A CVM e os emissores de valores mobiliários
Julio Ramalho Dubeux
No fim de 2008, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou o Edital de Audiência Pública nº 7, por meio do qual apresentou ao mercado a reforma que pretende promover nas regras sobre registro de emissores de valores mobiliários. Hoje essas regras estão previstas em diversos normativos da CVM, especialmente na Instrução nº 202 , de 1993, que pela reforma seria substituída por uma nova instrução. As sugestões foram recebidas até março e agora é o mercado que aguarda a análise final da autarquia. Não se trata apenas de mais uma norma baixada pela CVM. Possivelmente, trata-se da instrução mais relevante dos últimos anos, pois afetará todas as companhias abertas existentes e poderá viabilizar a abertura de capital de outras companhias.
A reforma propõe a criação de três categorias de emissores de valores mobiliários, descritas abaixo, conforme a natureza dos títulos emitidos e os mercados em que esses títulos sejam admitidos à negociação. Estabelece também níveis diferenciados de prestação de informações para cada uma dessas categorias.
Hoje, o registro das companhias abertas na CVM pode ser de duas espécies: para negociação de seus títulos em bolsa ou em balcão. Apesar da diferença, o formulário IAN (que contém informações sobre as companhias, acessível no site da CVM)é fundamentalmente o mesmo para as companhias que tenham um ou outro registro. Daí decorre que a CVM acaba por exigir informações insuficientes de grandes companhias e informações excessivas de companhias de menor porte. Era necessário, portanto, estabelecer níveis diferenciados de informações exigidas.
A diferenciação tem um duplo efeito. De um lado, a exigência de mais informações das grandes companhias melhora o nível informacional do amplo espectro de investidores por elas atingidos. Por outro lado, o tratamento diferenciado de companhias de menor porte reduz comparativamente o custo de manutenção de seu registro como companhia aberta, na medida em que terá que disponibilizar informações com menor nível de detalhamento em comparação a grandes companhias.
Assim, a proposta da CVM vem atender a um dos objetivos da Lei nº 10.303 , que, já em 2001, ao reformar o parágrafo 3º do artigo 4º da Lei nº 6.404 , autorizou a autarquia a classificar as companhias abertas em distintas categorias, com tratamento diferenciado conforme as suas características. Desde então, a reforma vem sendo discutida e pensada internamente pela autarquia, nas várias gestões que se sucederam.
A CVM propôs a seguinte classificação de categorias de emissores: (1) capital/bolsa, para os emissores autorizados a negociar quaisquer valores mobiliários em quaisquer mercados regulamentados; (2) capital/balcão, para os emissores autorizados a negociar quaisquer valores mobiliários em mercados de balcão, organizados ou não, e valores mobiliários de dívida e investimento coletivo em quaisquer mercados regulamentados; e (3) dívida e investimento coletivo, para os emissores autorizados a negociar valores mobiliários de dívida e investimento coletivo em quaisquer mercados regulamentados. De acordo com o sistema proposto pela autarquia, os emissores da categoria capita/bolsa prestariam mais informações que aqueles da categoria capital/balcão, e esses, por sua vez, mais informações que os emissores da categoria dívida e investimento coletivo.
A nomenclatura das categorias parece poder ainda ser aprimorada, já que, por levar em conta ao mesmo tempo a natureza dos títulos emitidos e o ambiente em que são negociados, pode induzir o mercado a erro. Por exemplo, os emissores das categorias capital/bolsa ou capital/balcão poderiam também, segundo a reforma, emitir títulos de dívida (debêntures, por exemplo), que não constituem "capital", propriamente. Além disso, a CVM poderia ousar criar outras categorias, levando também em conta o porte das companhias - receita ou limites de captação, por exemplo -, o que poderia abrir acesso ao mercado para novos empreendedores de pequena e média envergadura.
Outro aspecto importante da reforma é a criação do formulário de referência, documento que, em substituição ao formulário IAN, passará a reunir todas as informações sobre as companhias, tais como atividades desenvolvidas, fatores de risco, grupo econômico, ativos relevantes, estrutura de capital, dados financeiros, comentários dos administradores sobre tais dados etc. O documento, que terá conteúdo diferenciado conforme a categoria do emissor, deverá ser arquivado pelas companhias perante a CVM e atualizado periodicamente.
Corretamente, a ideia da CVM é a de unificar em um único documento as informações sobre as companhias hoje prestadas no formulário IAN e em prospectos de oferta pública. Não raro, esses documentos apresentam informações discrepantes, o que não mais aconteceria com a unificação pretendida por meio do formulário de referência. Além disso, o novo documento seria também utilizado para incorporar "por referência" as informações nele contidas aos procedimentos de registro de ofertas públicas. Nesse aspecto, a mudança certamente simplificará a elaboração de prospectos e a realização de ofertas, acelerando o acesso ao mercado pelas companhias.
A reforma traz ainda diversos outros pontos relevantes. Prevê regras especiais de prestação de informações para as companhias que estejam passando por dificuldades extraordinárias (recuperação judicial, falência ou liquidação extrajudicial), exige a manutenção pelas companhias de página na internet para disponibilização de informações, bem como reduz o prazo para divulgação de informações trimestrais de 45 para 30 dias. Um ponto que vem suscitando polêmica, particularmente na mídia especializada, consiste na exigência de que as companhias abertas passem a divulgar, de forma individualizada, a remuneração dos administradores.
Enfim, a reforma tem escopo bastante amplo. O edital de audiência pública merece elogio por sua oportunidade, pelo esmero do texto e por provar que as entidades públicas podemdialogar com os agentes econômicos, sem prejuízo do exercício da sua função reguladora.
Julio Ramalho Dubeux é advogado do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e autor de "A Comissão de Valores Mobiliários e os principais instrumentos regulatórios do mercado de capitais brasileiro" pela Fabris Editor
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