Página 1027 da Judicial - 1ª Instância - Capital do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 15 de Abril de 2020

VEICULAÇÃO DE OPORTUNIDADES LTDA. (antiga razão social de GLASSDOOR EMPREGOS E INFORMAÇÕES LTDA.). Narra ser titular da marca mista “CQA - Centro de Qualidade Analítica” registrada em processo no INPI sob nº 821915037 e que tomou ciência de que tal marca estava sendo indevidamente utilizada pela ré em seu website, que consiste em um ambiente virtual para usuários oferecerem suas opiniões a respeito de diversas empresas. Requer, em liminar e como pedido principal, que a ré se abstenha e seja proibida de utilizar, por qualquer meio, a marca e logotipo de sua titularidade (fls.01/06). Com a inicial, vieram documentos (fls.07/20). Os MM. Juízos da 2ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros e da 12ªVara Cível Central da Capital-SP declinaram de suas competência para julgamento do feito e determinaram remessa dos autos a este Juízo especializado (fls.21 e 23). Deferido o pedido de tutela de urgência, determinando “à ré a cessação do uso da marca da autora em seu site, no prazo de 48 horas, sob pena de bloqueio da referida plataforma digital” (fls.41). Devidamente citada (fls.45), a ré apresentou pedido de reconsideração da decisão de fls.41 (fls.46/59), que foi indeferido (fls.95/96). Em contestação, a ré aduz que (i) a marca de titularidade da autora não lhe dá direito ao uso exclusivo da expressão “Centro de Qualidade Analítica Laboratórios”; (ii) o site da ré não se utiliza da marca da autora em sua plataforma, pois trata-se de um fórum público e virtual em que as opiniões dos usuários são expostas e que estes indicam os nomes das empresas ao site, que o atrela automaticamente à imagem disponível da empresa; (iii) não há intenção da ré de se passar pela empresa autora, imitar a sua marca para confundir consumidores ou indicar existência de parceira com ela; (iv) o comportamento da ré estaria enquadrado no inciso IV do artigo 132 da Lei de Propriedade Industrial como excludente de uso indevido de marca, posto que mera referência a nome e marca das empresas avaliadas, sem conotação comercial, seria inerente ao funcionamento da plataforma; (v) eventuais transtornos causados por veiculação de comentários negativos associados às marcas das empresas são de responsabilidade única dos usuários e não da ré; e (vi) há outros provedores de aplicação de internet que atuam da mesma forma que a ré. Requer a total improcedência dos pedidos (fls.105/128). Réplica à contestação apresentada (fls.135/138). Ambas as partes concordaram com julgamento antecipado do feito (fls.142/144 e 147/148). É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO. Passo ao julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, porque inexiste a necessidade de produção de outras provas além das já constantes dos autos, e considerando a manifestação favorável de ambas as partes a esse respeito. Cingese a questão a saber se a ré faz uso indevido da marca mista da autora, ao indicar em seu site (que atua como uma plataforma virtual para compartilhamento de comentários sobre diversas empresas atuantes no mercado) o logotipo e a marca das empresas mencionadas por seus usuários. Da leitura dos autos, constata-se que a autora é titular do registro de marca mista de serviço (CQA - Centro de Qualidade Analítica Laboratórios) por meio do processo registrado no INPI sob nº 821915037, na classe NCL (8) 42, especificação: laboratório de análises; pesquisas, desenvolvimento e projetos na área laboratorial; controle de qualidade (fls.17/18 e 20). Ademais, é incontroverso nos autos que a ré, em seu website “www.glassdor.com.br”, apresentava a marca mista da autora ao fazer-lhe menção direta (fls.19), com avaliação de funcionários e ex funcionários sobre condições de trabalho e vagas disponíveis , sendo que somente deixou de apresenta-la após determinação judicial deste Juízo (fls.99). O artigo 129 da Lei nº 9.279/96 estabelece que o registro de uma marca confere a seu titular exclusividade, em todo o território nacional, sobre o seu uso. Em complementação, o artigo 130 de referida legislação confere ao titular do registro da marca outros direitos decorrentes de tal registro, sendo eles o de (i) ceder seu registro ou pedido de registro; (ii) licenciar seu uso; e (iii) zelar pela sua integridade material ou reputação. O registro da marca é, pois, um dos alicerces da concorrência, através do qual se protege a lisura e a regularidade das práticas de mercado. Não obstante tais direitos garantidos pela lei ao titular do registro de marcas, não descurou o legislador pátrio de prever limitações a tais direitos, ao prever hipóteses em que a mera menção ou indicação da marca de terceiros não se caracteriza como uso indevido de marca. Nesse sentido, confira-se o disposto no artigo 132 da Lei nº 9.279/96, in verbis: Art. 132. O titular da marca não poderá: I - impedir que comerciantes ou distribuidores utilizem sinais distintivos que lhes são próprios, juntamente com a marca do produto, na sua promoção e comercialização; II - impedir que fabricantes de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do produto, desde que obedecidas as práticas leais de concorrência; III - impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 68; e IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo. Referida menção a marcas de terceiros é amplamente reconhecida pela doutrina internacional e nacional pelo denominado “uso descritivo de marca” e visa permitir que os indivíduos e agentes econômicos possam exprimir-se com liberdade com relação aos produtos e serviços de terceiros por meio de associação aos seus sinais distintivos. Confira-se a lição da doutrina a esse respeito: Também é lícito citar marca de outrem para se referir ao produto ou serviço que ela própria designa. Trata-se do chamado uso descritivo. Todos têm o direito de chamar as coisas por seus nomes ou marcas, sem necessidade de autorização prévia para tanto. (...) O direito de citar marca alheia integra o direito de livre expressão do pensamento. A contrafação só se configura quando alguém usa a marca de João para identificar o produto do concorrente José. Quando a marca de João é empregada para se referir ao próprio produto ou serviço de João, não há ilícito algum, salvo no caso de uma publicidade comparativa feita com intuito denegritório (SCHIMIDT, Lélio Denicoli. Marcas: Aquisição, Exercício e Extinção de Direitos. 1ª ed., Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2016, pp.247-248). Nessa senda, reputa-se que o uso descritivo envolve o emprego de marca de terceiros para referir-se ao produto ou serviço que ela mesma (a marca) distingue e menciona, não sendo considerado uso descritivo a menção à marca alheia que vise indicar produtos ou serviços que não sejam do titular da marca, podendo, assim, gerar confusão nos consumidores ou associação indevida. No caso em análise, percebe-se que a ré utiliza-se da marca mista da autora em seu website justamente para indicar a empresa autora e seus produtos ou serviços, não havendo associação entre tal marca e os produtos e serviços prestados pela ré (servidora de aplicação de Internet, cujo conteúdo é produzido pelos usuários por meio de seus comentários). Ou seja, o uso da marca da autora pela ré não visa a promoção de produtos ou serviços prestados pela própria ré, mas objetiva a indicação clara e precisa da autora associada aos seus produtos e serviços. Nesse cenário, entende-se permissivo o uso de marca alheia pelo legislador posto que tal situação não gera confusão ao consumidor ou associação entre as empresas. Não obstante o exposto acima, imprescindível a análise a respeito da possibilidade ou não de subsunção da norma prevista no inciso IV do artigo 132 da Lei de Propriedade Industrial ao comportamento da ré. Isso porque referida hipótese legal prevê expressamente que o titular da marca não poderá impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo. Dessa forma, no que se refere à ausência de conotação comercial, referida comerciabilidade/lucratividade não é absoluta, mas relativa, posto que insubsistente quando a menção à marca alheia for realizada para designar o produto ao qual a marca aduz e não prejudicar a sua normal exploração por seu titular. Para tanto, transcrevo as lições de Lélio Denicoli Schmidt, corroborando tal posicionamento: Não é qualquer motivação comercial que torna o emprego de uma marca alheia dependente da prévia autorização de seu titular. Para que a necessidade de licença se imponha, é preciso que se deseje fazer uso da marca de outrem para identificar um produto próprio. Quando, ao contrário, a marca alheia é citada para designar o produto alheio, a autorização prévia é dispensável, ainda que a citação envolva algum interesse comercial (Marcas: Aquisição, Exercício e Extinção de Direitos. 1ª ed., Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2016, p.248). Na aplicação do art. 132, IV, da Lei n.9.279/96, é necessário ter em mente que a proibição à

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