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18 de Maio de 2024
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    Nudes - Análise dos arts. 218-C e 216-B, ambos do Código Penal Brasileiro.

    Kelle Lobato Moreira - Mestre em Direito pelo Consórcio Erasmus Mundus, da União Europeia: Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, e Universidade de Rouen, França.

    Publicado por Kelle Lobato Moreira
    há 3 anos

    Em 08/08/21, o Fantástico apresentou uma matéria sobre «nudes» que consiste em mandar e receber fotos de pessoas nuas. Segundo a Dra. Beatriz Accioly Lins, antropóloga da USP e entrevistada na ocasião, a exposição dessas imagens, sem consentimento, pode ter consequências devastadoras na vida das pessoas, como a de uma adolescente que suicidou-se depois que teve suas fotos íntimas divulgadas na internet e entre colegas da escola que frequentava. Diante dos relatos de vítimas, a Dra. Beatriz transformou sua pesquisa no livro «Caiu na Net: Nudes e exposições de mulheres na internet.»

    A prática de «nudes» é cada vez mais comum no contexto digital e pode se tornar um grande problema quando há a quebra de confiança entres os envolvidos, com consequências jurídicas nas esferas civil (pedido de reparação por dano moral e/ou indenização por dano material, perda de uma chance etc.) e penal (é crime).

    No plano penal há o art. 218 - C, integrado ao Código Penal (CP) pela Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, que passou a tratar como crime a divulgação de cenas de sexo ou imagens de «nudes» sem o consentimento da vítima.

    O art. 218-C, integra o rol dos crimes contra a liberdade sexual, sendo a ação penal de natureza pública incondicionada, o que significa que a apuração dos fatos pela polícia e a promoção da ação penal pelo Ministério Público não estão sujeitas à representação da vítima. O Ministério Público poderá oferecer denúncia independentemente de qualquer manifestação da vítima, que deve comunicar a ocorrência do crime às autoridades competentes – polícia (notitia criminis).

    O tipo penal do art. 218 - C do CP é considerado misto-alternativo por conter várias condutas; mesmo que o agente pratique mais de uma delas, no mesmo contexto, não haverá concurso de crimes (somatório), mas crime único.

    «Diz o art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

    Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.»

    § 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. Exemplo: companheiros (as) ou ex-companheiros (as), namorados (as) ou ex-namorados (as).

    Observação importante: Em relação ao § 1º, quando a pornografia tiver por finalidade vingança ou humilhação da vítima, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido pela irrelevância da demonstração do rosto da vítima no material divulgado, sem o seu consentimento, para a configuração do dano moral.

    «A exposição pornográfica não consentida, da qual a pornografia de vingança é uma espécie, constituiu uma grave lesão aos direitos de personalidade da pessoa exposta indevidamente, além de configurar uma grave forma de violência de gênero que deve ser combatida de forma contundente pelos meios jurídicos disponíveis. O fato de o rosto da vítima não estar evidenciado nas fotos de maneira flagrante é irrelevante para a configuração dos danos morais na hipótese, uma vez que a mulher vítima da pornografia de vingança sabe que sua intimidade foi indevidamente desrespeitada e, igualmente, sua exposição não autorizada lhe é humilhante e viola flagrantemente seus direitos de personalidade.» (STJ. 3ª Turma. Resp. 1.735.712 - SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/05/2020. Informativo. 672).

    𝐄𝐱𝐜𝐥𝐮𝐬ã𝐨 𝐝𝐞 𝐢𝐥𝐢𝐜𝐢𝐭𝐮𝐝𝐞

    § 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos.

    𝐎 𝐬𝐮𝐣𝐞𝐢𝐭𝐨 𝐚𝐭𝐢𝐯𝐨 desse crime é qualquer pessoa que divulga, oferece, troca, disponibiliza, transmite, pública, vende ou expõe à venda, sem o consentimento da vítima, cenas de sexo, nudez ou pornografia. Não é necessário ter relação íntima de afeto com a vítima.

    𝐎 𝐦𝐞𝐢𝐨 𝐮𝐭𝐢𝐥𝐢𝐳𝐚𝐝𝐨 pode ser qualquer sistema apto a transmitir fotografias, vídeos ou outra forma de registro audiovisual por canais de comunicação, de informática ou de telemática, como WhatsApp, Instagram, Facebook, Telegram.

    𝐎 𝐜𝐨𝐧𝐭𝐞ú𝐝𝐨 𝐨𝐛𝐣𝐞𝐭𝐨 𝐝𝐨 𝐭𝐢𝐩𝐨 𝐩𝐞𝐧𝐚𝐥 é a divulgação de material/fotográfico e/ou filmagem de cena de sexo, nudez ou pornografia, sem o consentimento da vítima.

    𝐀 𝐯í𝐭𝐢𝐦𝐚 pode ser qualquer pessoa que tenha integrado o registro audiovisual com o mencionado conteúdo. O consentimento da vítima, por razões óbvias, não afasta a tipicidade da conduta nos casos de estupro, estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, mas apenas nos casos de sexo, nudez ou pornografia.

    Há outro dispositivo legal que também trata da matéria: o art. 216 - B, inserido no CP pela Lei nº 13.772/18 (Lei Rose Leonel) que diz:

    «Art. 216 – B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

    Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo» O crime tipificado nesse artigo também tem ação pública incondicionada.

    O art. 218 - C difere do art. 216 - B porque, no primeiro, exige-se a divulgação da imagem; no segundo, basta que o agente realize filmagens ou fotografe a vítima em situação de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado, sem, contudo, divulgar o teor dos registros.

    O contexto da cena registrada não precisa contar com o próprio agente responsável pelo registro como personagem dela. Também não tipifica crime o registro de cena com esse conteúdo, realizada em público e desprovida de intimidade e de privacidade.

    Cabe uma pergunta: – Se o agente praticar as condutas tipificadas nos dois dispositivos mencionados – filmar ou fotografar a vítima em situação de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado e divulgar as imagens – haverá concurso material de crimes (as pensas serão somadas)?

    Considerando que ambos são crimes da mesma espécie, destinados a proteger o mesmo bem jurídico (a liberdade sexual), o crime do art. 218-C deve ser considerado continuidade do primeiro, art. 216-B.

    Anoto que existem divergência sobre o tema. Há doutrinadores que defendem a aplicação do concurso material (somatório das penas) no caso em que o agente filma, guarda e, posteriormente, divulga as imagens.

    Entretanto, se as filmagens ou as fotografias foram realizadas com o intuito de serem divulgadas e o registro foi o meio empregado para o cometimento do crime fim, a divulgação, a conduta prevista no art. 218-C deverá absorver o conteúdo daquela prevista no art. 216-B, aplicando-se, para solução do conflito aparente de normas, o princípio da consunção, em que o crime fim absorve o crime meio.

    𝐄𝐦 𝐜𝐨𝐧𝐜𝐥𝐮𝐬ã𝐨, se você foi vítima de alguma modalidade desses crimes, procure ajuda. Não deixe de informar às autoridades competentes.

    Existem, também, ONGS que prestam ajuda. Deixo o registro da ONG Marias da Internet (@mariasdainternet).

    Há mecanismos de proteção nos próprios canais de comunicação, que amenizam os riscos. O Instagram permite o envio de arquivo/foto com a possibilidade de visualização apenas uma vez. O Telegram possui a possibilidade de um bate-papo secreto em que qualquer arquivo enviado é apagado no tempo desejado (seleção de segundos) e caso o destinatário «print» o arquivo enviado, você será avisado (a) imediatamente sobre a captura de tela.

    Protejam-se.

    #aplicaçãododireitopenalnodiaadia.

    #nãocopieotextosemautorizaçaodaautora.

    Reportagem Completa/Fantástico:

    https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/08/08/nudes-intimoseperigosos-revela-antropologa-em-livro.ghtml.

    𝐀𝐮𝐭𝐨𝐫𝐚: 𝐊𝐞𝐥𝐥𝐞 𝐋𝐨𝐛𝐚𝐭𝐨 𝐌𝐨𝐫𝐞𝐢𝐫𝐚, 𝐀𝐝𝐯𝐨𝐠𝐚𝐝𝐚 𝐞 𝐌𝐞𝐬𝐭𝐫𝐞 𝐞𝐦 𝐃𝐢𝐫𝐞𝐢𝐭𝐨.

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