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Manual da Execução

Manual da Execução

6. Formação do Processo Executivo

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Seção I PETIÇÃO INICIAL DA EXECUÇÃO

§ 34.º Princípio da Demanda

131.Impulso da parte na execução

É indispensável o impulso da parte para deduzir a pretensão da execução. O ato postulatório principal do exequente chama-se demanda e traduz princípio assaz fundamental do processo civil constitucionalmente justo e equilibrado.

O princípio da demanda constitui desdobramento do clássico princípio dispositivo. O processo informado pela última diretriz apresenta as seguintes características: (a) começa por iniciativa da parte, segundo o princípio da oportunidade (o autor escolhe o melhor momento para deduzir sua pretensão, obrigando-se a respeitar tão-só prazos de decadência ou de prescrição fixados na lei substancial); (b) as partes estabelecem o objeto litigioso, ou mérito, fixando limites para o futuro provimento do órgão judicial; (c) a atividade processual subordina-se ao impulso das partes, em particular tocando-lhes exclusividade de propor as provas adequadas à emissão do juízo de fato pelo órgão judicial e, conseguintemente, à resolução do mérito (iudex iudicaredebet allegataet probatapartium) no processo de conhecimento. À disposição plena das partes, no tocante à matéria e ao impulso do processo, corresponde quase integral inércia do órgão judiciário. 1 Para esta concepção, o processo é, sobretudo, um mecanismo em que impera o domínio das partes.

Tal esquema reflete o espírito individualista do século XIX. Não se coaduna com as realidades social, econômica e política dos tempos modernos. Embora se mantenha a regra da iniciativa das partes, da abertura ao desenvolvimento da relação, no início do século XX entrou em cena o significado social do processo – a resolução do litígio interessa não apenas aos desavindos, mas há interesse público no emprego do dispendioso mecanismo processual –, impondo a lei expressivo aumento dos poderes do juiz, em áreas tão diversas quanto a proposição dos meios de prova e a igualdade material dos litigantes. O órgão judicial dispõe, segundo o modelo social do processo, de poderes de direção formais (art. 2.º, in fine, do CPC) e poderes de direção materiais (v.g., a iniciativa em matéria de prova e o poder de reconciliar os litigantes).

Este renovado arranjo entre o domínio das partes, antes soberano, e o ativismo judicial iluminou aspecto do princípio dispositivo que, no modelo liberal do processo, acabava obscurecido por outros aspectos: a provocação do processo. Ficava indistinta a iniciativa do autor na abertura da relação e o impulso no seu desenvolvimento ulterior, como se fossem incindíveis. Entretanto, restringidos os poderes dispositivos dos litigantes no desenvolvimento do processo, flagrou-se a transcendência da iniciativa da parte na formação do processo. 2 O direito processual brasileiro vigente permite a nítida identificação do princípio da demanda. Expressa-se esse princípio, na sua ofuscante nitidez, no art. 2.º do CPC, que reza: “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.

Duas observações iniciais se impõem nesse ponto. Em primeiro lugar, o processo civil social, marcado pelos poderes do órgão judicial, preservou a característica fundamental da inércia da função jurisdicional. Em determinadas hipóteses, em virtude do caráter transindividual do objeto litigioso, ou a relevância social do litígio, a lei outorga capacidade de conduzir o processo a determinados órgãos estatais (v.g., o Ministério Público), a fim de preservar essa característica. E, por outro lado, as exceções legais mencionadas na parte final do art. 2.º do CPC, referem-se ao impulso, e, não, à iniciativa na formação do processo. Não é um primor de coerência a lei quanto ao dever de o órgão judicial impulsionar o processo. Assim, desinteressando-se as partes pelo andamento do processo, por mais de um ano (art. 485, II), ao órgão judiciário cumpre as intimar para suprir a falta no prazo de cinco dias (art. 485, § 1.º), antes de extingui-lo. Ora, a imobilização do processo é, antes de mais nada, responsabilidade do órgão judicial: negligenciou o emprego dos seus poderes de impulso (direção formal do processo). Cuida-se, portanto, de resquício do domínio das partes sobre o desenvolvimento do processo, dificilmente harmonizável com os poderes judiciais do art. 139.

Também a função jurisdicional executiva subordina-se à iniciativa da parte. Segundo proclamou o STJ, “a execução não pode iniciar sem provocação da parte”. 3 Essa diretriz subsiste no CPC. Em particular, no tocante aos pronunciamentos judiciais dependentes de execução para entregar o bem da vida ao vencedor, o art. 513, § 1.º, reza o seguinte: “O cumprimento de sentença que reconhecer o dever de pagar quantia, provisório ou definitivo, far-se-á a requerimento do exequente” Não há, pois, cumprimento da sentença ex officio, tratando-se de créditos pecuniários. Assim decidiu a Corte Especial do STJ: “O cumprimento da sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão”. 4 Como se observa no art. 515, I, entretanto, os provimentos judiciais exequíveis não se limitam às obrigações pecuniárias, incluindo as obrigações de entregar coisa certa e incerta e as obrigações de fazer e de não fazer, às quais se equiparam, para efeitos práticos, as ordens do juiz (força mandamental), a teor do art. 536, § 5.º. É mais aparente do que real essa exceção, antes insinuada do que declarada no art. 513, § 1.º. Também nesses casos, havendo o dever de prestar do futuro executado, o princípio da oportunidade autoriza o vencedor a promover, ou não, a execução forçada. Essa função jurisdicional subordina-se a limitações políticas e práticas que, a mais das vezes, apresentam-se na execução de obrigações de dar ou de fazer. Assim, abstendo-se o vencido de entregar a coisa móvel no prazo estabelecido na sentença (art. 538, caput, c/c 498), e expedido o mandado de busca e apreensão, pode acontecer uma das situações antevistas do art. 809, caput, ensejando a conversão do procedimento executivo, passando o vencedor a executar o equivalente pecuniário. Tal evento talvez anteceda a expedição do mandado do art. 538, caput, hipótese em que é dado ao exequente requerer, desde logo, a execução por quantia certa. Problema diferente é o das sentenças executivas e mandamentais. Nesses casos, o ato integra o conteúdo da decisão de mérito.

Em princípio, subsiste a inércia do órgão judicial (art. 2.º do CPC). Nenhuma particularidade da demanda, a exemplo da indisponibilidade do objeto litigioso ou vulnerabilidade do credor – elemento frisante na execução de benefício previdenciário –, mostra-se suficientemente relevante para o órgão judiciário descer de sua curul, abdicando da respectiva inércia, princípio fundamental do processo garantista. O antigo costume de iniciar a liquidação, ex officio, contraria o princípio da demanda. Inova-se somente na surpreendente paridade da iniciativa oficial e da iniciativa das partes após a formação do processo. Nada obstante, exige-se inércia do órgão judiciário e a iniciativa exclusiva da parte para obter a vantagem, o proveito, a utilidade, o benefício ou bem da vida previsto no título executivo judicial ou extrajudicial.

Enquanto o princípio reponta inconcusso, no processo de conhecimento, já na execução surgem peculiaridades. Não há dúvida que a execução depende da provocação do exequente. Estabelece o art. 798, caput, que cabe ao exequente propor a execução. E, no âmbito do cumprimento, já se destacaram os dispositivos pertinentes: o art. 513, § 1.º reclama “requerimento” do vencedor para realizar o crédito. 5 Mas, ao mesmo tempo, dispõe o art. 797 que “realiza-se a execução no interesse do exequente”. Evidencia-se, no confronto dessas regras, o problema fundamental: a conciliação do interesse do exequente, a presidir a atividade executiva, e a iniciativa do juiz, concebida para a estrutura de cognição, em que as partes gozam de igualdade formal.

Exame sistemático da função executiva aponta a prevalência ideológica do interesse individual do credor. Basta rememorar a ilimitada faculdade de desistir da execução (art. 775, caput) ou a definição de ato atentatório à dignidade da Justiça como conduta do executado (art. 774). É claro que o exequente também poderá descumprir os deveres do art. 77 ou praticar ato subsumido ao art. 80. Em tal hipótese, reza o art. 777, a execução da sanção pecuniária porventura aplicada processar-se-á nos próprios autos, admitindo-se a compensação.

Se, portanto, no processo de conhecimento compete ao juiz formular regra jurídica concreta, vinculando os litigantes, e no qual as partes depositam suas expectativas de êxito, no processo executivo o órgão judiciário não possui análogo desembaraço, pois se atrela ao comando do título e à atuação prática do direito do exequente.

Fora da hipótese do controle do gravame excessivo ao executado, quando a execução pode realizar-se por mais de um meio executivo, (art. 805), o impulso oficial na demanda executória socorre ao interesse do credor. Eis a norma heurística do processo executivo.

132.Impulso oficial na execução

Se compete ao credor deduzir a pretensão a executar, realizando-se as atividades processuais em seu proveito ou interesse (retro, 24.1), o impulso do órgão judiciário mostra-se assaz valioso em determinadas fases do procedimento.

De um modo geral, os poderes do órgão judiciário na modelagem do ato executivo (retro, 6.1) beneficiam o credor. E a própria lei prevê, abundantemente, determinações judiciais tendentes à satisfação do crédito e em proveito do exequente.

Assim, cabe ao juiz dar início aos atos de expropriação (art. 875), após a adequação da penhora. E toca ao juiz designar o leiloeiro, embora o exequente também possa indicá-lo (art. 883). Essas iniciativas oficiais também ocorrem no cumprimento da sentença.

Em outros ritos, além da expropriação ordinária, verificam-se situações análogas. Alienada coisa litigiosa, o subadquirente fica sujeito à força da sentença (art. 808); porém, subordina-se iniciativa do exequente reclamar, ou não, a coisa integrada ao patrimônio dessa pessoa (art. 809, caput). Não poderá o juiz suprir semelhante iniciativa, quiçá emitindo juízo sobre a comodidade da opção, porque a alteração do bem da vida visado integra o domínio do exequente.

Cuidando-se de transformação, ao credor tocará deliberar sobre a transformação da obrigação no equivalente pecuniário (art. 816, caput) ou sua realização por meio de terceiro (art. 817, caput). Também aqui é vedado ao juiz substituir-se ao exequente.

Em todas essas hipóteses, haja vista a preponderância do interesse do credor, descabe impulso oficioso contrário às aspirações do exequente, sob pena de infringir o princípio heurístico da execução (retro, 131). O pronunciamento judicial que investe sobre área reservada à iniciativa da parte mostrar-se-á nulo.

Por outro lado, em alguns casos a lei exige, expressamente, o contraditório das partes na execução. O diálogo dos litigantes com o órgão judicial é indispensável na formulação da regra jurídica concreta, objeto principal da função de conhecimento, e o CPC emprestou-lhe suma relevância, como revela o art. 9.º, caput, e parágrafo único, I e II, e, especialmente, instituiu a obrigatoriedade de o órgão judicial ouvir as partes previamente sobre as matérias que lhe é dado conhecer ex officio (art. 10). Ora, o princípio do contraditório não apresenta, na execução, a amplitude e a essencialidade inerentes à cognição, 6 porque aquela atividade não “é instaurada para saber quem tem razão, mas para concretizar um título”. 7 Mas, há exceções significativas. Recaindo a penhora sobre bem perecível, por exemplo, há necessidade da alienação antecipada, impondo o art. 853 ao juiz colher “sempre” a manifestação da outra parte antes de decidir. Essa disposição aplica-se, outrossim, no caso de substituição da penhora por iniciativa do executado (art. 847) ou das partes (art. 848), bem como no caso do art. 850 (alteração significativa do preço de mercado do bem penhorado). Também não se pode duvidar que o órgão judicial há de promover o contraditório antes de apreciar a matéria de ordem pública na execução. Por isso, formulada exceção de pré-executividade, a audiência do exequente é obrigatória antes da sua apreciação (infra, 541). Igualmente, arguida a prescrição intercorrente, o juiz somente poderá decretá-la após colher a manifestação do exequente. 8 E ocorrerá nulidade nos casos em que o órgão judiciário desrespeitar o contraditório.

133.Petição inicial da execução

O processo de execução começa pelo ato postulatório principal do exequente chamado, no art. 798, I, de petição inicial. É a terminologia tradicional do direito processual civil brasileiro para o ato postulatório principal do autor. Do emprego dos verbos “instruir” (art. 798, I), “indicar” (art. 798, II) e “requerer” (art. 799, I a VII) infere-se que as disposições se ocupam, basicamente, da instrução da petição inicial e de alguns requerimentos eventuais do exequente, ressalva feita à identificação e qualificação das partes (art. 798, II, b), à escolha do meio executório (art. 798, II, a), havendo mais de um hábil a entregar o bem da vida em natura (execução específica), à dedução da pretensão à segurança ou à antecipação (art. 799, VIII), hipótese em que a lei emprega o verbo “pleitear”, e, por fim, à instituição do ônus de proceder à averbação da propositura e de atos de constrição patrimonial em registro público (art. 799, IX). Este último não é assunto integrante da petição inicial, motivo por que nenhuma menção é necessária a seu respeito no capítulo dedicado ao ato postulatório inicial do credor.

Por óbvio, a estrutura da petição inicial basear-se-á nos elementos arrolados no art. 319, aqui designados de requisitos gerais; por exemplo, o endereçamento da petição inicial (art. 319, I), envolvendo a resolução do problema de competência pelo exequente (retro, 91.5).

O art. 513, § 1.º, chama a iniciativa do exequente, pleiteando o cumprimento do título judicial, de “requerimento”. Já o art. 522, caput, não sendo eletrônico o processo, designa de “petição” idêntico ato postulatório. Fonte presumível da terminologia é o art. 810 do CPC português 1961, 9 hoje constante com a mesma rubrica – “requerimento executivo” – do art. 724 do CPC português de 2013. Se o texto desejou descaracterizar o rigor formal da petição inicial, empregando em seu lugar palavra que timbra pela neutralidade, além dos limites aqui explicados, malogrou no seu intento. A troca de designação e o uso de palavras novas pouco mudam a natureza das coisas. No direito português, apesar da terminologia, os requisitos da petição inicial se aplicam, subsidiariamente, ao “requerimento”. 10 E basta recordar a hipótese de o vitorioso requerer a execução no lugar do domicílio atual do executado (art. 516, parágrafo único), para justificar cuidados formais mínimos. Sem indicar, por exemplo, qual o título e o processo que o originou, o vitorioso jamais se fará compreender em outro juízo... Por essa razão, “formalmente, o tal ‘requerimento’ há de revestir-se dos requisitos arrolados nos artigos 798 e 799, conforme o caso, quanto à petição inicial” do processo de execução. 11

Uma das consequências de o vitorioso deduzir a pretensão a executar, através do requerimento, consiste na necessidade de realizar-se o devido registro na distribuição, assegurando o princípio da publicidade a transmissão dessa informação relevante aos terceiros. 12

É comum, realmente, os credores desatenderem até o indispensável à compreensão da petição inicial na execução.

Esta petição, que representa a vontade do exequente e a reclamação da tutela jurídica do Estado – trata-se, consoante observação bem apanhada, “de pedido para a realização concreta de um direito já suficientemente reconhecido no título executivo judicial ou extrajudicial, de pedido de prática de atos jurisdicionais que se voltam à satisfação do direito e não ao seu mero reconhecimento” –, 13 padece com extraordinária frequência do desmazelo e de mal disfarçado desprezo aos seus …

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1 de Junho de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/6-formacao-do-processo-executivo-titulo-ii-relacao-processual-executiva-manual-da-execucao/1198081333