A difícil comprovação
As relações sentimentais entre homem e mulher - ele criador, ela professora - não iam bem, já azedadas pelo gênio difícil do homem, afirmado por seus empregados e vizinhos. O casamento, sem filhos, já estava no desgastado 12º ano.
As relações intimas pareciam ser problemáticas e escassas porque - ao que a esposa confidenciara a suas colegas de magistério - o marido exigia primordialmente sexo anal.
Certo dia, numa desavença, o marido agrediu a esposa com uma toalha molhada enrolada - técnica que ele aprendera com um delegado de polícia amigo, com a garantia de que "não deixava marcas".
Decidida a acabar com o casamento, a mulher procurou, na manhã seguinte, um advogado e contou seu drama. Como não houvesse provas da agressão física da noite anterior, a ação de separação de corpos foi logo apresentada sob o fundamento da "exasperação dos limites do débito conjugal".
O juiz deferiu o pedido da mulher para que lhe fosse permitido abandonar o lar conjugal, recolhendo-se ela à residência dos pais, tradicional casal de importante cidade da fronteira.
No trintídio ingressou a ação principal - de separação judicial litigiosa - batendo na mesma tecla: a mulher formalmente recusava-se ao sexo anal, sustentando que "a tentativa de prática sodômica é justificativa para o rompimento do vínculo".
O marido foi citado, contestou (negando o fato nuclear) e apresentou reconvenção, dizendo que, ele sim, "desejava a dissolução do vínculo conjugal porque a mulher perdera a vontade do legítimo e saudável sexo conjugal definido pelos melhores parâmetros religiosos".
Foram pedidas prova pericial (pela autora) e testemunhal (por ambas as partes). Como o caso virara ´frisson´ na comunidade -, na expectativa de liquidar o caso e acabar com o ´tititi´ social, o magistrado designou data próxima para a audiência. Nela tomou os depoimentos, ouviu as testemunhas e expressou sua convicção: "a prova pericial é completamente dispensável".
E na mesma audiência sentenciou, dando pela procedência da ação e improcedência da reconvenção. O varão apelou.
O relator desceu às minúcias e discorreu sobre "os limites do débito conjugal". No voto, não deixou por menos: "o coito anal, embora inserido dentro da mecânica sexual, não integra o debito conjugal, porque este se destina à procriação".
O revisor complementou: "a mulher somente não está sujeita a outras formas de satisfação sexual, que violentem sua integridade física e seus princípios morais. O relacionamento sexual pressupõe a cópula vagínica".
O vogal lembrou que esse tipo extra de relacionamento íntimo era de difícil comprovação, ainda mais que o juiz de primeiro grau - para poupar a mulher de constrangimentos - indeferira a prova pericial, julgando logo o feito. Assim, ponderou, "cassar a sentença e reabrir a instrução, para a realização de perícia, seria penoso para todos".
Em regime de discussão, o colegiado chegou ao consenso e formatou o acórdão: "a mulher que acusou o marido de assédio sexual no sentido de que cedesse à pratica da sodomia, e não demonstrou o alegado, reconhecidamente de difícil comprovação, assume os ônus da acusação que fez sem nada provar".
Lembrando que "a prova, nos termos do artigo 333 , inc. I , do CPC , incumbe a quem alega", o julgado deu pela procedência da ação ajuizada pela mulher e também da reconvenção oferecida pelo varão.
A ementa teve dois comandos. Primeiro: a culpa do homem pelos maus tratos, evidenciada pela prova testemunhal. Segundo: a injúria grave cometida pela mulher ao, sem provar, imputar ao marido a suposta prática de sodomia. Assim, a conclusão foi de "culpa recíproca".
Na cidade interiorana, os ex-consortes - protagonistas do polêmico caso - já ingressaram em seus respectivos segundos casamentos.
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