Sacrifício animal em cultos religiosos e as leis de proteção aos animais à luz do STF
Polêmicas que envolvem decisões dos Tribunais Superiores estão cada vez mais frequentes no Brasil, principalmente quando o alvo do “bombardeio” é o Supremo Tribunal Federal – STF.
Unanimemente, os Ministros dessa respeitável casa decidiram ser constitucional (Recurso Extraordinário – RE nº 494601) o sacrifício de animais em cultos religiosos, por entenderem que tal prática não os submetem a crueldade, obedecendo o disposto no inciso VII, do art. 225, da CF/88.
Contudo, deve-se salientar que em nosso ordenamento jurídico, art. 32, da Lei 9.605/98, prevê pena de três meses a um ano de detenção e multa, para aqueles que praticam ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar qualquer tipo de animais, sejam eles silvestres, domésticos, domesticados, nativos ou exóticos. Ainda, considera-se por maus tratos o dispositivo no art. 3º, do Decreto 24.645/34, enumerando mais de trinta incisos que reconhecem, por exemplo, o golpear, o ferir, o mutilar, o abandonar, dentre outros meios cruéis, como fatores infringentes da legislação vigente. Decreto esse com força de lei.
Em decisão, o Ministro Luís Roberto Barroso, entende que “não se trata de sacrifício ou de sacralização para fins de entretenimento, mas sim para fins de exercício de um direito fundamental que é a liberdade religiosa”. Também o Relator, Ministro Marco Aurélio Mello, além de concordar, condiciona o abate ao consumo da carne animal.
De fato, há um conflito jurisprudencial no que diz respeito às leis de proteção aos animais e a decisão proferida pelo STF. Existe sim obscuridade na forma de como esse animal seria abatido sem excessos e sem crueldade, bem como no condicionamento do consumo da carne abatida, tendo em vista que nem todo animal sacrificado encontra-se no cardápio alimentar dos brasileiros, por exemplo canídeos, felinos ou equinos, descartando também aqueles que são sacrificados e despachados intactos na forma de oferendas a entidades afrodescendentes ou a outras doutrinas religiosas.
Contudo, por mais que se tente entender a essência religiosa que trata o sacrifício do animal como meio eficaz para alcançar, por exemplo, uma graça, não há como ocultar dos olhos de quem o ver que, naquele ato, quem sofre é quem morre. O único beneficiado com a morte alheia seria o feitor ou outrem interessado.
Aos Ministros que, a priori, têm conhecimento da Carta Magna, deveriam eles enfatizar o estado laico constitucional. Não priorizando religiões sem ferir, contudo, o princípio da isonomia. As práticas religiosas não devem conflitar com os valores fundamentais, devendo elas serem limitadas e fiscalizadas até uma margem que não interfere em outros segmentos do direito, ou seja, a liberdade de crença e culto, conforme art. 5º, da CF/88, não deverá, pois, conflitar com a legislação que trata da proteção, zelo e cuidados para com os animais, tendo em vista que os entes federativos têm obrigação de cumpri-la.
Portanto, decisões como essas proferidas, por exemplo, no STF, remetem-nos a refletir o quanto a legislação se enfraquece em sua essência, permitindo que outras vertentes possam conflitar seu entendimento, restando apenas aos Ministros, como meros humanos e passíveis de falhas, a palavra final. Assim, compele a sociedade a buscar subsídios que possa lutar e combater essas deliberações, na tentativa de fazer jus às conquistas e direitos adquiridos, sejam através de propostas de iniciativa popular ou movimentação de massa.
Wanderlyn Wharton de Araújo Fernandes
Advogado Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública
Membro da Comissão de Direito Civil da Associação Brasileira de Advogados – ABA/RN
Voluntário na Associação Caicoense de Proteção aos Animais e Meio Ambiente – ACAPAM
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