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Greenwashing e o Direito do Consumidor: Como Prevenir (ou Reprimir) O Marketing Ambiental Ilícito

Greenwashing e o Direito do Consumidor: Como Prevenir (ou Reprimir) O Marketing Ambiental Ilícito

Capítulo V. O Greenwashing Cometido nos Anúncios Publicitários e a Defesa do Consumidor

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5.1.A vedação legal à veiculação de publicidade enganosa ou abusiva

5.1.1.As técnicas persuasivas da publicidade

Conforme se verificou anteriormente, o greenwashing também pode estar presente em anúncios publicitários, sobretudo quando estes ressaltam características do produto ou do serviço, frisando que estes não causariam impactos ambientais negativos, como forma de persuadir o consumidor a adquiri-los.

Por esse motivo, também afirmamos que, a depender do caso concreto, é possível que a conduta de maquiagem verde seja reprimida pelo Código de Defesa do Consumidor nos pontos em que esta norma trata da vedação à publicidade enganosa ou abusiva.

A publicidade trata-se de fenômeno universal, que não respeita barreiras geográficas, políticas, culturais, étnicas e religiosas, razão pela qual seu estudo interessa a todos os cidadãos 1 e, consequentemente, ao Direito.

Herman Benjamin explica que, em 1477, na Inglaterra, foi veiculado o primeiro anúncio publicitário impresso em inglês de que se tem notícia, divulgando livros religiosos publicados por William Caxton. E que, já no século XVII, diversos jornais britânicos passaram a trazer diversas publicidades, desde navios mercantes até medicamentos. Já nos Estados Unidos, Benjamin Herman destaca que as promoções publicitárias apenas passaram a ser praticadas na última década do século XIX, com a multiplicação de jornais diários. Também foram marcos históricos do advento da publicidade a invenção do rádio, nos anos 20, e o advento da televisão, em 1944, com o que o marketing se transformou em uma grande indústria. A sociedade passou de uma “economia de produção” para uma “economia de marketing” 2 .

Gilles Lipovetsky aponta que, a partir do século XIX, as indústrias passaram a fazer publicidade de suas marcas à escala nacional. Por essa razão, passaram a consagrar avultados orçamentos à publicidade: as quantias investidas sofreram um aumento bastante rápido: a Coca-Cola, por exemplo, em 1892 investia 11.000 dólares, mas atingiu 1,2 milhões de dólares em 1912 e 3,8 milhões de dólares em 1929 3 .

A partir desse desenvolvimento das técnicas publicitárias, Lipovetsky afirma que houve um processo de democratização do desejo, com a criação de espaços destinados apenas à comercialização de produtos; espaços que, segundo o autor, não se limitavam à venda de produtos, mas também se empenhavam a estimular necessidades de consumo, incentivar o gosto pela novidade, apresentar a compra como um prazer 4 .

Benjamin define publicidade como qualquer modalidade de oferta que seja comercial e massificada, que possua um patrocinador identificado e que tenha como escopo, direto ou indireto, promover produtos e serviços de forma informativa e/ou persuasiva 5 .

Já o Código de Autorregulamentação Publicitária afirma que a publicidade é aquela “atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou ideias”. 6

A UNESCO definiu publicidade como “todas las formas en que los individuos y las organizaciones anuncian las mercancias y los servicios que ofrecen y promueven una imagem positiva de ellos mismos” 7 .

Pasqualotto, por sua vez, afirma que publicidade é toda comunicação de “entidades públicas ou privadas, inclusive as não personalizadas, feita através de qualquer meio, destinada a influenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ou serviços, com ou sem finalidade lucrativa”. Seus elementos nucleares, portanto, são a finalidade persuasiva e o favorecimento, direto ou indireto, de produtos ou serviços 8 .

Diante das diversas definições apontadas pela doutrina, Pasqualotto expõe que, apesar dos diferentes conceitos atribuídos à publicidade, há elementos comuns em todos eles, quais sejam: patrocínio, impessoalidade, produtos, serviços, instituições ou ideias, informação e persuasão e atividade dirigida ao público 9 .

O anúncio publicitário pode ser veiculado de diversas formas, mormente as seguintes:

merchandising: inserção de produtos e serviços em novelas, filmes, programas de rádio e de televisão;

teaser: veiculação incompleta do informe publicitário, para criar um determinado suspense 10 ; elas preparam o mercado para uma nova campanha publicitária, sendo o “anúncio do anúncio” 11 ;

puffing: o exagero publicitário, as hipérboles publicitárias que são notoriamente excessivas, como o uso das expressões “o melhor produto” ou “o melhor serviço”; como são informações inócuas, não possuem a capacidade de levar o consumidor a erro 12 ; não se confundem com a publicidade de tom excludente, que pode levar o consumidor a erro, pois o anunciante se apresenta em posição de superioridade ou exclusividade em comparação com produtos e serviços de seus concorrentes 13 ;

publicidade comparativa: compara o produto e o serviço do anunciante com o de seu concorrente, para exaltar as suas próprias qualidades e convencer o público que o seu produto ou serviço é mais vantajoso;

campanha testemunhal: divulga a opinião de pessoas sobre o uso de determinado produto ou serviço, para mostrar ao público o quanto aquele indivíduo aprecia o bem ou o serviço e, assim, influenciar o público-alvo a adquiri-los;

campanha realizada por “celebridades”: da mesma forma que a campanha testemunhal, o anúncio publicitário pode utilizar pessoas conhecidas pelo público, como artistas em geral, jornalistas, atletas, entre outros, para testemunhar a favor do produto ou do serviço e influenciar diretamente o consumidor, em razão da credibilidade depositada no testemunho da “celebridade”;

mensagem subliminar ou clandestina: trata-se de espécie de publicidade ilícita, que não é passível de identificação pelo consumidor; são mensagens que são inseridas de forma camuflada em determinados locais ou meios de comunicação, que acabam sendo absorvidas pelo subconsciente do consumidor, sem que ele note que se trata de anúncio publicitário. São produzidas, geralmente, pela projeção de imagens a uma velocidade elevada, que resta imperceptível pelos consumidores 14 . Viola, assim, o princípio da identificação da publicidade que será adiante tratado.

Ressalte-se, ainda, que, embora seja praxe o uso dos termos publicidade epropaganda como se fossem sinônimos, há nítida diferença conceitual e pragmática entre eles.

Além da força do hábito no emprego da palavra “propaganda” de forma abrangente, as confusões entre o seu conceito e o conceito de publicidade também decorrem da atecnicidade de normas que utilizaram o termo propaganda, genericamente, incluindo, nele, o conceito de publicidade. Por exemplo, a Lei 4.680, de 18 de junho de 1965, que regulamenta o exercício profissional da publicidade, utiliza o termo propaganda, conceituando-o como “qualquer forma remunerada de difusão de idéias, mercadorias ou serviços, por parte de um anunciante identificado”.

No entanto, a diferença entre publicidade e propaganda (ou publicidade institucional) está, exatamente, em seus objetivos e não em seu modo de apresentação. Embora ambas sejam divulgadas, em regra, por veículos de comunicação em massa, a propaganda ou publicidade institucional possui o objetivo de divulgar uma boa imagem da empresa ou da organização 15 , divulgar a sua marca e as suas boas ações, principalmente seus projetos relacionados à responsabilidade socioambiental. Difere-se da publicidade pura, cujo escopo primordial é comercializar bens e serviços ofertados pelo fornecedor.

Pasqualotto esclarece que os anúncios são de duas espécies: os promocionais, que pretendem convencer o público a comprar produtos e serviços, e os institucionais, que louvam o próprio patrocinador, para que ele construa uma imagem positiva da empresa no mercado 16 . Esclarece que, ainda que as mensagens institucionais não sejam imediatamente mercantilistas, elas o são mediatamente, de forma que esses anúncios institucionais também podem ser enganosos ou abusivos e também devem ser submetidos ao CDC 17 .

O que não se inclui no regramento do CDC, em verdade, são divulgações de ideias estritamente de cunho político, religioso, ideológico, filosófico, moral ou de outra natureza relacionados à expressão da livre manifestação de pensamento 18 .

Federighi afirma que a publicidade consiste em um instrumento “multifacetado, voltado a introduzir, perpetuar ou aperfeiçoar uma atividade de mercado ou produto, criando um canal de comunicação entre o fornecedor e o mercado consumidor”, enquanto que a propaganda tem como objetivo divulgar ideias ou ideologias. Não obstante, explica que a terminologia utilizada não é de todo o mais importante para a aplicação do Direito ao caso concreto; deve-se vislumbrar se a prática está ou não regida pelo CDC e qual é a correta aplicação da lei 19 .

Conclui-se, assim, que, enquanto a publicidade é técnica destinada a difundir os produtos e os serviços, possuindo sempre uma natureza comercial 20 , a propaganda é uma técnica para difundir a boa imagem da sociedade empresária ou da instituição, explorando os seus projetos que, perante a sociedade, agregam valor e credibilidade ao anunciante. Cada caso concreto deverá ser devidamente analisado, para se verificar se se trata de informação que se subsume aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor que regem o anúncio publicitário.

A técnica publicitária é construída por meio de três fases principais 21 .

Na primeira fase, o anunciante realiza um levantamento dos dados técnicos do produto ou do serviço que será divulgado e elabora o briefing, ou seja, o documento que contém as principais informações que deverão ser trabalhadas pelos publicitários e anunciadas ao público.

Já na segunda fase, o briefing é fornecido à agência publicitária, que estuda qual é a melhor estratégia de anúncio, qual é o público-alvo, o veículo, o local, o horário, a psicologia voltada para o consumidor, a concorrência, entre outros fatores.

Depois da definição da estratégia publicitária, passa-se à terceira fase que consiste na criação da mensagem. Para tanto, a agência de publicidade restringe-se às informações repassadas pelo anunciante no briefing, mas utiliza o labor artístico para transformá-lo em anúncio publicitário persuasivo. Trata-se da criação do espírito do anúncio.

Esse espírito da mensagem publicitária possui a função elementar de informar o consumidor sobre os produtos e os serviços comercializados no mercado, ressaltando suas qualidades e a sua utilidade, e de persuadir o público-alvo a adquiri-los 22 .

Teixeira de Almeida explica que a publicidade utiliza (i) persuasão racional, que se fundamenta no comportamento lógico e econômico do consumidor, diante do preço, da durabilidade e outros benefícios do produto ou do serviço; (ii) persuasão emotiva, que desperta os sentimentos das pessoas, associando o consumo ao amor, ao carinho, à felicidade, etc.; e (iii) persuasão inconsciente, que desperta instintos intrínsecos ao homem como o sexual, de autoconservação, de desenvolvimento, de poder, etc. 23 .

A autora ainda ressalta que a publicidade utiliza-se das referidas técnicas de persuasão para induzir uma aprendizagem por reflexos, ou seja, que desperte nos consumidores a lembrança do produto ou do serviço toda vez que, involuntariamente, fizerem relações entre a vida cotidiana e o anúncio publicitário. Elucida que essa técnica foi descoberta com estudos realizados com cães, em que se verificou que, ao tocar uma campainha e oferecer um alimento aos animais, estes secretavam saliva; depois de acostumá-los com este hábito, os cães passaram a secretar a substância, apenas com o toque da campainha, sem a necessidade da apresentação do alimento. Este é o mesmo processo que se busca com a repetição da veiculação dos anúncios publicitários 24 .

O potencial persuasivo da publicidade também se revela pelo fato de, atualmente, as mensagens publicitárias serem bastante abreviadas, de tal modo que não permitem tempo hábil para que o consumidor tenha um pensamento crítico a respeito delas. Nesse sentido, Campos afirma que, na década de 1980, a duração média dos comerciais de televisão era de 60 segundos, enquanto na década de 1990 o tempo médio passou para períodos entre 15 e oito segundos 25 .

Esse encurtamento das mensagens publicitárias, além de prejudicar o pensamento crítico, ainda colabora com o recebimento dos consumidores de mais informações em um curto período de tempo, criando um excesso de informação ou uma verdadeira desinformação. Nesse sentido, Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Junior esclarecem que:

[...] a informação hipereficiente 26 pode ser considerada defeito de informação, o que nos leva à conclusão de que não são todas as informações que merecem destaque por parte do fornecedor. Os contornos do direito à informação são, destarte, dados pelo CDC 6º III, em que se especifica exatamente como deve ser a oferta e apresentação do produto ou serviço.

Assim, o nosso sistema de direito consumerista prevê o direito do consumidor de ser informado e o dever do fornecedor de informar adequada, clara e ostensivamente sobre as informações que se fazem relevantes para que a compra do produto ou serviço ofertado seja feita de maneira consciente. 27

Pasqualotto ressalta que o poder persuasivo da publicidade pode ter efeitos perversos. Relata, a título de elucidação, que, na década de 1960 e 1970, diversas empresas multinacionais começaram a sugerir a substituição do aleitamento materno pelo uso da mamadeira com leite em pó; esse posicionamento das empresas influenciou de tal forma a vaidade das mulheres e o conforto de ser mãe, que muitas passaram a abandonar a amamentação; por conseguinte, as crianças tornaram-se mais indefesas, porque o leite em pó era menos nutritivo e porque havia má condição sanitária que impedia a esterilização adequada das mamadeiras. Essas enfermidades passaram a ser chamadas de comerciogênicas e inspiraram a edição de código pela Organização Mundial da Saúde, em 1981 28 .

De fato, a publicidade utiliza-se de construções simbólicas, para apresentar uma ficção da vida cotidiana dos consumidores que muito se assemelha à sua vida real. Essa técnica é utilizada, justamente, para tornar o produto ou o serviço mais atrativo e despertar o desejo de sua aquisição. A publicidade relaciona o produto a uma forma de bem viver, de prestígio e de status que sensibiliza o seu público-alvo. O elemento ficcional da publicidade, então, está intrinsecamente relacionado à experiência cotidiana do consumidor, de forma que interfere na maneira como os sujeitos localizam-se no mundo e constroem a sua identidade 29 .

Além disso, como a propagação da publicidade é realizada por veículos midiáticos, existe um corpo social que é alcançado e influenciado por ela; há, portanto, um consumo coletivo da publicidade, que cria grupos de interesses e um fator de agregação social; quanto mais pessoas atingidas, maior é o corpo coletivo social, maior é a divulgação, maior a similaridade de comportamentos e, consequentemente, maior é a aquisição do produto e do serviço 30 .

Lucia Ancona Lopez de Magalhães Dias ressalta que, em uma sociedade de consumo, em que há a circulação de uma incontável variedade de produtos e serviços, não basta à publicidade que apenas informe a existência do produto ou do serviço, mas sim que desperte no consumidor o desejo de adquiri-los; é necessário que a publicidade utilize recursos emocionais, enaltecendo os benefícios e as vantagens que o produto ou o serviço poderão trazer para o consumidor. É por essa razão que o caráter meramente informativo da publicidade passa a ser acompanhado do caráter persuasivo 31 .

Herman de V. e Benjamin afirma que:

não tem o consumidor qualquer controle sobre a publicidade. O anunciante, sua agência e o veículo são os grandes ‘senhores’ do fenômeno publicitário. É ela um fenômeno unilateral, parcial e subjetivo. [...] Essa situação de impotência aumenta mais ainda quando, com seu crescente requinte, a publicidade deixa de ser mera arte e informação, e se transforma em ciência da persuasão. [...] Todos os consumidores, indistintamente, são afetados pela publicidade. Uns mais, outros menos, mas ninguém escapou de seu poder. Dificilmente poderá o consumidor, no plano de sua individualidade Solitária, proteger-se dos efeitos dos abusos da publicidade, a não ser que se exibe deste mundo. 32

Essa influência das técnicas publicitárias e o desenvolvimento do mercado criou uma verdadeira sociedade de hiperconsumo, cujos integrantes-consumidores são fortemente influenciados por questões emocionais. Hoje, conforme pontua Lipovetsky, o consumidor está mais preocupado com a sua qualidade de vida, é mais exigente, prefere produtos e serviços que atendam às suas necessidades emocionais, que tenham maior mobilidade e que usufruam de sensações e experiências 33 .

Por essa razão,

a publicidade passou de uma forma de comunicação construída em volta do produto e das suas vantagens funcionais às campanhas que difundem valores e uma visão que privilegia o espectacular, a emoção, o segundo sentido relativamente a significantes que, de qualquer forma, ultrapassam a realidade objectiva dos produtos 34 .

A publicidade, atualmente, vai ao encontro do turboconsumidor 35 , aquele que se submete, a todo tempo, a desejos de compra que lhe traga bem-estar e que o auxilie a ganhar tempo. Por esse motivo, inclusive, passou-se a aproveitar todos os espaços de maior deslocamento de pessoas para comercializar bens e serviços; trata-se das áreas de hiperconsumo polifuncionais como os aeroportos, os metros, os shoppings 36 .

Apesar do caráter persuasivo da mensagem publicitária e da cautela com que o Direito tem de lidar com essa prática, concordamos com Bruno Miragem, quando afirma que a publicidade é um fenômeno que trouxe transformações econômicas extremamente significativas para o mercado 37 .

Compreendemos que a publicidade, de fato, representa, por um lado, uma …

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23 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/capitulo-v-o-greenwashing-cometido-nos-anuncios-publicitarios-e-a-defesa-do-consumidor/1290405340