Página 482 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 10 de Agosto de 2020

ordem técnica e em relação ao qual não houve prova apta a afastar a sua higidez, revela-se suficiente para o deslinde da demanda. Ausentes preliminares a serem apreciadas, passo à análise do mérito. No mérito, o pedido inicial é parcialmente procedente. Cuida-se de ação de obrigação de fazer, cumulada com indenização por danos morais, ajuizada pela beneficiária em face da operadora de plano de saúde, para o fim de compeli-la à cobertura de procedimento cirúrgico plástico, de natureza reparatória, em virtude das sequelas decorrentes do excesso de pele e flacidez após submissão à cirurgia bariátrica. Tem-se que a relação havida entre as partes é de consumo e se submete o contrato aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, bem como da Lei nº 9.656/98 (Súmula nº 100, deste E. TJSP, e nº 608, do C. STJ). É incontroverso nos autos que a autora é beneficiária de plano de saúde operado pela ré, assim como que houve recusa de cobertura de procedimento cirúrgico indicado por médico assistente, sob o pretexto de que se trataria de cirurgia de cunho eminentemente estético, portanto, sem cobertura contratual. A despeito do quanto alegado pela ré, reputa-se abusiva a conduta da operadora de saúde que, conquanto presente expressa indicação médica, nega a cobertura de custeio de tratamento sob o argumento de não estar previsto no rol de procedimentos da ANS, entendimento que é objeto do enunciado de súmula nº 102, deste E. TJSP. Não bastasse isso, sabe-se que, nos termos da súmula nº 96, deste E. TJSP, havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento. Destarte, tendo em vista que a obesidade mórbida possui cobertura obrigatória, assim como houve indicação para realização de procedimentos cirúrgicos, porquanto a paciente apresenta flacidez cutânea na região abdominal, mamária, braquial e crural, resultante do processo de emagrecimento após gastroplastia, não poderia o plano se recusar ao custeio da cirurgia, pelo que se denota ter incorrido em ilícito contratual. Segundo o relatório médico circunstanciado trazido aos autos (fls. 32/34), a paciente apresenta abdômen em avental, ptose da mama em grau acentuado, superior ao esperado para idade, atrofia mamária, lipodistrofia crural bilateral e lipodistrofia braquial bilateral, condições que ocasionam problemas como eczema de repetição e dificuldade de higiene. Não merece prosperar a alegação da ré de que os procedimentos teriam finalidade meramente estética, visto que a indicação médica constante dos autos previu expressamente que se trata de procedimento de natureza reparadora, que se tornou necessário em virtude da perda de aproximadamente 60 kg após a cirurgia bariátrica. Ressalta-se que, a despeito das ilações, a operadora não trouxe prova alguma que pudesse infirmar a higidez da prescrição médica. Não há dúvida, portanto, de que, ausente prova em contrário, prevalece o relatório médico que indicou expressamente a natureza reparadora do procedimento cirúrgico. Não há que se falar, igualmente, em caráter eminentemente estético dos procedimentos em questão, já que o enunciado de súmula nº 97, deste E. TJSP, prevê expressamente que, havendo indicação médica, não pode ser considerada simplesmente estética a cirurgia plástica complementar de tratamento de obesidade mórbida. Neste sentido, merece destaque o recente julgado do C. STJ, que reconheceu a obrigação das operadoras de plano de saúde de custeio de cirurgias plásticas reparadoras, indicadas em virtude das consequências da excessiva perda de peso após a submissão a gastroplastia: “RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE PÓS-CIRURGIA BARIÁTRICA. DOBRAS DE PELE. CIRURGIAS PLÁSTICAS. NECESSIDADE. CARÁTER FUNCIONAL E REPARADOR. EVENTOS COBERTOS. FINALIDADE EXCLUSIVAMENTE ESTÉTICA. AFASTAMENTO. RESTABELECIMENTO INTEGRAL DA SAÚDE. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. VALOR INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. RAZOABILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. As questões controvertidas na presente via recursal são: a) se a operadora de plano de saúde está obrigada a custear cirurgias plásticas pós-bariátrica (gastroplastia), consistentes na retirada de excesso de pele em algumas regiões do corpo humano (mamas, braços, coxas e abdômen), b) se ocorreu dano moral indenizável e c) se o valor arbitrado a título de compensação por danos morais foi exagerado. 3. A obesidade mórbida é doença crônica de cobertura obrigatória nos planos de saúde (art. 10, caput, da Lei nº 9.656/1998). Em regra, as operadoras autorizam tratamentos multidisciplinares ambulatoriais ou indicações cirúrgicas, a exemplo da cirurgia bariátrica (Resolução CFM nº 1.766/2005 e Resolução CFM nº 1.942/2010). Por outro lado, a gastroplastia implica consequências anatômicas e morfológicas, como o acúmulo de grande quantidade de pele flácida residual, formando avental no abdômen e em outras regiões do corpo humano. 4. Estão excluídos da cobertura dos planos de saúde os tratamentos com finalidade puramente estética (art. 10, II, da Lei nº 9.656/1998), quer dizer, de preocupação exclusiva do paciente com o seu embelezamento físico, a exemplo daqueles que não visam à restauração parcial ou total da função de órgão ou parte do corpo humano lesionada, seja por enfermidade, traumatismo ou anomalia congênita (art. 20, § 1º, II, da RN/ANS nº 428/2017). 5. Há situações em que a cirurgia plástica não se limita a rejuvenescer ou a aperfeiçoar a beleza corporal, mas se destina primordialmente a reparar ou a reconstruir parte do organismo humano ou, ainda, prevenir males de saúde. 6. Não basta a operadora do plano de assistência médica se limitar ao custeio da cirurgia bariátrica para suplantar a obesidade mórbida, mas as resultantes dobras de pele ocasionadas pelo rápido emagrecimento também devem receber atenção terapêutica, já que podem provocar diversas complicações de saúde, a exemplo da candidíase de repetição, infecções bacterianas devido às escoriações pelo atrito, odores e hérnias, não qualificando, na hipótese, a retirada do excesso de tecido epitelial procedimento unicamente estético, ressaindo sobremaneira o seu caráter funcional e reparador. Precedentes. 7. Apesar de a ANS ter apenas incluído a dermolipectomia no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde para o tratamento dos males pós-cirurgia bariátrica, devem ser custeados todos os procedimentos cirúrgicos de natureza reparadora, para assim ocorrer a integralidade de ações na recuperação do paciente, em obediência ao art. 35-F da Lei nº 9.656/1998. 8. Havendo indicação médica para cirurgia plástica de caráter reparador ou funcional em paciente pós-cirurgia bariátrica, não cabe à operadora negar a cobertura sob o argumento de que o tratamento não seria adequado, ou que não teria previsão contratual, visto que tal terapêutica é fundamental à recuperação integral da saúde do usuário outrora acometido de obesidade mórbida, inclusive com a diminuição de outras complicações e comorbidades, não se configurando simples procedimento estético ou rejuvenescedor. 9. Em regra, a recusa indevida pela operadora de plano de saúde de cobertura médico-assistencial gera dano moral, porquanto agrava o sofrimento psíquico do usuário, já combalido pelas condições precárias de saúde, não constituindo, portanto, mero dissabor, ínsito às situações correntes de inadimplemento contratual. 10. Existem casos em que existe dúvida jurídica razoável na interpretação de cláusula contratual, não podendo ser reputada ilegítima ou injusta, violadora de direitos imateriais, a conduta de operadora que optar pela restrição de cobertura sem ofender, em contrapartida, os deveres anexos do contrato, tal qual a boa-fé, o que afasta a pretensão de compensação por danos morais. 11. Na hipótese, além de inexistir dúvida jurídica razoável na interpretação do contrato, a autora experimentou prejuízos com o adiamento das cirurgias plásticas reparadoras diante da negativa da operadora do plano de assistência médica, sobretudo porque agravou o estado de sua saúde mental, já debilitada pela baixa autoestima gerada pelas alterações anatômicas e morfológicas do corpo humano consequentes da cirurgia bariátrica, sendo de rigor o reconhecimento dos danos morais. Razoabilidade do valor fixado pelas instâncias ordinárias (R$ 10.000,00 - dez mil reais), que não se encontra exagerado nem ínfimo. Atendimento da razoabilidade e dos parâmetros jurisprudenciais. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 12. Recurso especial não provido.” (REsp 1757938/DF, 3ª Turma, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, j. 05/02/2019) Desta forma, imperioso é o reconhecimento do direito da autora à cobertura integral das despesas médico-hospitalares relacionadas aos procedimentos cirúrgicos indicados no relatório médico de fls. 32/34, com a ressalva de que, em relação às despesas de estabelecimentos e

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