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24 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal Regional Federal da 3ª Região TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL: ApCiv XXXXX-76.2020.4.03.6100 SP

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

3ª Turma

Publicação

Julgamento

Relator

Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA
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Ementa

E M E N T A DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA. CONCESSÃO AUTOMÁTICA DE PEDIDOS PENDENTES DE APRECIAÇÃO E MANUTENÇÃO DOS PEDIDOS JÁ CONCEDIDOS. COVID-19. RISCO SANITÁRIO. INAPTIDÃO DAS MEDIDAS REQUERIDAS. MEDIDAS PERTINENTES E NECESSÁRIAS ADOTADAS PELO EXECUTIVO.

1. Rejeitadas as preliminares arguidas, pois a apelação deduziu fundamentos de fato e de direito suficientes a respaldar o exame do pleito de reforma da sentença; inexiste proibição legal à pretensão formulada na inicial, sendo de mérito a respectiva resolução; e alegada perda de vigência do Decreto Legislativo 06/2020, que previu produção dos respectivos efeitos até 31/12/2020, por si, não extinguiu a situação de calamidade pública decorrente da pandemia de COVID-19, invocada pela autora da ação e que se prolongou para além de tal data, sendo que os demais fundamentos suscitados demandam exame do próprio mérito da pretensão.
2. A despeito do tempo decorrido e da superação da situação originariamente narrada nos autos, é de rigor o julgamento do mérito para validar ou não decisões provisórias proferidas e evitar controvérsia futura por eventual responsabilidade dos envolvidos.
3. Alegou a autora da ação, ajuizada em 23/03/2020, existência de “fila de espera” de mais de três milhões e meio de pedidos de concessão de Bolsa Família, apontando que tal atraso é inconstitucional, sobretudo por agravamento da pandemia de coronavírus, exigindo medidas excepcionais para concretizar a seguridade social e atender o “clamor de reconhecimento de estado de calamidade, já reconhecido no Decreto Legislativo 6/2020, garantindo-se alguma renda aos brasileiros mais pobres”. Em resposta, esclareceu a União que a redução de beneficiários do Programa Bolsa Família ocorreu por evolução da condição financeira de tais famílias, deixando de perfazer requisitos e condicionantes para manutenção do benefício; e, ainda, por cancelamentos após procedimentos de averiguação e revisão cadastrais dos requerentes; aduzindo que a concessão do benefício tem limite nas dotações orçamentárias disponíveis para o ano, conforme expressamente previsto na própria lei de criação do programa.
4. Segundo documentado nos autos, os benefícios discutidos são pagos a famílias que, em cada mês, atendem os requisitos para concessão – do que se deriva, em princípio, que a sistemática adotada é de seleção mensal, por conferência de manutenção de requisitos para tanto, conforme cadastro prévio, a demonstrar que não haveria propriamente contingente de famílias incluídas e fila de inclusão. A mora estatal diria respeito, em verdade - num primeiro momento, ao menos - ao atraso na análise cadastral de famílias que poderiam ser incluídas entre as habilitadas para seleção mensal. Este ponto não se confundiria, também, com o segundo gargalo relativo ao fato de que não há disponibilização de orçamento para atendimento mensal de todas as famílias habilitadas (supõe-se que haja alternância para melhor efetividade da política pública).
5. Não há plena clareza, porém, sobre o detalhamento desta estrutura, tampouco do dimensionamento dos entraves administrativos em cada um dos segmentos. Com efeito, não se demonstrou nos autos quantos cadastros pendem de análise (o valor de 3,5 milhões citado na inicial em verdade alude ao “número de pessoas na fila”, segundo notícia jornalística de fevereiro de 2020, descrito como representativo de 1,5 milhões de famílias – sendo este o valor apontado nas razões do agravo de instrumento interposto ao indeferimento da antecipação da tutela -, dados que, contudo, não aclaram a demanda específica de verificações pendentes), tampouco qual seria a diferença de orçamento exigida para atender a todas as famílias habilitadas.
6. Tal cenário de limites consideravelmente vagos e incertos no dimensionamento de contornos fáticos e de repercussão financeira da demanda, inclusive quanto ao risco arguido, seja pelo desconhecimento da grandeza do déficit de atendimento do Programa Bolsa Família (quanto às avaliações cadastrais e à reserva orçamentária para o programa) como pelo impacto das medidas paralelas em curso para atenuação da demanda, durante a crise sanitária instalada, já impede que o Judiciário assuma e promova, por si, efetivação de direitos fundamentais a partir de provimento cujo próprio impacto - em termos de reorganização da força de trabalho da própria Administração, bem como sobre as finanças da União – é plenamente desconhecido ao momento da prolação.
7. Ademais, comprovou a requerida que adotou, em razão da pandemia de COVID-19 e desde o início da situação de calamidade pública, medidas emergenciais de reforço ao Bolsa Família, que redundaram na disponibilização de elevado valor de recursos financeiros para incluir novos beneficiários ao programa e priorização de ações direcionadas à população mais vulnerável. Com efeito, antes mesmo de ter conhecimento da propositura da presente ação, foi editada a MP 929/2020, direcionando mais de três bilhões de reais em crédito extraordinário ao Programa Bolsa Família, com a publicação - também antes da propositura da ação, não se cogitando, pois, de reconhecimento da procedência do pedido – da Portaria 335, de 20/03/2020, do Ministério da Cidadania, determinando suspensão da averiguação, revisão cadastral, bloqueio, suspensão e cancelamento dos benefícios, por 120 dias, depois prorrogado por mais 180 dias e 90 dias, respectivamente, pelas Portarias MC 443/2020 e 591/2021. Não logrou, pois, a autora refutar o alegado e demonstrado pela União no curso da ação, cumprindo salientar que a pretensão inicial foi subsidiada em dados e documentos que retratam situação anterior à própria pandemia de COVID-19, sem comprovação nos autos de que o cenário, então narrado, tenha se mantido após as diversas medidas adotadas para enfrentamento da crise sanitária, sequer pleiteando produção de novas provas além daquelas acostadas.
8. Há, ainda, outros fatores a serem considerados, pois com o advento da Lei 13.982/2020 foram modificados parâmetros de concessão do benefício de prestação continuada (BPC) versado na Lei 8.742/1993, com ampliação da rede de beneficiários e previsão de de auxílio emergencial de R$ 600,00, cumulativo ou substitutivo ao devido pelo Programa Bolsa Família, observada a maior vantagem ao beneficiário (artigo 2º). Neste contexto, resta demonstrado que o Executivo adotou medidas excepcionais para garantir, diante da situação de calamidade pública decorrente da pandemia de COVID-19, ampliação do número de beneficiários e ajuda financeira à população mais carente, revelando-se, pois, desnecessárias as medidas postuladas na presente ação. A conferência sobre preenchimento de requisitos e condicionantes para recebimento do benefício, com eventual cancelamento por descumprimento, constitui exercício de poder-dever de autotutela administrativa, como reconhecido pela própria autora, passível de intervenção do Judiciário somente se verificadas situações de ilegalidade ou arbitrariedade, que não restaram demonstradas na espécie.
9. A propósito, observou a Procuradoria da República, que “não há o que se falar em flexibilização da análise de tais exigências, pois estas são a garantia de permanência e eficiência do Programa. A concessão indiscriminada resultaria em um recebimento indevido daqueles que não se enquadram nos requisitos em detrimento daqueles que realmente necessitam, tornando o sistema ainda mais precarizado”, colocando em risco a própria finalidade do programa. 10. A intervenção incalculada na política pública poderia, potencialmente, minar-lhe sensivelmente a eficácia, além de produzir externalidades negativas inesperadas e, por certo, indesejadas, inclusive porque as responsabilidades do Estado, frente ao contexto de excepcionalidade, não podem sujeitar-se a risco de comprometimento da destinação de recursos de custeio e financiamento de despesas emergenciais que se revelaram necessárias ao enfrentamento da crise sanitária. É certo, pois, que alteração da solução pelo Judiciário implicaria tempo adicional indesejável, ampliando custos e riscos à funcionalidade da estrutura já concebida, com maior prejuízo à população, em contraposição à garantia de acesso ao benefício assistencial para os hipossuficientes. 11. Não se trata, assim, de vedar, epistemologicamente e a priori, discussão judicial de políticas públicas, mas, específica e diversamente, de reconhecer a impossibilidade de promover mudança estrutural na dinâmica do respectivo funcionamento, de maneira exógena, sem prévios e aprofundados estudos e cálculos dos efeitos consequentes da alteração, o que, de fato, se confirmou através do tempo decorrido e da superação da situação originariamente narrada (a Portaria MS 913/2022 declarou encerrada a emergência em saúde pública decorrente do coronavírus, revogando a Portaria MS 188/2020, ensejadora do Decreto Legislativo 06/2020), sendo, pois, de rigor, a validação das decisões provisórias proferidas, a teor da sentença proferida. 12. Apelação e remessa necessária desprovidas.
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