Página 2094 da Caderno 2 - Entrância Final - Capital do Diário de Justiça do Estado da Bahia (DJBA) de 11 de Maio de 2020

Em verdade, a prefacial arguida se confunde com o mérito, como, aliás, a própria parte Ré o fez, na medida em que a sua contestação afirma, quanto ao mérito, que o imóvel pertenceria ao Poder Público. Logo, não se pode acolher a preambular de impossibilidade jurídica do pedido, por se confundir com o mérito da demanda, bem assim como porque o pedido não é impossível, mas não pode ser acolhido se ficar provada a titularidade pelo Poder Público. Preliminar de ilegitimidade passiva para a causa. Também arguiu a CHESF a sua ilegitimidade passiva ad causam, sob o argumento de que a coisa usucapienda não lhe pertenceria. O documento acostado na fl. 10/12 (num. 27579414 pág. 9/11) dos autos físicos, todavia, evidencia o inverso. Trata-se da certidão emitida pelo cartório de imóveis da comarca (certidão de matrícula nº 5279), explicitando que o bem está registado em seu nome. Ora, considerada a presunção de titularidade gerada pelo registro público (conforme arts. 1.245 e 1.246 do Código Civil), não se pode negar a legitimidade passiva para a causa daquele em cujo nome o imóvel está registrado. Não procede, pois, a alegação de ilegitimidade passiva da CHESF. E, por isso, rejeita-se a prefacial. Julgamento imediato de mérito. Afastadas as preliminares da CHESF, porque descabidas, sobreleva o julgamento imediato do mérito, como reza o art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil. Isso porque a prova documental trazida aos autos se mostra suficiente para a comprovação da aquisição originária da propriedade pelo usucapiente, uma vez que demonstraria os requisitos para a usucapião. Até mesmo porque a resistência oferecida pela Requerida se restringiu à discussão acerca da titularidade do bem usucapiendo. E, com isso, havendo prova documental suficiente (inclusive deste fato), o caso é de julgamento imediato de mérito, em face das provas coligidas aos autos, tornando despicienda a abertura da dilação probatória. Sentencia-se, portanto, a demanda, até mesmo em respeito ao princípio constitucional da razoável duração do processo, também imposta pelo Código de Processo Civil (art. 4º). Procedência do pedido usucaptivo O deferimento de um pleito de usucapião (aquisição originária de propriedade) depende dos requisitos obrigatórios exigidos pelo Código Civil, em seu art. 1.238: posse mansa e pacífica, com animus domini, pelo lapso temporal de 15 anos, ao menos, e a idoneidade da coisa a ser usucapida. Voltando a atenção para os autos deste processo, nota-se que os requisitos deferiríeis da medida estão presentes, à saciedade no caso vertente. Senão vejamos. A posse é mansa e pacífica, uma vez que não houve qualquer oposição ou resistência, ao longo dos tempos. Aliás, a própria certidão do cartório da segunda vara cível, (fls. 44 dos autos físicos / num. 27579415 – pág. 4), bem como do cartório da primeira vara cível, expressamente, confirmam este fato. Com isso, nota-se a inexistência de qualquer impugnação da posse, caracterizada a qualificação exigida pelo sistema jurídico. Por outro lado, essa posse, além de mansa e pacífica (incontestada), também foi exercida com animus domini. É bem verdade que a prova do animus domini (intenção de ter a coisa como sua) não é de fácil demonstração, em razão de um certo grau de subjetivismo. Adiro, inclusive, à lúcida ponderação doutrinária de JOSÉ CARLOS DE MORAES SALLES, em obra dedicada ao tema: “O terceiro requisito para que se concretize a usucapião é o animus domini por parte do possuidor. Deve ele possuir como seu um imóvel (art. 1.238 do Código Civil em vigor), ou seja, com ânimo de dono (quantum possessum, tantum praescriptum). Todavia, como bem ressaltou o ínclito Ministro Orozimbo Nonato em acórdão do Supremo Tribunal Federal, a prova desse animus domini, isto é, da vontade de exercer o direito de propriedade e que não se confunde com a opinio domini, a convicção certa ou errada de ser proprietário, é diabólica, chegando alguns práticos antigos a sugerir, ao propósito, o juramento do interessado. A revelação exterior desse elemento subjetivo é tão dificilmente apreensível que a jurisprudência alemã chegou a organizar a lista dos sintomas, que a definem. Inutilmente, entretanto, pois todos eles podem ser exercidos pelo detentor. (v. Rodrigues Júnior, A Posse, p.82). A vontade, pois, a que se deve atender, como ensina Ihering, é abstrata, ligada à causa da detenção. De outra parte, como previne o mesmo Orozimbo Nonato, “... A boa-fé não se confunde com o animus domini. Este não significa o opinio seu cogitatio domini senão a intenção, nem sempre fortalecida de ânimo ileso de má-fé de ter a coisa como dono”. E, mais adiante: “O animus domini é a intenção de exercer em nome próprio o direito de propriedade (Rodrigues Júnior), o que não se confunde com a convicção da legitimidade desse exercício, que é a boa-fé.’” (SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. São Paulo: RT, p. 72). Ora, no caso em apreço, a CHESF confessa, em sua própria defesa, que cedeu a posse para o usucapiente é que, desde então, ele vem ali fixando residência, mesmo não existindo qualquer vínculo. Ou seja, não nega que ele vem se mantendo na coisa, como legítimo titular. Ora, aliado ao fato de que o usucapiente demonstrou que cuidava da coisa como se sua fosse (inclusive realizando pagamento de taxas e despesas sobre ela), não se pode negar que inexiste qualquer elemento impeditivo por parte do legítimo proprietário. Assim, vale ser destacado, em razão da adequação e da pertinência com o caso em análise, que é possível reconhecer a intenção de ser dono da coisa, a partir da teoria dos obstáculos, conforme orientação da jurisprudência superior: “no que tange ao animus domini, segundo a teoria dos obstáculos, deve-se identificar a causa possessionis (como se operou a imissão na posse) e, após, verificar se existem ou não obstáculos objetivos, que são a detenção (art. Do) ou a posse direta (relação de locação, comodato ou usufruto, por exemplo). A inexistência de obstáculos objetivos gera presunção positiva do ânimo de dono.” (STJ, Ac 4a T., AREsp 317812, rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 21/10/2014). Em sendo assim, não havendo qualquer obstáculo criado pelo titular que consta no registro, e por terceiros, reconheço a presença do animus domini, a qualificar a posse. No que diz respeito ao lapso temporal exigido por lei, não se pode ignorar que a própria demanda tramita a mais de quinze anos, evidenciando o atendimento deste requisito. Mas, não é só. Os documentos acostados aos autos, igualmente revelam que o usucapiente está na posse desde o lapso temporal que alega, confirmando a comprovação do elemento temporal exigido pela normatividade de regência. Isso porque a própria CHESF reconhece a posse da coisa por questões de segurança pública da localidade. Assim, o documento termina por servir a uma dupla comprovação: do animus domini e do lapso temporal. O ponto de divergência na lide, efetivamente, não diz respeito à posse qualificada do usucapiente, nem, tampouco, ao tempo em que vem se projetando. Com efeito, a celeuma está na titularidade do bem.

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