Página 992 da Judicial I - Interior SP e MS do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) de 14 de Outubro de 2014

irrelevantes, para o deslinde da questão, uma vez que citada demarcação abrange apenas parte da sua terra (400 ha foram invadidos desmotivadamente); que em ação possessória não se discute domínio; e que referida Portaria decorre de processo administrativo viciado (ausência do devido processo legal e ampla defesa). Por fim, requereu a separação desta ação, da de nº. 2005.60.00.009841-0 - fls. 923-926. O MPF manifestou-se às fls. 931-939. Aduz que a Portaria Ministerial nº. 791/07 constitui elemento imprescindível para a construção do convencimento acerca de quem tem a melhor posse sobre as terras em apreço, pois quaisquer títulos dominiais relativos à área demarcada como Terra Indígena Cachoeirinha devem ser considerados nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos. Conclui pugnando pela improcedência do pedido inicial.Restou deferido o pedido do autor e

determinada a separação da presente ação, da de nº. 2005.60.00.009841-0, com a redistribuição destes autos para a 2ª. Vara Federal desta Subseção Judiciária (fls. 941-942). Contra essa decisão a FUNAI interpôs Recurso de Agravo de Instrumento (fls. 948-961).Às fls. 963-965 o autor apresentou memorial. O Juízo da 2ª Vara suscitou conflito negativo de competência em relação a esta ação (fls. 975-981), mas, em razão do provimento ao Agravo de Instrumento da FUNAI (fls. 1007-1010), esse pretenso conflito perdeu sua eficácia e foi determinada a remessa dos presentes autos a esta Vara (fl. 1.011).Todavia, como os autos ainda se encontravam na 2ª. Vara, o autor informou que interpusera Agravo Regimental, nos termos do artigo 557 do CPC, contra a decisão do E. TRF3, que dera provimento ao Agravo de Instrumento proposto pela FUNAI, e pediu que se aguardasse o julgamento desse recurso para, se fosse o caso, encaminharem-se os mesmos a esta 1ª. Vara (fls. 1027-1035). O seu pedido foi deferido (fl. 1036).O MPF apresentou aditamento ao seu parecer, para fazer colacionar aos autos documentos que entendeu serem imprescindíveis para a formação de convencimento do Juízo acerca de qual a melhor solução para a questão posta (fotos e DVD que demonstram a existência, na área debatida, de uma verdadeira aldeia indígena) -fls. 983-1004.Ainda na 2ª. Vara o autor pediu a juntada de precedentes do E. TRF3 e reiterou o pleito de procedência do pedido da ação (fls. 1046-1116). Em consequência disso os autos foram remetidos para esta Vara Federal (fl. 1117).Os autores desistiram da ação de nº. 2005.60.00.009841-0, e o processo foi extinto, com o arquivamento dos autos.É o relatório do necessário. Decido.No tocante à alegada ilegitimidade passiva da FUNAI, entendo que, nos termos dos artigos 35 e 36 do Estatuto do Índio (Lei nº. 6.001/73), essa fundação indigenista e a União são substitutas processuais dos índios e, juntamente com a comunidade indígena, são parte legítima para figurar no polo passivo da presente demanda, pois todas elas podem sofrer consequências jurídico-materiais em caso de se dar pela procedência do pedido da presente ação.Assim, rejeito a preliminar.Quanto ao mérito, considero, inicialmente, que o direito em geral mostra-se adensado na razão inversa da extensão dos fundamentos usados para a sua defesa: quanto mais for necessário argumentar, para se tentar demonstrá-lo, menos provável será a sua existência. No entender de muitos, seria ele prático e, sobretudo lógico; fruto do bom senso e, por isso, facilmente perceptível ao homem chamado comum, não versado nas ciências jurídicas. Mas este último atributo, na fina ironia de Descartes, não é de fácil identificação: O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo: pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis de se satisfazerem com qualquer coisa não costumam desejar mais bom senso do que têm. Com todo o respeito aos que pensam de modo diverso, entendo que a proteção da posse, em casos da espécie - quando de qualquer dos lados da lide estiverem índios e/ou não índios - deve, sim, ser analisada a partir da legislação infraconstitucional, nos termos do disposto nos artigos 1.210 do Código Civil e 926 e seguintes do Código de Processo Civil (Grifei). A posse sui generis defendida pelo MPF (Para os silvícolas, a posse da terra possui um significado cultural muito mais relevante que a dos nãoíndios, especialmente quando na área nasceram, cresceram e morreram seus ascendentes. A terra é um liame que conecta a sociedade indígena em torno de um fim comum - fl. 340), além de se identificar mais como domínio, deve ser tratada no plano normativo, para a fixação do direito de uso dos indígenas, ainda que com particularidades em relação ao direito dominial dos não índios (e isso foi feito, v. g., na Constituição Federal, em seu Capítulo VIII). No plano efetivo, a proteção do direito de posse tem que ser igualitária. Afinal, posse é fato, e, em sendo assim, tanto vale para índio como para não índio. Não podem existir posses sobrepostas, meia posse ou posse fragilizada, assim como não podem ser relativizadas, por exemplo, a presença física de alguém (a pessoa está ou não está em um lugar), a honestidade etc. Caso não índios invadam terras indígenas e a Justiça seja acionada, o tratamento deverá ser o mesmo dispensado em se tratando de invasão de terras particulares por índios. A tomada à força representa autotutela, o que não é tolerado pelo Direito. Permitir a autotutela, em casos tais, seria liberar o caminho da barbárie, a semear ódios e vinganças, caminho esse do qual a Humanidade luta desde os seus primórdios para se afastar. A falta de segurança jurídica, a ser gerada pela exegese defendida pelo MPF, pode influir negativamente na atividade econômica, produzindo, inclusive, retrocessos sociais, e, por consequência, maculando o interesse público. A virtude, na espécie, está no meio: em se resguardar igualmente a posse, quer seja de índios ou de não índios (Virtus in medium est) .No presente caso, em se confirmando que a área em questão é de ocupação tradicional indígena, nos termos do artigo 231 da CF, soa-me lógico concluir-se que em algum momento os indígenas perderam a posse sobre ela, uma vez que posse é fato e que os autores detinham a posse do imóvel. Assim, o direito originário dos indígenas, sobre as terras que lhe são afetadas, conforme já dito, pode até ter um tratamento diferenciado, em relação ao direito de propriedade dos não índios, com querem os réus. Mas esse direito, que é material, ao ser deduzido, mesmo com essa particularidade, há que respeitar o direito de posse de quem quer que esteja ocupando o imóvel - a ser apurado nos termos da lei, sob pena de se instalar no País dois

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