Busca sem resultado
Instituições de Direito Civil - Vol. 1 - Ed. 2019

Instituições de Direito Civil - Vol. 1 - Ed. 2019

Capítulo II. A Personalidade Jurídica

Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

3. Pessoas físicas e jurídicas

A personalidade jurídica, que é o quid que faz de alguém “pessoa”, qualifica a pessoa física, ou natural, bem como a pessoa jurídica, como sujeito de direitos e de obrigações e, nesse sentido, qualifica-os como senhores de seus atos, e de suas atividades, no mundo fenomênico do direito.

Como dissemos e reiteramos, a personalidade é inerência da pessoa, é atributo da pessoalidade. É o que faz a figura viva de alguém se distinguir da de outros seres animados. É o que, no direito, atribui à pessoa a condição de sujeito de direito e de deveres e obrigações. É o atributo que impede que a pessoa seja objeto de direito.

Em outro sentido, mas também apreendendo a mesma ideia de que pessoa é o ente ao qual pertencem as qualidades jurídicas, Kelsen aponta pessoa como a unidade personificada de um conjunto de normas jurídicas, consistentes em direitos e deveres:“Segundo a interpretação animista da natureza, acredita-se que todo objeto do mundo perceptual é a moradia de um espírito invisível que é o senhor do objeto, que ‘possui’ o objeto do mesmo modo que a substância possui as suas qualidades, e o sujeito gramatical, os seus predicados. Assim, a pessoa (em sentido jurídico) também ‘possui’ os seus deveres e direitos jurídicos nesse mesmo sentido. A pessoa é a substância jurídica à qual pertencem as qualidades jurídicas. A ideia de que ‘a pessoa tem’ deveres e direitos envolve a relação de substância e qualidade. Na verdade, porém, a pessoa (em sentido jurídico) não é uma entidade separada dos seus deveres e direitos, mas apenas a sua unidade personificada ou – já que deveres e direitos são normas jurídicas – a unidade personificada de um conjunto de normas jurídicas”. 1

Como consequência dessa apreensão lógica, pessoas naturais e jurídicas podem ser sujeitos de direito e praticar atos e atividades.

Os atos e as atividades jurídicas são frutos de exteriorizações da vontade de pessoas atuantes, manifestadas no espaço jurídico e, nesse sentido, tanto as pessoas físicas, quanto as pessoas jurídicas, movimentam-se nos cenários da vida jurídica desempenhando papéis.

Nesse atuar, “a regra é a presentação em que ninguém faz o papel de outrem, isto é, em que ninguém representa”, 2 mas atua por si, como senhor de seus atos.

Mesmo a pessoa jurídica, quando atua, o faz pelo órgão que pratica ato seu e, nesse sentido, é presentada e não representada. “Quando o órgão da pessoa jurídica pratica o ato, que há de entrar no mundo jurídico como ato da pessoa jurídica, não há representação, mas presentação. O ato do órgão não entra, no mundo jurídico, como ato da pessoa, que é órgão, ou das pessoas que compõem o órgão. Entra no mundo jurídico como ato da pessoa jurídica, porque o ato do órgão é ato seu”. 3

Assim é a lição de Pontes de Miranda, quando argutamente explica que o presidente de uma empresa é órgão da pessoa jurídica e, nessa qualidade, presenta a empresa, não a representa:

“Quando a lei diz que a procuração é o instrumento do mandato, apenas pode ser entendida como se dissesse que a procuração pode ser um dos instrumentos – o mais eficiente – do mandato. [...] Procura é o instrumento pelo qual alguém, pessoa física ou jurídica, outorga a outrem poder ou poderes de representação. O órgão da pessoa jurídica não é procurador, não exerce procura, não representa: presenta. Por isso, apenas precisa de escrito, ou mesmo telegrama, ou qualquer meio de prova, que as pessoas com quem trata reconheçam suficiente, para que se faça certa a sua função de órgão. O presidente da empresa não é procurador; é órgão”. 4

Se o sujeito não está, ou não pode estar presente para o ato, pela autoridade que o direito lhe dá, alguém pode vir a representá-lo, se assim desejar o interessado, ou se assim se impuser pela lei.

Esta é, portanto, a sequência lógica da atuação jurídica da pessoa:

a) é sujeito de direitos, não objeto de direitos;

b) pratica atos e realiza atividades;

c) personifica direitos e deveres;

d) presenta-se para o desempenho de papéis; ou

e) representa-se para o mesmo fim, se não pode ou não quer estar presente para a prática do ato, no tempo e no lugar em que sua presença é exigida.

4. Pessoas físicas

4.1. Personalidade. Início e fim

O Código Civil Brasileiro afirma com todas as letras que toda pessoa é capaz de direitos e de deveres na ordem civil ( CC 1.º) e que a personalidade civil (a qualidade de ser sujeito) começa com o nascimento da pessoa, com vida; mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro ( CC 2.º).

Com isso, coloca-se como questão jurídica da maior importância fixar-se o momento e as condições em que se pode dizer que alguém nasceu vivo, o momento e as condições em que se pode dizer que a vida de alguém feneceu, bem como em que momento o concepto deixa de ser nascituro para tornar-se pessoa, sujeito de direito.

Evidentemente, essas questões ultrapassam o conhecimento meramente jurídico e exigem o suporte de conhecimentos biomédicos, antropológicos, filosóficos e teológicos, porque, afinal, o conhecimento desses assuntos perpassa a compreensão do sentido maior e transcendental da vida humana e, portanto, passa pela compreensão da dignidade própria da natureza humana.

Mas a ciência jurídica escolhe, também, os seus métodos e pauta o sistema da teoria geral de direito por critérios que adota.

No nosso sistema jurídico – era assim no revogado Código Civil de 1916 e é assim no Código Civil atual –, a personalidade inicia-se com o nascimento com vida e cessa com a morte.

O “nascimento e o falecimento são fatos, pois, não são atos. Ambos são fatos naturais, independentes da vontade humana; o primeiro um fato natural fortuito, o segundo um fato natural necessário”. 5

4.2. O nascituro

Nascituro, dizia Teixeira de Freitas, é “pessoa por nascer, já concebida no ventre materno”. 6

Os Códigos Civis Brasileiros de 1916 e o de 2002, entretanto, não atenderam especificamente a essa prudente consideração de Teixeira de Freitas e prescreveram que a qualidade de pessoa dependia do nascimento com vida, deixando um hiato sobre qual seria a condição jurídica do ser concebido e ainda não nascido.

Por isso, ambos os estatutos, para dar solução parcial para essa questão, reservaram uma garantia para os direitos que o nascituro pudesse vir a adquirir, ou aquelas obrigações que pudesse vir a suportar, manifestadas por ocasião do período de gestação, afirmando que a lei põe a salvo os direitos do nascituro, dependendo isso, nos termos como postos, tanto pelo CC/1916 4.º, quanto pelo CC 2.º, de um fato jurídico especificamente considerado: o nascimento com vida.

Nessa sequência, foram sendo formuladas numerosas previsões legais e teses jurídicas acerca da natureza jurídica do direito que se reservava aos nascituros, seres ainda não nascidos e – portanto – não considerados pessoas, entes com personalidade, para efeitos civis, mas, curiosamente, titulares de direito e de obrigações.

Apesar disso, nossa tradição portuguesa já anunciava especiais direitos de cidadão para os que, apesar de nascidos fora do Reino, tivessem sido concebidos ainda em solo português, 7 bem como o texto do art. 10, do então Código da Prússia, era de especial significado, nesse particular, ao proclamar que “os direitos comuns à humanidade pertencem aos filhos que não são ainda nascidos, a contar do momento de sua concepção”. O legislador havia sido preciso ao anunciar que aquele sujeito de direito, membro da espécie humana, era filho, na mais espetacular afirmação positiva da realidade jurídica da personalidade do concepto, pessoa no seio da família. 8

Mesmo nos limites do texto normativo do CC 2.º, que faz depender a qualidade de pessoa à condição de o nascituro vir a nascer com vida, não se pode negar que o legislador não deixou de reconhecer as consequências jurídicas da natureza humana do nascituro e, por isso, dedicou-lhe proteção especial.

Por isso a doutrina reconhece, em favor do nascituro, alguns “direitos” que lhe considera essenciais, como, por exemplo:

I Jornada DirCiv STJ 1: “A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura”.

A matéria que envolve o segredo do início e do término da vida, como se disse, está submetida a um sem número de questões misteriosas, que a ciência insistentemente busca compreender.

Sabe-se que a fusão dos núcleos das células marca o aparecimento de um novo genoma, em tudo diferente dos dois outros que lhe deram origem: o embrião.

Por causa desse mistério da vida, a ciência jurídica empresta da biologia o conhecimento necessário para conhecer a realidade desse fenômeno e de suas consequências: “O início da vida, no seu desenvolvimento natural, cobre um período particularmente delicado do ponto de vista da Bioética. Vai desde o encontro dos gametas masculino e feminino com a fusão dos núcleos (a singamia, consequente à penetração do espermatozoide no ovócito) até o nascimento”. 9

Independentemente da viabilidade do ser nascido, a personalidade inicia-se com o nascimento com vida e termina com a morte da pessoa natural ( CC 6.º).

“Quando o nascimento se consuma, a personalidade começa. Não é preciso se haja cortado o cordão umbilical; basta que a criança haja terminado de nascer (="sair" da mãe) com vida. A viabilidade, isto é, a aptidão de continuar a viver não é de exigir-se. Se a ciência médica responde que nasceu vivo, porém seria impossível viver mais tempo, foi pessoa, no curto trato de tempo em que viveu”. 10

O termo nascituro, que se considerava unívoco, agora, entretanto, provoca certa perplexidade. Há questões novas em torno do tema, de difícil análise e compreensão.

A chamada Lei de Biosseguranca (L 11105/05 – LBio), em seu art. 5.º, alude à questão do uso de células-tronco embrionárias e põe em pauta dúvidas sobre o que se poderia considerar um embrião inviável (LBio 5.º I) e, exatamente, qual seria o critério pelo qual se fixou o prazo de 3 anos (LBio 5.º II) para o uso de embriões viáveis antes da publicação da lei.

Seriam os embriões viáveis pessoas por nascer, para os fins do CC 2º, por exemplo?

Teixeira de Freitas, no art. 53 de seu Projeto (Esbôço), utiliza-se da expressão pessoas por nascer, distinguindo-as do nascituro, pois para ele pessoas por nascer ainda não existem, e nascituros são pessoas que existem, pois vivem no ventre materno.

Hoje, diante da inseminação artificial, do congelamento de embriões humanos, da conservação de embriões viáveis 11 e do descarte de embriões inviáveis, a expressão tomou novo rumo, porque esses embriões não são pessoas por nascer, nem nascituros: não se sabe o que são (?), parece que são coisas, pela manipulação a que estão submetidos, revelando-se essa prática como das mais ignominiosas de que já se teve notícia na história da humanidade. Nunca, em tempo algum, o homem se deixou manipular tanto e com tal intensidade, malversando sua potência reprodutiva e comercializando o próprio corpo e os dos entes que procriou.

Roberto Andorno traz uma interessante e longa dissertação sobre a condição do nascituro no direito romano, ponderando que as normas de direito romano sobre aquele qui in utero são muito mais numerosas do que as que se veem no direito contemporâneo.

Em matéria de status libertatis, de status civitatis ou de status familiae, tudo era motivo para que se considerasse também o ser concebido como pessoa, antecipando no tempo – pela agudeza inexorável da realidade da vida – todos os aspectos que decorrem da humanidade desses embriões.

4.3. A morte da pessoa natural

Juridicamente o fim da personalidade se dá com a morte, eis que com a “morte, termina a vontade do homem e, pois, a sua manifestabilidade”. 12

A morte e a cessação da personalidade não impedem, entretanto, a irradiação dos efeitos dos fatos jurídicos produzidos pela pessoa quando em vida, 13 bem como o respeito à sua vontade em momento posterior ao de sua morte, como acontece quando o fim da personalidade é precedido de disposições de última vontade daquele de cuja morte se trata.

Evidentemente…

Uma nova experiência de pesquisa jurídica em Doutrina. Toda informação que você precisa em um só lugar, a um clique.

Com o Pesquisa Jurídica Avançada, você acessa o acervo de Doutrina da Revista dos Tribunais e busca rapidamente o conteúdo que precisa dentro de cada obra.

  • Acesse até 03 capítulos gratuitamente.
  • Busca otimizada dentro de cada título.
Ilustração de computador e livro
jusbrasil.com.br
23 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/capitulo-ii-a-personalidade-juridica-instituicoes-de-direito-civil-vol-1-ed-2019/1166924960