Página 246 da Comarcas - 1ª 2ª e 3ª Entrância do Diário de Justiça do Estado do Mato Grosso (DJMT) de 22 de Maio de 2019

Federação, pois trata-se apenas e tão somente de medida de gestão a fim melhorar a qualidade do atendimento, sem, contudo, eximir o ente público quanto às responsabilidades em prestar a assistência integral à saúde a quem dela precisar. Além disso, normas editadas pelo Sistema Único de Saúde não se sobrepõe à Constituição Federal, as Constituições dos Estados e também as normas legais editadas e aprovadas pelo Congresso Nacional, não podendo o ente público invocá-las a fim de eximir-se de suas responsabilidades na gestão que lhe compete. Assim, a solidariedade permite o manejo de ação, como dito, contra ente público individualmente, ou contra ambos conjuntamente, sem necessidade de integração ou exclusão na lide: qualquer um e ambos respondem. De outro lado, a dignidade da pessoa humana é uma garantia prevista no texto do artigo da Constituição Federal e constitui fundamento da República Federativa do Brasil, sendo o direito à vida e à saúde garantias fundamentais, como previsto nos arts. e . Desse contexto jurídico decorre o direito da pessoa humana ao tratamento necessário à sua sobrevivência digna, que há de ser garantido imediatamente, imune a entraves burocráticos. Não se pode olvidar que a organização da seguridade social tem por objetivo a “universalidade da cobertura e do atendimento” (CF, art. 194, I), além de o serviço público de saúde adotar a diretriz do “atendimento integral” (CF, art. 198, II). O direito à saúde foi concebido pelo legislador constituinte como um direito de todos e dever do Estado que deve garanti-lo, indiscriminadamente, a qualquer integrante da comunidade, por força da adoção de políticas sociais e econômicas voltadas para esta finalidade. As ações e serviços de saúde foram considerados de relevância pública, tendo a diretriz do atendimento integral como um de seus lastros. Em consequência, deve o Estado prover as condições necessárias ao pleno exercício dos direitos à vida e à saúde, sendo irrelevante a maneira como será distribuído o serviço. Ressalte-se ainda que a Lei n. 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, determina que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (art. 2º). E quando se diz “Estado” refere-se a todos os entes públicos, incluindo aí o Município. Nesse sentido, estabelece o artigo 7º do mencionado diploma legal: Art. . As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas o art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Sem destaque no original. Tem-se, portanto, que os serviços de saúde são norteados pelos princípios da universalidade e da integralidade de assistência, o que já seria o bastante para o acolhimento da pretensão, posto que não é dado ao ente público restringir o acesso do cidadão ao Sistema Único de Saúde, sobretudo em razão da gravidade da enfermidade que acometia o paciente, que exigia tratamento com a maior célere e brevidade possível, em razão da urgência do procedimento. Nesse contexto, conclui-se que o direito à saúde, desdobramento imediato do princípio da dignidade da pessoa humana e intrinsecamente ligado ao direito à vida (artigos , III, e art. , caput, da CF), figura entre os direitos fundamentais e, por conseguinte, está positivado como direito público subjetivo, razão pela qual se aplica o disposto no artigo , § 1º, da Constituição Federal, segundo o qual “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata”. Assim, não constitui violação da tripartição de poderes a atuação judicial no sentido de concretizar o direito à vida. Pelo contrário, trata-se de simples incidência do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que assegura a toda e qualquer pessoa socorrer-se do Poder Judiciário para prevenir ou fazer cessar lesão a direito, mormente quando estão em jogo bens da magnitude da vida e da saúde, que naturalmente ocupam posição de proeminência quando confrontados com outros, como óbices orçamentários, administrativos e burocráticos. Nesse passo, convém assinalar que o caráter programático das regras inscritas no texto da Constituição Federal não pode converte-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei

Fundamental do Estado (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. Celso de Mello). No caso dos autos, a autora possui histórico familiar relacionado ao câncer, inclusive, perdeu uma irmã com apenas 33 (trinta e três) anos de idade vítima da doença. Assim, considerando o histórico familiar e a necessidade de investigação com o objetivo de prevenção e investigação de doenças ligadas ao câncer, a autora teve indicação para submeter-se aos exames de BRCA 1 e BRCA 2 sequenciamento, além de análise de DNA por MLPA, cuja orientação e indicação consistem na prevenção e rastreamento da doença. O médico assistente é o profissional que detém melhores condições de avaliação e indicação do tratamento mais eficaz e efeitos positivos para a preservação e cuidados com a qualidade de vida da paciente, cuja indicação não pode ser contestação sem a devida contraprova. Convém registrar ainda a inexistência de condições econômicas da paciente de suportar as despesas do procedimento, tanto que está representado elo Defensoria Pública, sendo, por outro lado, beneficiário da gratuidade de justiça, pois a omissão pode representar insuperável ofensa ao princípio maior do natural direito à vida, inscrito no art. , caput, da Constituição Federal, mormente e considerando o apontamento de urgência no referencial médico. Consigne-se também que inexiste indevida ingerência do Poder Judiciário sobre o Poder Executivo. Se a situação concreta faculta ao administrador alternativa, o Judiciário não pode censurar seu juízo discricionário. Todavia, caso a hipótese concreta se discuta a subsunção da conduta administrativa aos parâmetros legais, é possível controle judicial sobre o comportamento abusivo ou omissão abusiva. Isso porque o administrador pode escolher a melhor maneira de executar a lei, mas não pode omitir-se quando tem o dever de agir. Igualmente, relevante anotar que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo ente público, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente, quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Importa destacar ainda que o poder discricionário do administrador público deve ser exercido dentro do campo permitido pela legalidade, assim, a avaliação da conveniência e da oportunidade encontra barreiras nos limites da legalidade e constitucionalidade. O limite no presente caso é o direito à vida e à saúde que o paciente tem respaldado no caput do art. , no art. e no art. 196, todos da Constituição Federal e na Lei n. 8.080/90, sendo descipiendo anotar que a divisão administrativa de atribuições realizada pelo SUS não pode afastar este conjunto de normas de hierarquia notadamente superior. Em razão das normas citadas não se pode ventilar a tese do Estado, assim como do segundo requerido, que imputam ao outro a responsabilidade, pois neste caso estar-se-ia diante de responsabilidade solidárias dos requeridos. Por fim, não é o caso de determinar o ingresso da União na lide, ante a solidariedade dos requeridos. III. Dispositivo. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na ação de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada proposta por LUCILENE VALDEVINO em desfavor do ESTADO DE MATO GROSSO e do MUNICÍPIO DE LUCAS DO RIO VERDE - MT, e condeno os requeridos ao fornecimento de forma solidária ao tratamento médico à autora, conforme orientação do médico assistente, permitindo de maneira imediata a submissão da paciente aos procedimentos de BRCA 1 e BRCA 2 sequenciamento, além de análise por MLPA, oferecendo, ainda, todos os procedimentos necessários para total recuperação e manutenção da vida e saúde da paciente, fornecendo-lhe e assegurando-lhe ainda o tratamento médico adequado e outros que se fizerem necessários, sob pena de bloqueio de verbas para o caso de os procedimentos serem realizados por fornecedor particular. Consequentemente, julgo o mérito do processo na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Sem custas processuais e honorários advocatícios (art. 54 e art. 55 da lei nº 9.099/95). Submeto os autos ao M.M. Juíza Togada para apreciação e posterior homologação, nos termos do art. 40 da Lei 9.099/95. Publicação no PJE. Lucas do Rio Verde – MT, 21 de maio de 2019. César Lima de Paula Juiz Leigo Vistos. Homologo a sentença proferida pelo Juiz Leigo, nos termos do artigo 40 da Lei nº 9.099/95, para que surta seus efeitos jurídicos. Intime-se. Cumpra-se. Lucas do Rio Verde-MT, 21 de maio de 2019. Melissa de Lima Araújo Juíza de direito

Sentença Classe: CNJ-319 PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL Processo Número: 100XXXX-87.2019.8.11.0045

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