cano da arma, vapor super aquecido, e língua de fogo.
A partir destas concepções se torna mais fácil a compreensão das expressões de literatura médico-legal de balística forense, “ tiros à curta distância” (quando os elementos que formam o cone de dispersão atingem a vítima), e “tiros à distância” (quando os elementos do cone de dispersão não atingem a vítima, somente o projétil atinge-a).
- Elementos ou efeitos primários do tiro
Resultam da ação do projétil, tudo aquilo que o projétil causar, característicos do ponto de impacto, independendo da distância do tiro.
- Efeitos secundários do tiro
São resultantes dos tiros à curta distância, da ação dos gases, seus explosivos, de resíduos da combustão da pólvora e de micro - projéteis.
- Trajeto e trajetória do projétil
Trajeto é o percurso do projétil dentro do corpo da vítima. Trajetória é o percurso do projétil fora do corpo da vítima.
ORLAS CAUSADAS PELOS PROJÉTEIS (EQUIMOSE, ENXUGO,ESCORIAÇÃO)
Orla de enxugo
Quando é efetuado um disparo, geralmente o projétil disparado irá encontrar a pele, no primeiro contato que se tem com o corpo, o que ocorre é que o projetil disparado geralmente está aderido de varias substancias do próprio cone de dispersão, isto significa que quando o projetil atravessa a pele, deixa na mesma estas substâncias, isto é, esta passagem pela pele faz com que na mesma seja deixada uma primeira orla, chamada de orla de enxugo ou alimpadura (justamente porque o projétil se enxuga destas substancias de que veio eivado).
Cabe ratificar que a orla de enxugo/limpadura não está presente nas lesões de saída, somente nas lesões de entrada, ora, se o projetil sai do cano da arma carregando as substâncias, e a partir da entrada no corpo o mesmo se limpa, logo, quando sair do corpo, não deixará orla de enxugo (formada pelas substancias que o mesmo inicialmente carregava do cano de dispersão), cumpre destacar, contudo, que embora a orla de enxugo importe em lesão de entrada, sua ausência não significa ser lesão de saída, por duas essenciais razões, primeiramente porque o tiro pode ter sido dado com anteparo (por exemplo um travesseiro onde o projétil se limpa no mesmo, e posteriormente perfura o corpo da vítima), sendo assim, uma lesão de entrada sem orla de enxugo, a segunda razão é que pode haver 2 entradas no corpo (o projétil atravessa alguma parte do corpo primeiro se limpando das substâncias, e depois atravessa outra, não deixando orla de enxugo).
Orla de escoriação
Quando o projétil passa pela pele, atinge a derme e depois a epiderme. Escoriação tem por definição o "arrancamento traumático da epiderme com exposição da derme sem, contudo, ultrapassa-la".
Quando ocorre a passagem do projétil, ele gerará uma primeira orla, chamada orla de enxugo conforme supracitado, podendo gerar uma segunda orla, que é a orla de escoriação, ao redor do orifício de entrada, gerando o arrancamento traumático da epiderme com exposição da derme sem, contudo, ultrapassa-la, cabendo ratificar que a orla de escoriação não é formada pela rotação do projétil, podendo estar presentes também quando dos disparos de projéteis oriundos de armas de alma lisa .
O conjunto destas duas orlas (de enxugo e escoriação) forma o conceito de anel de fish, que é justamente o somatório das orlas de enxugo e escoriação. Cabendo frisar, contudo, que pode haver escoriação na lesão de saída, quando há anteparo inviabilizando a saída do projétil, mas o anel de fish só estará presente na lesão de entrada, já que a lesão de enxugo não estará presente na lesão de saída.
Anel de fish excêntrico e concêntrico
Quando as duas orlas (de enxugo e escoriação) tem o mesmo centro, formam o anel de fish concêntrico, isto significa, do ponto de vista médico – legal, que o projetil quando entrou no corpo, formou um ângulo de 90 graus.
Quando as orlas (de enxugo e escoriação) tem centros diferentes, formam o anel de fish excêntrico, isto significa que o projétil entrou no corpo com determinada inclinação.
O valor médico legal, a partir destas distinções, da presença do anel de fish, é justamente identificar a incidência do disparo, e ainda denuncia uma lesão de entrada (pela presença da orla de enxugo).
Orla de equimose
A equimose tem por definição um trauma onde o sangue que fica dentro dos vasos extravasa e se infiltra nas malhas dos tecidos adjacentes à lesão e é visto pela transparência de uma membrana (normalmente a pele).
Quando o projetil passa pela pele rompem-se alguns vasos sanguíneos, na derme (camada vascularizada da pele), o sangue extravasa, e na orla em torno do orifício se gera a orla de equimose, pois se da pela infiltração de sangue nas bordas da lesão.
ORLAS CAUSADAS PELO CANO DE DISPERSÃO
As orlas citadas no tópico anterior são causadas pelo projétil, entretanto, é cediço que quando ocorre o tiro, juntamente com o projetil são expelidos os elementos do cone de dispersão, e se a vítima é atingida por estes elementos, em tiros de curta distância ou à queima roupa, na lesão de entrada surgirão mais três orlas (orla de tatuagem, orla de queimadura, e orla de esfumaçamento).
CARACTERISTICAS DOS ORIFÍCIOS DE ENTRADA E SAÍDA
O orifício de entrada nas lesões por projéteis de arma de fogo tem borda invertida, isto é, a borda da lesão voltada para dentro. Quando o projetil sair, a borda será evertida, isto é, a borda voltada para fora.
As características da lesão de entrada nos tiros à distância são: bordas regulares, invertidas, normalmente com orifício de entrada de diâmetro menor do que o calibre do projétil (pois as fibras elásticas tentam fechar o orifício).
Já nas lesões de saída as bordas são evertidas (voltadas para fora), e não são regulares, isto porque quando o projétil faz o trajeto, isto é, entra no corpo, o mesmo se desestabiliza, gastando mais energia cinética para saída, a desestabilização faz com que as bordas sejam irregulares.
TIROS COM CANO ENCOSTADO
Boca de mina de Hofmann
Nos tiros com cano encostado em locais com plano ósseo por baixo, exemplificativamente a têmpora (abóbora craniana), quando é efetuado o disparo, o projetil quebra os ossos do crânio, e entra no encéfalo, juntamente com o projetil, os elementos do cano de dispersão batem no osso e explodem à pele para fora, gerando assim uma lesão com bordas irregulares, evertidas (voltadas para fora), e um impregnamento centralizado de pólvora, o que é chamado de sinal de boca de mina de Hoffmann.
Sinal de Benassi
Sinal de Benassi é uma tatuagem de pólvora no osso, quando o tiro é efetuado com o cano encostado no osso, o projetil quebra o osso, os gases explodem a pele para fora, formando a boca de mina de Hoffmann, contudo, é característico do sinal de Benassi que a pólvora que entrou em combustão fique decalcada no osso.
Sinal de Puppe Werkgaertner
Este sinal se dá em tiros com cano encostado, em locais sem plano ósseo por baixo, o projétil sai do cano da arma, a boca do cano da arma causa um impacto na pele, marcando a boca da arma, a massa de mira, na pele.
Sinal de Bonett (tronco de cone de Bonett)
Não está ligado a distância do disparo, mas sim a incidência do disparo, isto é, determinabilidade do trajeto (onde é a lesão de entrada e saída).
O ser humano possui 206 ossos no corpo, alguns ossos possuem duas tábuas ósseas que se sobrepõem (como é o caso do crânio), em casos de tiros nestes ossos, o projétil é disparado seguindo uma trajetória, encontra a primeira tábua óssea causando um orifício, se desestabilizando, e quando encontra a segunda taboa óssea causa um segundo orifício maior do que o primeiro, uma vez dentro do crânio, o projetil segue um trajeto, e em sua saída encontra a primeira taboa óssea gerando um orifício, desestabiliza-se, e ao encontrar a segunda taboa óssea gera um orifício maior do que o primeiro, assim têm-se dois troncos e cones, um na lesão de entrada e outro na lesão de saída, sendo que este tem a base maior para fora do crânio, e aquele tem a base maior para dentro do crânio.
CONCLUSÃO
Ante todo o supracitado, conclui-se que os mecanismos advindos do campo da medicina legal representam subsídio essencial à perícia criminal e a balística forense; decerto, fazem-se essenciais na carreira do operador do direito, sobretudo aqueles que pretensos à atuação nas áreas interrelacionadas e correlacionadas com o Direito Penal, mormente os que anseiam pelas carreiras policiais.
A partir das teorias que foram esposadas e das conceituações e elucidações que permeiam o presente artigo , crê-se com veemência que edificara-se novo saber, isto porque, antes de aqui trabalhados estes ensinamentos, foram eles aprendizados.
Se não se sabia, até então, sobre a efetuação de um disparo, a estrutura anatômica de um cartucho, as distinções entre trajeto e trajetória, os elementos do cone de dispersão, as distinções entre as orlas presentes nas lesões e “as denúncias feitas pelas mesmas”, as características das lesões de entrada e saída, as propriedades dos sinais de boca de mina de Hoffman, de Bonett, e de Benassi, agora se sabe.
A partir das distinções traçadas até aqui, o efeito médico legal se dá, no plano concreto, à partir da identificação das peculiaridades com que ocorreram os disparos, o que pode ser utilizado não só na alçada investigativa, mas também nas sustentações e defesas nos processos criminais, na inquisição dos criminosos, e principalmente para a promoção justa e efetiva das medidas punitivas dos criminosos; por mais Hollywoodiano que possa parecer, a medicina legal não torna o operador do direito “um Sherlock Holmes”, mas permite-o saber, que até mesmo o “disparo perfeito”, ainda que possa não deixar indícios de sua autoria, deixará sempre elementos concretos que torne possível a dedução da forma com que o mesmo se deu; por fim, espera-se, lucidamente, que o presente artigo tenha contribuído para aprendizagem e aprimoramento daqueles que buscam se aventurar no campo da Medicina Legal.
3 Comentários
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Magnífico! continuar lendo
excelente continuar lendo
muito bom continuar lendo