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Curso de Processo Penal

Curso de Processo Penal

15. Nulidades

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Capítulo 15

15.1.Considerações gerais e natureza jurídica

A teoria das nulidades é um dos pontos mais controversos da doutrina processual penal. Há confusões terminológicas e também confusões no âmbito da jurisprudência. A falta de tratamento uniforme sobre o tema contribui para a dificuldade na sua solução e compreensão.

Apesar de toda esta dificuldade, a teoria das nulidades é um dos elementos-chave para que se possa adequadamente cumprir as promessas constitucionais, o devido processo legal e o respeito aos direitos humanos e aos direitos fundamentais.

De nada adianta o sistema prever uma série de garantias se não há efetiva sanção quando descumpridas estas garantias. Um sistema destes seria como construir um castelo de garantias, cuja porta de entrada é um portão de papelão.

Por outro lado, o apego ao formalismo, ou seja, o apego à forma inútil aprisiona o direito e a justiça. Pretender que as nulidades protejam a forma inútil significa, em essência, o retorno ao sistema das fórmulas sem qualquer conteúdo efetivo. A forma pela forma, ou seja, a observância da forma somente por estar prescrita em lei deve ser evitada.

Infelizmente, esta matéria, por vezes, é tratada como cada um dos extremos acima indicados. A jurisprudência, por seu turno, carece de maior sistematização e coerência científica. Embora esta matéria seja por vezes relegada ao casuísmo, seria importante que se desenvolvesse uma teoria geral sobre o tema por parte da jurisprudência, a fim de dar balizas seguras para os operadores do direito.

No entanto, este problema não é culpa da jurisprudência ou da doutrina unicamente. Este problema parte também da própria legislação que, não raro, utiliza termos vagos e imprecisos como “prejuízo” e “elemento essencial do ato”.

Como se vê, o estudo da matéria não é simples, e, por isso, demanda muita cautela na estrada por onde avançamos a partir de agora. Caso não organizemos a matéria com cautela, haverá ainda maior confusão.

Daí porque o estudo do tema passa pelos seguintes passos: (a) análise da natureza jurídica das nulidades; (b) classificação das nulidades; (c) princípios sobre nulidades; (d) rol das nulidades previstas no Código; (e) formas de convalidação das nulidades.

Quanto à natureza jurídica, é importante notar que a lei prevê a observância de determinados modelos para a prática do ato processual. Não apenas dos atos em si, mas também do ato dentro de sua posição dentro do processo, e é justamente aqui que se encontra o dilema acerca das nulidades e sua natureza jurídica. 1

A primeira posição (majoritária na doutrina) entende que caso haja desconformidade entre o ato processual praticado e o modelo legal, a sanção prevista pelo sistema é a sanção de nulidade (posição defendida por Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes, 2 Eugênio Pacelli, 3 entre outros).

Segunda posição sustenta que a nulidade é o defeito ou a falta do ato processual previsto no processo, e a sanção para este defeito é a ineficácia. É a posição defendida por Denilson Feitoza 4 e Paulo Sérgio Fernandes Leite. 5

De nossa parte, entendemos que se trata a nulidade de sanção pela prática do ato em desconformidade ao modelo legal. Esta opção se justifica, na medida em que, entendendo a nulidade como sanção, mostra-se mais adequado e sistemático entender-se as diversas modalidades de sanção que podem existir, ou seja, as diversas modalidades de nulidade que podem existir.

15.2.Classificações das nulidades

Diversos são os critérios possíveis de classificação das nulidades. Comecemos por analisar a tríade mais famosa nesta classificação: atos inexistentes, nulidades absolutas e relativas e meras irregularidades.

A doutrina brasileira e a jurisprudência não caminham identicamente entre si com relação a esta classificação, notadamente quanto às hipóteses de inexistência, conforme se verá abaixo.

A título de conhecimento é importante lembrar aqui a posição de Giovanni Leone que divide os atos em inexistentes e nulos. A inexistência ocorrerá com a falta dos pressupostos processuais (ou seja, ausentes os pressupostos processuais, o ato será inexistente). Já a nulidade absoluta é a inidoneidade de um ato que não possa ser sanado e nulidade relativa é a inidoneidade de um ato que pode ser sanado 6 .

Leone resume seu pensamento da seguinte forma (em tradução livre do autor): na inexistência, a relação processual não nasce. Na nulidade absoluta ela nasce invalida ou, ainda que nasça válida se torna inválida. Na nulidade relativa é apenas um ato o que está viciado 7 .

15.2.1.A tríade tradicional – Inexistência, nulidade e irregularidade

A irregularidade significa a desconformidade menos intensa com o modelo legal. Trata-se de desconformidade tão pouco intensa que não irá gerar qualquer consequência para o processo. 8 Assim, por exemplo, entende o STJ que se trata de mera irregularidade a manifestação do Ministério Público sobre a resposta à acusação:

“Conquanto não encontre previsão legal, a manifestação do Ministério Público acerca do conteúdo da resposta à acusação não implica a nulidade do processo, caracterizando, no máximo, mera irregularidade. Precedentes.” (STJ, AgRg no RHC XXXXX/PR , Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 01.07.19)

As irregularidades não encontram previsão em lei, ficando, como já dito, a critério da jurisprudência e da doutrina a identificação das hipóteses que são causa de irregularidade. Isto porque a definição de irregularidade encontra-se baseada em termos genéricos (grau pouco intenso de desconformidade com o modelo legal).

Por outro lado, temos seu extremo, trata-se da inexistência. A categoria da inexistência não é unanimemente aceita por parte da doutrina, havendo até mesmo quem rejeite esta categoria. 9

A doutrina da inexistência desenvolve-se, inicialmente, entre os civilistas franceses do século XIX. É desenvolvida a teoria da inexistência para atenuar o rígido sistema de nulidades do Código Civil Napoleônico de 1804.

Uma vez que no sistema do Código Civil francês somente haveria nulidade que estivesse prevista no texto legal, ocorria uma série de hipóteses em que não havia previsão legal para atos nulos e, no entanto, o ato não podia produzir efeitos. Aí residia o dilema, não era possível declarar a nulidade de tais atos por ausência de previsão legal. Então, a doutrina reconheceu a hipótese de inexistência para as nulidades não previstas em lei.

No âmbito do processo penal, reconhece-se que haverá ato inexistente quando a desconformidade com o ato processual for de tal maneira intensa que a falta dele para o processo torna o ato inexistente.

O ato inexistente é um não ato, vale dizer, algo que não existe. 10 É claro que se pode pensar em um contrassenso: como se fala em inexistência se o ato foi praticado? Como falar em não ato se houve, sim, um ato praticado? Esta crítica leva muitos a rejeitar a categoria dos atos inexistentes.

No entanto, embora criticável a posição do ato inexistente, o fato é que ele gera consequências muito importantes. O ato inexistente não se convalida 11 , o que significa dizer que não transita em julgado. Uma vez que não transita em julgado, não precisa sequer de revisão criminal, bastando petição para o juiz do feito para que reconheça a inexistência.

Esta é a diferença essencial para com as nulidades. A coisa julgada não atinge o ato inexistente, mas a nulidade sim, de forma que precisa ser revista em sede de revisão criminal. A doutrina apresenta uma série de atos inexistentes:

a) incompetência constitucional; 12

b) sentença proferida por quem não é juiz; 13

c) sentença na qual falta dispositivo. 14

Sentença proferida por quem não é juiz, é forçoso reconhecer, trata-se de exemplo mais acadêmico do que real. Já a sentença na qual falta dispositivo, bem como a incompetência constitucional, são hipóteses que a maioria da doutrina e a jurisprudência resolvem com a categoria da nulidade.

Propomos outro caso de inexistência que, em certa medida, é ligada à hipótese de sentença proferida por quem não é juiz. Como sabido, uma das características da jurisdição é a imparcialidade. Entendemos que, nas hipóteses em que o juiz foi corrompido por uma das partes, não se terá esta característica da jurisdição e, então, teremos caso de inexistência.

Aqui, vale uma especial observação: os autores acima mencionados (Grinover, Scarance e Magalhães) 15 sustentam que, nas hipóteses em que houver absolvição, a inexistência produzirá efeitos, e não será possível retomar o andamento do processo. 16

Discordamos da aplicação desta posição no que se refere à corrupção. Entendemos que a inexistência, nesta hipótese, não conduz à formação da coisa julgada, pois foi ferida de morte uma das características da jurisdição. 17

O STJ embora não afirme taxativamente neste sentido aparenta seguir semelhante ideia no julgado abaixo indicado:

“O Tribunal pode, a qualquer momento e de ofício, desconstituir acórdão de revisão criminal que, de maneira fraudulenta, tenha absolvido o réu, quando, na verdade, o posicionamento que prevaleceu na sessão de julgamento foi pelo indeferimento do pleito revisional. O processo, em sua atual fase de desenvolvimento, é reforçado por valores éticos, com especial atenção ao papel desempenhado pelas partes, cabendo-lhes, além da participação para construção do provimento da causa, cooperar para a efetivação, a observância e o respeito à veracidade, à integralidade e à integridade do que se decidiu, conforme diretrizes do Estado Democrático de Direito. A publicação intencional de acórdão apócrifo – não autêntico; ideologicamente falso; que não retrata, em nenhum aspecto, o julgamento realizado – com o objetivo de beneficiar uma das partes não pode reclamar a proteção de nenhum instituto do sistema processual (coisa julgada, segurança jurídica, etc.), mesmo após o seu trânsito em julgado. Com efeito, ao sistema de invalidades processuais se aplicam todas as noções da teoria do direito acerca do plano de validade dos atos jurídicos de maneira geral. A validade do ato processual diz respeito à adequação do suporte fático que lhe subjaz e lhe serve de lastro. Nesse passo, não é possível estender ao ato ilícito os planos de validade e de eficácia destinados somente aos atos jurídicos lícitos, principalmente quando o suporte fático que lastreou o ato impugnado foi objeto de fraude, operada na publicação. Vale dizer, nenhum efeito de proteção do sistema processual pode ser esperado da publicação de um acórdão cujo conteúdo e resultado foram forjados. Sob esse viés, a atitude do Tribunal cingiu-se, apenas, a desconsiderar o ilícito, o que poderia, nessa ordem de ideias, ser feito em qualquer momento, mesmo sem provocação da parte interessada. Ademais, a manutenção dos efeitos da publicação ilícita refoge à própria finalidade da revisão criminal que, ao superar a intangibilidade da sentença transitada em julgado, cede espaço aos imperativos da justiça substancial. Nesse ponto, é bem verdade que a revisão criminal encontra limitações no direito brasileiro, e a principal delas diz respeito à modalidade de decisão que pode desconstituir. Desde que instituída a revisão criminal na Constituição de 1891, é tradição do processo penal brasileiro reconhecer – tomando o princípio do favor rei como referência – que somente as sentenças de condenação podem ser revistas. Entretanto, embora entre nós não se preveja, normativamente, a possibilidade de revisão do julgado favorável ao réu, a jurisprudência do STF autoriza a desconstituição da decisão terminativa de mérito em que se declarou extinta a punibilidade do acusado, em conformidade com os arts. 61 e 62 do CPP, tendo em vista a comprovação, posterior ao trânsito em julgado daquela decisão, de que o atestado de óbito motivador do decisum fora falsificado. Assim, o raciocínio a ser empregado na espécie há de ser o mesmo. Embora a hipótese em análise não reproduza o caso de certidão de óbito falsa, retrata a elaboração de acórdão falso, de conteúdo ideologicamente falsificado, sobre o qual se pretende emprestar os efeitos da coisa julgada, da segurança jurídica e da inércia da jurisdição, o que ressoa absolutamente incongruente com a própria natureza da revisão criminal que é a de fazer valer a verdade. Não se trata, …

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jusbrasil.com.br
1 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/15-nulidades-capitulo-15-curso-de-processo-penal/1147610609