2. Inépcia da inicial

2. Inépcia da inicial A primeira das causas que autoriza o indeferimento da petição inicial é a sua inépcia. Inépcia é termo que designa algo ininteligível ou incompreensível, com incapacidade de prestar-se à sua finalidade. Para os fins do Código, porém, o termo tem extensão muito mais restrita. A inépcia de que trata o Código é a legal, processual, especificamente definida pelo § 1.º do art. 330, em exame. Por isso, só se considera inepta a petição inicial quando lhe faltar pedido ou causa de pedir, quando o pedido for indeterminado, fora das hipóteses em que permitido, quando da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão e quando contiver pedidos incompatíveis (art. 330, § 1.º, CPC), ressalvada a possibilidade de cumulação alternativa (art. 326, CPC). Uma petição mal feita, mal redigida, truncada, certamente conterá defeitos que inviabilizam – e não só dificultam (na expressão do art. 321 do CPC) – a análise do mérito. Porém, não é, nos termos da legislação processual, inepta. 1 É certo que, no modelo atual, a distinção perde grande parte do seu interesse, na medida em que, sempre, deve o juiz antes de rejeitar a petição inicial permitir à parte que sane o defeito. Assim, tratando-se de petição inicial que contenha defeitos que inviabilizem ou que dificultem a análise de mérito, as consequências são as mesmas: o juiz não poderá indeferir a petição inicial sem dar à parte a oportunidade de sanar o problema, na forma do art. 321 do Código de Processo Civil. Apesar disso, é de se concluir que só será inepta a petição inicial nos casos descritos em lei. O primeiro caso enunciado no texto legal diz respeito à ausência de pedido ou de causa de pedir. Logicamente, partindo da premissa de que, segundo a óptica tradicional, a atuação jurisdicional está limitada àquilo que é trazido como pedido e como causa de pedir, torna-se inviável a prestação do Estado se não há delimitação desses aspectos. Por isso, uma petição inicial que não descreva esses elementos torna inviável o prosseguimento da atividade jurisdicional. Ademais, é certo que, sem esses elementos, torna-se praticamente impossível ao juiz conhecer a extensão do conflito e, assim, decidir sobre ele. Logo, esses são os elementos mínimos que devem ser oferecidos para que uma demanda possa ser processada. Como já dito, em doutrina costuma-se assimilar à hipótese de ausência de pedido ou de causa de pedir o caso em que, embora presente, o elemento seja in- compreensível. A discussão soa, para o Código atual, estéril, na medida em que, ausente o requisito ou sendo ele ininteligível, jamais estará autorizado o indeferi- mento da petição inicial sem que se oportunize à parte sanar a irregularidade, a menos que seja impossível a sua correção. De toda sorte, recorde-se que não integra a causa de pedir a qualificação jurídica do fato o apontamento da regra jurídica aplicável ou ainda a indicação de doutrina ou de jurisprudência sobre os aspectos debatidos na inicial. Logo, a ausência desses elementos não constitui defeito da petição inicial, nem autoriza determinação de emenda ou seu indeferimento. Por outro lado, o Código considera inepta a petição inicial que formula pedido indeterminado fora dos casos autorizados em lei. O tema já foi tratado nos comentários ao art. 324, valendo aqui recordar apenas que os casos em que esse pedido indeterminado é admissível são apenas os previstos no dispositivo mencionado, mas incluem ainda a ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos e a ação para a reparação de dano moral. Em terceiro lugar, haverá inépcia sempre que, da narração dos fatos, não decorrer logicamente a conclusão. Trata-se aqui de hipótese específica de ininteligibilidade que, mais do que inviabilizar o julgamento da controvérsia, impede o próprio conhecimento do litígio. Se a parte narra certo problema, mas formula pedido totalmente distinto, não há como saber se a tutela jurisdicional buscada diz respeito ao conflito narrado ou ao pedido formulado. Em qualquer dos casos, haverá situação que pode ser assimilada à ausência de pedido ou de causa de pedir, já que se a narração dos fatos não induz à conclusão é porque ou falta a narração dos fatos adequadas, ou a conclusão correta. Como aponta Calmon de Passos, esse defeito lógico pode decorrer: a) de ter o autor narrado na inicial fatos não qualificados pelo direito, ou seja, juridicamente irrelevantes, de onde não decorrerá qualquer conclusão jurídica viável; b) embora o fato seja juridicamente relevante, a consequência jurídica atribuída não é autorizada; c) houve tipificação inadequada do fato narrado, que resulta na atribuição equivocada das consequências jurídicas cabíveis. 2 Em todos esses casos, só haverá inépcia se desses defeitos advier a impossibilidade de identificar adequadamente o litígio, pronunciando-se a seu respeito. Do contrário, ainda que a petição seja mal elaborada ou contenha erros ou omissões, não poderá ser qualificada como tal. 3 Em qualquer desses casos, há defeito lógico na construção da petição inicial. Esse defeito precisa ser sanado, sob pena de não permitir ao juiz conhecer adequadamente a controvérsia e manifestar-se a seu respeito. O último caso de inépcia descrito na lei é a existência de pedidos incompatíveis entre si. A rigor, esse não é normalmente um caso de indeferimento da petição inicial, nem de sua inépcia. Em primeiro lugar, recorde-se que a própria lei admite a formulação de pedidos incompatíveis, no caso da cumulação eventual (arts. 326 e 327, § 3.º, do CPC). Ora, se essa cumulação é admissível por lei, não se pode cogitar da inépcia da petição inicial que se vale dessa faculdade. Em segundo lugar, ainda que não seja o caso de cumulação eventual, fato é que a presença de cumulação de pedidos incompatíveis acarreta, em princípio, a vedação da cumulação, por ofensa ao art. 327, § 1.º, I, do CPC. Logo, a consequência natural será a proibição judicial a que o autor proceda à cumulação, mas não o indeferimento da petição inicial. Assim, a cumulação de pedidos incompatíveis só será caso de inépcia da petição inicial se, intimado o autor a adequar sua demanda, deixar ele transcorrer in albis o prazo para tanto, não sendo possível ao órgão jurisdicional verificar se há algum dos pedidos para o qual pode o processo prosseguir. Como se vê, portanto, em todos os casos aqui descritos, não tem cabimento – salvo se absolutamente impossível – a rejeição imediata da petição inicial. É necessário, em primeiro lugar, que se faculte à parte corrigir o defeito e, só diante da sua omissão, é que cabe o indeferimento da inicial. Contra, entendendo que essa hipótese difere do caso em que a petição inicial contém defeitos e irregularidades que apenas dificultam (mas não inviabilizam) a análise do litígio, v. José Joaquim Calmon de Passos, Comentários..., ob. cit., p. 214. José Joaquim Calmon de Passos, Comentários..., ob. cit., p. 216. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “não é possível falar em inépcia da petição inicial por falta de correspondência lógica entre causa de pedir e pedido quando o próprio réu é capaz de identificar esses elementos e reconhecer o liâme lógico entre eles” (STJ, AgRg no REsp 1.433.054 / ES, 3.ª T., rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 14.12.2015).

Comentários ao Código de Processo Civil: Artigos 294 ao 333

2. Inépcia da inicial

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