Busca sem resultado
Prova e Convicção - Ed. 2022

Prova e Convicção - Ed. 2022

15. Fato Temido e Prova

Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Sumário:

15.1. A necessidade de alteração de paradigma para se compreender a prova em face da ação inibitória

A ação inibitória tem por fim impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito. Trata-se, assim, de uma ação voltada para o futuro , que se dissocia, nesse sentido, da ação ressarcitória, que objetiva verificar se o réu deve responder pelo dano produzido e, então, impor a sanção ressarcitória. 1

O processo civil, na sua gênese, foi concebido para atender ao passado ou, mais precisamente, para remediar a violação praticada. Essa ideia tem íntima relação com a concepção liberal clássica de jurisdição. Tal concepção, fortemente marcada pelos valores do Estado liberal, reflete a tendência de privilegiar as liberdades individuais em detrimento dos poderes de intervenção estatal. 2 Temendo-se a interferência do Estado na esfera jurídica dos particulares, não se dava ao juiz a possibilidade de agir antes de o particular ter violado a lei. Ou seja: qualquer ingerência judicial nas relações privadas, sem que houvesse sido violado um direito (e, portanto, sem que houvesse “motivo”), constituiria um atentado contra as liberdades individuais. Não é por outro motivo que a doutrina italiana mais antiga (embora já dos anos 50 do século passado) chegou a dizer que a tutela inibitória antecedente a qualquer ilícito seria “la più preoccupante, como è di tutte le prevenzioni che possono eccessivamente limitare l’umana autonomia ”. 3

Não é possível esquecer que tal concepção de jurisdição é subordinada à prevalência funcional da noção de direito subjetivo privado. Nessa época, diante de uma visão privatista do processo, não havia separação entre direito processual e direito material. Portanto, a jurisdição, que somente podia entrar em ação após a violação da lei, não poderia servir para outra coisa senão garantir a reintegração do direito subjetivo violado, e assim atuar apenas dirigida para o passado . 4

Contudo, com o passar do tempo, modificadas as funções do Estado – que deixou de ser visto como um “inimigo” – e evidenciada a autonomia do direito processual em relação ao direito material, a necessidade de estruturação de técnicas capazes de evitar a violação dos direitos passou a ser vista como uma consequência lógica do próprio dever de proteção estatal contra a agressão dos direitos.

É importante frisar que esses direitos também se revestiram de forma diversa daquela que era própria ao Estado liberal clássico, assumindo natureza frequentemente não patrimonial ou, muitas vezes, incompatível com a tutela ressarcitória. Além disso, como a função preventiva estatal migrou da esfera administrativa para a jurisdicional, na medida em que se passou a dar ao juiz um poder que antes era apenas do administrador, solidificou-se a noção de que todos têm direito de exigir do Judiciário uma tutela capaz de impedir a violação dos direitos.

A própria Constituição Federal, no seu art. 5.º, XXXV, deixou claro que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser subtraída da apreciação do Poder Judiciário. 5 Antes, porém, a própria prática forense (ao admitir o uso anômalo da ação cautelar inominada) e a melhor doutrina estavam cientes da necessidade de tutela jurisdicional preventiva. Como advertiu Ada Pellegrini Grinover, a atividade judicial, diante da tutela preventiva, ocorre “a priori , com o objetivo de evitar o dano que deriva da ameaça de lesão a um direito, antes que esta se consume. Foi justamente salientado que, na tutela preventiva, o interesse de agir não decorre do prejuízo, mas do perigo de prejuízo jurídico: em outras palavras, da ameaça de lesão ou, mais precisamente, frente a sinais inequívocos de sua incidência”. 6 Elogiando essa forma de tutela, completou a processualista: “A superioridade da tutela preventiva foi recentemente assinalada, frente à inviabilidade frequente da modalidade tradicional de tutela que consiste na aplicação de sanções, quer sob a forma primária de restituição ao estado anterior, quer sob as formas secundárias da reparação ou do ressarcimento. E a gravidade do problema, afirmou-se, aumenta de intensidade quando se passa das relações jurídicas de caráter patrimonial àquelas categorias em que se reconhece ao homem uma situação de vantagem insuscetível de traduzir-se em termos econômicos: os direitos da personalidade”. 7

Porém, não obstante a óbvia importância da tutela preventiva, a preocupação da doutrina com a tutela inibitória – não apenas brasileira, mas também estrangeira – é recente, especialmente quando se considera a grande atenção que os processualistas sempre dispensaram à tutela repressiva. 8 Em razão disso, é natural que os vários institutos do direito processual ainda não tenham se adaptado a essa nova modalidade de tutela, o que é particularmente grave quando se pensa no tema da prova.

Basta lembrar que a doutrina construiu a teoria da prova a partir da premissa de que o processo de conhecimento deve permitir a reconstrução dos fatos passados . Contudo, isso não pode ser alcançado pelo processo, nem pode ser, obviamente, o intento da prova na ação inibitória, pela simples razão de que ninguém pode supor que um fato futuro pode ser diretamente provado.

A questão apresenta contornos ainda mais intrincados quando se constata a mudança radical que essa percepção impõe ao processo. Suponha-se a situação de alguém que tema a violação do seu direito à honra e, assim, proponha ação inibitória e requeira tutela antecipada inibitória, que reste concedida para proibir a ré de divulgar determinada notícia. E ainda que, atendida a ordem judicial, a ré apresente contestação afirmando que jamais cogitou de veicular tal notícia. Seria possível dizer que houve, nesse caso, reconhecimento da procedência do pedido? Como saber se a ré não divulgou a notícia em função da efetividade da tutela antecipada ou porque jamais pretendera divulgar a notícia?

Como se vê, o tema da prova, diante da ação inibitória, requer uma reflexão muito especial e atenta, exigindo uma completa revisão da função que se costuma atribuir à prova.

15.2. A ação inibitória, o dano e a culpa. Art. 497, parágrafo único, CPC

Prosseguindo no estudo da prova na ação inibitória, cabe deixar claro, como premissa, o que deve ser objeto de prova nessa ação.

Desde logo, é possível dizer que, em razão da própria finalidade da ação inibitória, não há sentido em exigir a demonstração de dano. Aliás, não é porque o ato contrário ao direito (o ilícito) já foi praticado que se exigirá a demonstração de dano. Isso pelo simples motivo de que ato contrário ao direito e dano não se confundem. O dano é consequência eventual do ilícito, e não necessária . A confusão entre um e outro deriva do fato de que, em uma perspectiva meramente cronológica, o ato contrário ao direito e o dano muitas vezes surgem no mesmo instante. 9 Pontes de Miranda já atinava para essa situação, deixando claro que “pode haver delito, ou melhor, ato ilícito, sem dano, e pois sem que se possa reclamar a reparação”. 10

Embora normalmente o ilícito se …

Uma nova experiência de pesquisa jurídica em Doutrina. Toda informação que você precisa em um só lugar, a um clique.

Com o Pesquisa Jurídica Avançada, você acessa o acervo de Doutrina da Revista dos Tribunais e busca rapidamente o conteúdo que precisa dentro de cada obra.

  • Acesse até 03 capítulos gratuitamente.
  • Busca otimizada dentro de cada título.
Ilustração de computador e livro
jusbrasil.com.br
5 de Junho de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/1561-a-importancia-da-compreensao-do-mecanismo-da-presuncao-para-a-afericao-da-ameaca-156-reconstrucao-critica-da-prova-da-ameaca-prova-e-conviccao-ed-2022/1765408500