Página 1325 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 25 de Junho de 2019

necessidade de revisão de contrato de empréstimo/financiamento para aquisição de veículo. Afirma o autor que os juros efetivamente cobrados encontram-se em descompasso com aqueles previstos no instrumento contratual, ou seja, a taxa de juros mensal prevista no contrato. Acrescenta que estes se revelam excessivos e insinua abuso do poder econômico pela ré, o qual infringiu o Código de Defesa do Consumidor, insurgindo-se contra a cobrança da Tarifa de Cadastro e similares. Inicial com documentos (fls. 01/21). Gratuidade processual conferida a fls. Houve acolhimento do pedido de substituição do réu J.SAFRA (fls. 59/61 e fls. 94/95). Regularmente citado o réu apresentou defesa na forma de contestação sustentando a legalidade nos descontos, tendo o autor concordado expressamente com os valores propostos. Requereu a improcedência da demanda e apresentou (fls. 30/59). Houve Réplica (fls. 80/91). É o relatório. D e c i d o. Os documentos acostados aos autos e as manifestações das partes são o suficiente para o julgamento da demanda, tornando desnecessária a produção de outras provas, seja pericial, muito menos testemunhal. Matéria passível de julgamento antecipado, sendo desnecessária dilação probatória, a teor do que dispõe o art. 355, I, do Código de Processo Civil. O autor refuta o pagamento dos encargos, juros e multas cobradas pela instituição financeira. Pleiteia, basicamente, declaração de nulidade das cláusulas que entende abusivas. Todavia, não houve prática ilegal ou obscura pela ré, a justificar a revisão contratual. Em verdade, a insurgência do autor consubstancia-se no excesso dos juros cobrados, na limitação da taxa de juros, na suposta prática de anatocismo e nos encargos considerados abusivos. Os juros constantes do contrato foram livremente pactuados e NADA indica sejam superiores aos valores vigentes no mercado à época da celebração do contrato. A alegação do autor de que o contrato contém cláusulas abusivas é genérica e destituída de elementos aptos a identificar eventual desequilíbrio exagerado no tocante às obrigações assumidas pelas partes. Trata-se de obrigação livre e conscientemente aceita pelo autor ao momento da celebração do contrato e não consubstancia descaracterização do negócio jurídico firmado pelas partes. Isto porque o princípio da força vinculante dos contratos tem fundamento na ideia de que o contrato, uma vez obedecidos os requisitos legais, torna-se obrigatório entre as partes, que dele não se podem desligar senão por outra avença. O contrato constitui-se, portanto, em lei privada entre as partes, com força vinculante equivalente ao preceito legislativo. No caso em comento o autor teve pleno conhecimento dos termos dos contratos de financiamento e optou livre e conscientemente em formula-los. É sabido que o inciso IV do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor considera a nulidade de pleno direito das cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade”. O mencionado dispositivo reflete o princípio da boa fé que sempre foi reconhecido como aplicável aos contratos em geral, até mesmo àqueles não alcançados pelo Código de Defesa do Consumidor. Deflui de imposição ética inerente ao direito contratual, que veda às partes o emprego de astúcia e deslealdade, tanto na manifestação de vontade quanto na interpretação e execução do contrato. Sucede que a intervenção judicial para considerar abusiva determinada cláusula deve ser cautelosa, procurando não gerar insegurança jurídica decorrente da ingerência descuidada do julgador no negócio jurídico realizado pelas partes, a ponto de descaracterizar por completo o contrato formulado. Concordamos com o respeitado jurista ORLANDO GOMES, para quem “negar força obrigatória às cláusulas impressas é, de todo em todo, condenável até porque não deve o juiz esquecer que certas cláusulas rigorosas são necessárias à consecução dos fins perseguidos pelos contratos de adesão em série”. In casu, as cláusulas contratuais que enredam as partes não impõem obrigações abusivas ou de onerosidade excessiva. Os encargos nelas fixados são absolutamente legais e compatíveis com o acordo de vontades celebrado. Com efeito, “se em todos os contratos bilaterais qualquer desproporção entre as prestações correspectivas fosse considerada um vício, a maior parte de tais contratos, para não dizer todos, seria inválida, o que perturbaria gravemente a segurança necessária ao bom desenvolvimento do tráfego jurídico. Por isso nem toda desproporção importa juridicamente. Há uma certa margem de tolerância para a desproporção entre as prestações, na qual ingressa o lucro, pois é incontestável a licitude e por certo também a moralidade da elaboração ou aquisição de mercadorias para lucrar sobre a diferença entre o preço de custo da produção ou da compra e o preço da venda ou revenda”. Quando se fala em equivalência de prestações, não se deve ver a justiça unicamente na igualdade. A equivalência de prestações, que é ideal nos contratos bilaterais, dificilmente será absoluta, uma troca de valores iguais, exatamente equivalentes: trata-se de uma equivalência relativa, que admite ser julgada com o critério da razoabilidade em consideração às circunstâncias do caso, das pessoas, do lugar e da época (Teoria Geral da Lesão nos Contratos, Anelise Becker, p. 109-110). O autor alega que os valores cobrados incluem capitalização de juros e juros abusivos. O percentual da taxa de juros remuneratórios aplicado foi livremente contratado entre as partes e, portanto, deve prevalecer. A esse respeito é conveniente ressaltar que não se aplicam às instituições financeiras as disposições do Decreto 22.626/33 (Lei da Usura), mas sim a Lei 4.595/64. É o teor da Súmula 596, do Supremo Tribunal Federal, ainda com vigência: “As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”. Em harmonia com o exposto, convém mencionar o seguinte julgado, da lavra do magistrado Roque Mesquita, do Extinto 1º Tribunal de Alçada Civil: JUROS - Execução por título extrajudicial - Contrato de abertura de crédito -Conta corrente - Alega o recorrente ilegalidade na estipulação dos juros em empréstimo pessoal, sendo estes superiores a 12% ao ano - A firma que a súmula 121 do STF foi contratada pela R. sentença - Inadmissibilidade - A estipulação de percentuais maiores que 12% ao ano é fruto da livre negociação entre as partes - Colacionada súmula 596 do STF - Embargos do devedor improcedentes - Recurso improvido. (Apelação 0864526-9/00 - Eldorado Paulista - Rel. Sorteado Roque Mesquita - 3ª Câmara (Extinto 1º TAC) - Julg.: 10-03-2005). Tal verba nunca se sujeitou à limitação prevista pelo revogado art. 192, § 3º, da Constituição Federal, em virtude da falta de regulamentação deste por lei complementar. Tratava-se de dispositivo não auto-aplicável, segundo entendimento pacífico do Colendo Supremo Tribunal Federal refletido a seguir: DESAPROPRIAÇÃO - Juros reais de 12%, nos termos do artigo 192, § 3º, da Constituição da República - Inadmissibilidade ante a ausência de lei complementar regulando a matéria. A regra inscrita no artigo 192, § 3º, da Carta Política - Norma constitucional de eficácia limitada - constitui preceito de integração que reclama, em caráter necessário, para efeito de sua plena incidência, a mediação legislativa concretizadora do comando nela positivado. O Congresso Nacional desempenha, nesse contexto, a relevantíssima função de sujeito concretizante da vontade formalmente proclamada no texto da Constituição. Sem que ocorra a interpositio legisladores, a norma constitucional de eficácia limitada não produzirá, em plenitude, as consequências jurídicas que lhe são pertinentes. Ausente o ato legislativo reclamado pela Constituição, torna-se inviável pretender, desde logo, a observância do limite estabelecido no artigo 192, § 3º, da Carta Federal - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. (Embargos Infringentes n. 203.675-2 - Buritama - 11ª Câmara Civil - Relator: Mohamed Amaro - 19.10.95 - M.V.). Além disso, nada indica haver descompasso entre o patamar dos juros cobrados pela ré com aquele praticado no mercado. O autor sequer sinalizou que o lucro da ré excedeu valor corrente auferido por outras instituições financeiras para o mesmo negócio jurídico, do que não é possível concluir pela ocorrência do instituto da lesão no caso vertente (artigo 4 º, letra ‘b’ da Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1.951). Anoto, ainda, que eventual incidência de juros ao capital vencido mensalmente não significa anatocismo, mas somente atualização da dívida, tal qual se dá na caderneta de poupança. Ademais, o contrato foi celebrado após a vigência da Medida Provisória n. 2.176-36/2001 que admitiu às instituições financeiras a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Quanto à nulidade de cobrança de tarifa de cadastro e encargos administrativos, melhor sorte não socorre ao autor. Conforme Resolução

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