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Debates Contemporâneos em Direito Médico e da Saúde - Ed. 2020

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Capítulo 8. Culpa Médica e Ônus da Prova: Análise a Partir da Discussão Sobre a Incidência do Código de Defesa do Consumidor

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Autores:

Letícia de Oliveira Borba

João Pedro Leite Barros

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1. Notas introdutórias sobre a culpa médica: natureza da responsabilidade, modalidades de culpa stricto sensu e tipos de obrigação

A responsabilidade civil do médico é subjetiva 3 e deve ser verificada nos termos do art. 186 4 e 951 5 do Código Civil. Tem como pressupostos: a conduta do agente, o dano produzido, o nexo causal e a culpa, e a falta de qualquer desses pressupostos afasta o dever de indenizar. 6

Para Alvino Lima, a culpa é conceituada como “um erro de conduta, moralmente imputável ao agente, e que não seria cometido por uma pessoa avisada, em iguais circunstâncias” 7 . Entendimento semelhante é expresso por Aguiar Dias, para o qual a culpa é “falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das consequências eventuais da sua atitude”. 8 Sérgio Cavalieri Filho, por sua vez, leciona alguns aspectos importantes na investigação da culpa médica:

(...) culpa é uma conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém, previsto ou previsível. (...) Neste ponto, cabe uma indagação: se o resultado foi previsto, por que o agente não o evitou? Se era pelo menos previsível, por que o agente não o previu e, consequentemente, o evitou? A resposta é singela: porque faltou com a cautela devida; violou aquele dever de cuidado que é a própria essência da culpa. Por isso, vamos sempre encontrar a falta de cautela, atenção, diligência ou cuidado como razão ou substrato final da culpa. Sem isso não se pode imputar o fato ao agente a título de culpa, sob pena de se consagrar responsabilidade objetiva. 9

Insta ressaltar que, apesar de a relação firmada entre médico e paciente ter natureza contratual, isso não implica dizer que a culpa do profissional é presumida ou que ele tem o dever de atingir um resultado, pois a responsabilidade do médico é subjetiva e de meio, motivo pelo qual o mero insucesso no diagnóstico ou no tratamento não resulta necessariamente em responsabilização do profissional. A responsabilidade somente se caracterizará quando houver prova de que o médico deu causa ao dano sofrido pelo paciente por ter agido com culpa. 10 Cavalieri explica como deverá ser analisada a culpa médica:

(...) diante das circunstâncias do caso, deve o juiz estabelecer quais os cuidados possíveis que ao profissional cabia dispensar ao doente, de acordo com os padrões determinados pelos usos da ciência, e confrontar essa norma concreta, fixada para o caso, com o comportamento efetivamente adotado pelo médico. Se ele não o observou, agiu com culpa. 11

As modalidades de culpa stricto sensu são: negligência, imperícia e imprudência. 12 Negligência é caracterizada por uma falta de cuidado, de zelo, por uma conduta omissiva. O médico negligente é aquele que tem conhecimento sobre determinada regra imposta por sua profissão, mas não adota os cuidados devidos, tais como: não emprega correta técnica asséptica numa cirurgia, ensejando a infecção que, posteriormente, acomete o paciente, ou esquece uma pinça na cavidade abdominal do sujeito. 13

Miguel Kfouri Neto, com base na análise jurisprudencial pátria, exemplifica que é negligente o médico que não identifica sinais e sintomas de apendicite aguda em paciente internado; que, após avaliação de outro médico, é encaminhado para intervenção cirúrgica de apêndice já supurado, sobrevindo peritonite e morte do paciente; ou, ainda, médico que não se atentou para a posição da radiografia que estava invertida e, por isso, operou o lado errado do cérebro do paciente. Também se configura a negligência quando o diagnóstico é falho devido ao exame superficial, ou quando ocorre troca de prontuários ou exames. Todas essas são situações em que há evidente falta de cuidado, de zelo por parte do profissional ao desempenhar seu ofício. 14

A imprudência, por sua vez, é uma conduta comissiva, uma precipitação por parte do médico, que expõe o paciente a um risco desnecessário. É imprudente o cirurgião que não aguarda o anestesista e ele mesmo realiza a anestesia; médico que realiza o procedimento em tempo muito inferior ao recomendado, gerando danos ao paciente; o cirurgião que realiza cirurgia de grande porte em paciente com diversas comorbidades sem reserva de leito de UTI. 15

Por fim, a imperícia é a deficiência de conhecimento técnico, a inabilidade para o desempenho de certa atividade. É imperito, por exemplo, o ginecologista que, sem possuir habilitação de cirurgia plástica, realiza intervenção própria da especialidade da qual não dispõe de conhecimento específico. 16

Feitas essas breves considerações, importante sublinhar que, na identificação da existência da culpa médica, não se leva em consideração a gravidade dela, basta a certeza de que a culpa existe. A gravidade será discutida no momento de quantificação da indenização devida. Em que pese não existam culpas “pequenas” no direito, o julgador deve reduzir de forma equitativa a indenização, diante de uma excessiva desproporção entre o grau da culpa e a extensão dos danos causados, nos termos do art. 944, parágrafo único, do Código Civil. 17

Na análise da responsabilidade civil médica, além da aferição da culpa, há de se destacar o tipo de obrigação desse profissional. Há obrigações de meio e de resultado. Na obrigação de meio, a parte devedora compromete-se a empregar seus esforços da melhor maneira possível, em busca do alcance de determinado objetivo. Logo, mesmo que o objetivo inicialmente proposto não possa ser alcançado, a obrigação estará adimplida, pois o conteúdo da obrigação, nesse caso, não é um resultado determinado, mas a própria atividade do devedor. Por outro lado, quando se trata de obrigação de resultado, a parte credora tem direito de exigir o alcance do resultado almejado. 18

A obrigação assumida pelo médico, em regra, é uma obrigação de meio, pois nenhum médico, por mais competente e experiente que seja, apesar de todo o avanço científico e tecnológico no campo da medicina, pode assumir a obrigação de garantir que o paciente será curado ou sobreviverá a uma doença. A obrigação que o profissional assume é de garantir ao doente os cuidados devidos, dispendidos de forma atenta e cuidadosa, conforme as diretrizes da medicina para o caso. Em outras palavras, “não se compromete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão”. 19 Nesse prisma, ensina Miguel Kfouri Neto:

(...) quando se trata da saúde do ser humano, nunca se poderá afirmar, a priori, que a não obtenção da cura é imputável ao ato médico. Em nenhuma outra atividade profissional o êxito estará sujeito a tantos fatores que refogem por inteiro ao controle quanto na Medicina. Essa realidade não pode ser desconsiderada pelo Direito. (...) Existem …

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27 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/capitulo-8-culpa-medica-e-onus-da-prova-analise-a-partir-da-discussao-sobre-a-incidencia-do-codigo-de-defesa-do-consumidor/1147600628