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28 de Maio de 2024

O crime de lavagem de capitais em meio digital: Breve estudo analítico sobre a evolução do tipo penal e sua rápida adaptabilidade aos meios virtuais.

Publicado por Camila Falkowski
há 15 dias

A evolução histórica do ser humano, da sopa primordial dos fundos oceânicos até seu pleno desenvolvimento físico, mental, intelectual até a presente denominada era digital; houvera a necessidade de resguardo de recursos afim de possibilitar tanto a permanência da espécie como o próprio bem estar. A moeda, valor monetário substituto do escambo, também se evolucionou por entre as eras; de peça metálica de materiais diversos, papel filigranado até a presente moeda digital, também designada como criptomoeda.

O Estado, espectador e intermediador das relações humanas, possibilitou a efetividade da segurança financeira dos sinistros humanos por intermédio do Sistema de Previdência e seus respectivos regimes, bem como, as instituições bancárias por meio de contas poupança. Entretanto, há insatisfação de certos agentes quanto a contribuição tributária obrigatória e necessária para a preservação estatal; a sonegação fiscal tornou-se uma prática existente e corriqueira, sobretudo em meio digital.

A historiografia de um crime

Lavagem de dinheiro ou branqueamento de capitais foi o termo utilizado para designar o conjunto de práticas de cunho econômico-financeiro que visam a dissimular a origem ilícita de grandes movimentações de ativos financeiros. Trata-se da tradução literal da expressão inglesa “money laudering” designando um fato ocorrido em 1928; onde a recente aquisição de uma rede de lavanderias na cidade de Chicago, tornou-se objeto de investigação pela polícia americana desorquestrando grande esquema de ocultação de capitais. Alphonse Gabriel Capone chefe de uma organização criminosa nova-iorquina, dono da empresa de fachada “Sanitary Cleaning Shops” utilizada para o comércio irregular de bebidas alcóolicas para burlar a lei seca, além de outras atividades ilícitas como prostituição e prática de jogos de azar; assim, Al Capone tornou-se o mafioso mundialmente conhecido, bem como, a prática de lavagem de capitais método este implantado e institucionalizado nas diversas esferas de poder em escala global.

A questão foi levada em âmbito internacional, considerada um problema social que demandava urgente resolução, sendo tratada pela Convenção de Viena em 1988, uma vez que que a utilização deste sistema ilícito proporcionou o aumento escalonado do tráfico de drogas. No Brasil, o crime de lavagem de dinheiro foi regulamentado inicialmente pela Lei nº 9.613/1988, sofrendo uma alteração visando ampliar o poder de persecução penal e abrangência legislativa pela Lei nº 12.683/2012:

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

A prática ilícita consiste em um conjunto de ações corolárias cuja metodologia se divide em três fases específicas:

1ª Colocação: ingresso dos recursos ilícitos no sistema econômico do país, por intermédio de ações diversificadas afim de evitar a sobrecarga financeira em um único sistema, sendo os mais utilizados: compras de bens móveis ou imóveis, aplicações em depósito à prazo, criptomoedas e fundos de investimentos.

2ª Ocultação: Consiste em dificultar o rastreamento da operação distanciando-o da origem ilícita, para isso a utilização dos “laranjas” (pessoas que emprestam seus nomes para realização de transações bancárias) e “contas fantasmas” (contas em nome de pessoas inexistentes) são implantadas para realização de depósitos em contas no exterior para mesclar rendas e paraísos fiscais.

3ª Integração: A última etapa consiste em incorporar formalmente os recursos no sistema econômico, transpor uma aparência lícita aos recursos obtidos de forma inidônea por intermédio de compras e investimentos oficiais do sistema financeiro.

Não suficiente a prática delitiva pelos meios formais materiais já estabelecidos, é notável e perceptível a evolução da estrutura criminológica nos meios digitais, ocasionando uma nova modalidade de lavagem de dinheiro por intermédio de criptomoedas. Conforme levantamento realizado em 2023 pela empresa americana de blockchain (Chainalysis) houve aumento de 68% da utilização de criptomoedas para fins de lavagem de capitais em comparação aos anos de 2021 e 2022; o fator decisivo das organizações criminosas terem migrado para aplicações digitais, se revela tanto pela própria operacionalidade do sistema (blockchain) como pela momentânea ausência de norma efetiva regulamentadora do sistema.

O sistema Blockchain

Necessário se faz explicitar algumas definições de origem estrangeira. O mundo digital possibilitou a interconexão de pessoas de diferentes localidades cuja barreira material inviabilizava as relações sociais; assim, a possibilidade de mercantilização digital também se operou, transações financeiras sem a necessidade de intermediários (instituições bancárias) bem como, ausência de regularização oficial e imposição de taxas comerciais, foi possibilitado pela base de dados denominada blockchain.

Blockchain é uma tecnologia (software) do tipo base de dados responsável pela coleta e distribuição de informações digitais que opera de maneira descentralizada, ou seja, não possui uma terceira pessoa para intermediar a operação. Esse sistema é a base de funcionamento da moeda digital (criptomoeda) a Bitcoin foi a primeira espécie monetária digital a ser utilizada para transacionar eletronicamente, entende-se criptomoeda como gênero e Bitcoin como espécie (Litecoin, Ether, Cardamo, USD, XRP, Solana, entre outros) são exemplos de outras espécies monetárias digitais; bem como, o Dólar, Euro, Iene, Rublo são espécies da moeda física.

O responsável por implantar esse sistema monetário digital é intencionalmente desconhecido, o pseudônimo “Satoshi Nakamoto” exprime desejo intrínseco do próprio agente em permanecer no anonimato; tal denominação foi utilizada nos primeiros fóruns que tratavam sobre o assunto, após a disponibilização do protocolo Bitcoin, e a efetiva colocação da moeda no mercado, o perfil foi oficialmente desativado em 2011. As especulações a respeito de seu criador, se restringem a possibilidade de um agrupamento de pessoas ou empresas e sua provável origem oriental.

Lavagem de dinheiro em meio digital

Perceptível a presença de dois grandes fatores que contribuíram para o aumento da criminalidade em meio digital, primeiro, a operacionalidade do próprio sistema Blockchain, a descentralização proporciona maior empoderamento aos usuários durante as transações, remetente e destinatário atuam de maneira solo, sem contar com a supervisão de agências bancárias ou qualquer outro meio estatal de controle, semelhante a economia liberal. Segundo fator, seria a primariedade de regulamentação, é sabido que o Direito acompanha a evolução social, adaptando e regulamentando as relações sociais, para tal, atua de maneira concomitante a sociedade, mas não a precede; são necessárias situações fáticas e externalizadas no mundo físico tanto para a caracterização de um fato, bem como a prática de um ato ilícito.

O mercado de criptomoedas recebeu sua primeira regulamentação nacional por intermédio da lei nº 14.478/2022 instituindo a obrigatoriedade pelas prestadoras de serviços de ativos virtuais a atuação somente após ciência e autorização de órgão ou entidade da administração pública federal. O mesmo dispositivo legal, alterou o Decreto-Lei nº 2.848/1940 – Código Penal instituindo o crime de fraude cometido quando em meio virtual:

Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Bem como aos crimes cometidos contra o sistema financeiro nacional, Lei nº 7.492/1986:

Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:

I-A - a pessoa jurídica que ofereça serviços referentes a operações com ativos virtuais, inclusive intermediação, negociação ou custódia;

A adaptabilidade legislativa para regular o jus puniendi estatal às realidades sociais é notória; bem como, a persecução penal sofreu variadas modificações restando por uma equipe pericial especializada na área digital. O Direito como matéria e agente regulador socializador humano, é legitimado pela Carta Maior Constituição Federal, de caráter democrático, objetivando tanto as transformações sociológicas quanto a própria evolução em caráter coletivo.

Não se restringe a utilização dos meios digitais para fins econômico-financeiros, mas deve-se pelo regramento adequado e limites legais estabelecidos afim de resguardar a segurança dos dados pessoais e as transações entre os usuários; para isso, necessária a constante intervenção estatal nas operações. Assemelha-se a interação digital as relações humanas: inicialmente dúbias, conclusivas ao desenlace.

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