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5 de Maio de 2024

A ira justa do goleiro Aranha e de um anônimo negro contra o racismo cotidiano

Publicado por Fernanda Favorito
há 10 anos

Por Laura Capriglione*

Quando parte da torcida do Grêmio encheu a boca, em Porto Alegre na quinta-feira (28/08), para chamar o negro goleiro do Santos de “macaco”, apareceu um herói, o próprio alvo dos xingamentos, para vingar os tantos humilhados pelo racismo.

Com a ira santa dos justos, Mário Lúcio Duarte Costa, de 33 anos, o Aranha, gesticulou e gritou furioso contra a turba infame, e deixou bem claro o orgulho da pelé colorida, a mesma de seus ancestrais africanos.

Ao menos uma criminosa, Patricia Moreira, moradora em Porto Alegre, já foi identificada, filmada enquanto insultava o goleiro:

“Ma-ca-coooo!”.

A meliante já perdeu o emprego como auxiliar de saúde bucal no Centro Médico Odontológico da Brigada Militar. Deverá responder a processo criminal por injúria racial, crime sujeito a pena de um a três anos de reclusão, com multa.

A defesa de Patrícia certamente dirá que tudo não passou de uma “brincadeira”, que ela não fez mais do que repetir o que lhe ensinaram algumas celebridades (às vezes até com o aval da Justiça, como se verá).

O humorista Danilo Gentili, com milhões de seguidores do Twitter, não defendeu publicamente seu direito de ofender negros, chamando-os de “macacos”?

"Alguém pode me dar uma explicação razoável por que posso chamar gay de veado, gordo de baleia, branco de lagartixa, mas nunca um negro de macaco?"

O mesmo Gentili não teve, depois, a ousadia de oferecer bananas a um jovem ativista negro, o redator Thiago Ribeiro, que o acusou de racista?

“Sério @ LasombraRibeiro [Thiago Ribeiro] vamos esquecer isso… Quantas bananas vc quer pra deixar essa história pra lá?”

Isso pode?

Não é difícil que Patrícia Moreira tenha ouvido falar da tentativa de Thiago Ribeiro de obter a condenação de Danilo Gentili. Talvez tenha visto também que um juiz, Marcelo Matias Pereira, da 10ª Vara Criminal da Justiça de São Paulo, absolveu Danilo Gentili do crime de injúria racial, por considerar que o comediante não teve “propósito e intenção de ofender a vítima”.

Ah, tá!

Ganha um exemplar do livro “Não Somos Racistas”, de Ali Kamel, diretor geral de jornalismo e esportes da TV Globo quem adivinhar a cor do juiz…. Não, não ganha não porque esta é fácil demais.

Nem é preciso dizer que a sentença do juiz branco deu ânimo para centenas de boçais e fãs de Gentili sentirem-se livres para extravasar seu ódio racista pelas redes sociais e seguirem repetindo os insultos, como se fossem brincadeira:

“Ma-ca-coooo!”

Que mal tem?

Tem muito mal. “Fiquei bem nervoso. Com o perdão da palavra, fiquei p… Isso dói. Não é possível. Bati no braço e disse que sou preto mesmo”, declarou Aranha logo depois de finalizada a partida.

Será que o juiz Marcelo Matias Pereira, que absolveu Danilo Gentili, sabe da responsabilidade que pode ter nesse episódio trágico?

Aranha tornou-se herói porque não fez a menor questão de ficar tranquilão diante da ofensa, porque não se fingiu de surdo, porque denunciou os agressores. Porque chutou o balde do racismo.

Ele não quis “ressignificar o xingamento”, como alegaram ter feito Daniel Alves, o jogador brasileiro atuando no Barcelona, quando comeu a banana que um torcedor racista jogou para ele.

Ele não deu chance para o mega-oportunista Luciano Huck vender camisetas de sua grife pessoal, a “Use Huck”, com uma estampa de banana e os dizeres “Somos todos macacos”.

Aliás, a defesa da racista do Grêmio também poderá alegar que ela não considera “macaco” um xingamento, já que ela mesma vê-se como um. “Como diria Luciano Huck, somos todos macacos”… Quem sabe, cola.

Aranha chegou a ser admoestado pelo árbitro da partida, Wilton Pereira Sampaio, que o acusou de estar “provocando a torcida adversária”.

Logo, outros atletas negros do Santos, como Arouca, David Braz e Robinho, cercaram o juiz para impedi-lo de, novamente, culpar a vítima pela violência que a oprime.

Coincidência mais linda, no mesmo dia, outro negro, anônimo, também distribuiu lições de humanidade contra o racismo.

Acusado de roubar uma loja no Salvador Shopping, da capital baiana, o jovem também não se intimidou e gritou para os seguranças: “Eu não roubei nada. Eu sou trabalhador, rapaz, não sou ladrão, não! Cadê o roubo? Mostre o roubo aqui.” E baixou as calças. Quase nu, demonstrou o fundo racista da acusação que sofria.

O shopping ficou paralisado, consumidores interromperam a correria entre as lojas para assistir à cena. E a massa foi ao delírio, com aplausos e gritos de apoio, quando percebeu a vitória moral do inocente enfrentando a perseguição.

Ainda do lado de fora, o homem continuou gritando com o segurança. “Só porque é negro, é negão, vai roubar. Vá se f…”. Mais aplausos.

Aranha estava furioso. O anônimo estava furioso. Eles colocaram os agressores no seu lugar. Zumbi estava neles.

*Jornalista. Nasceu em São Paulo e cursou Física e Ciências Sociais na USP. Trabalhou como repórter especial do jornal “Folha de S. Paulo” entre 2004 e 2013. Dirigiu o Notícias Populares (SP), foi diretora de novos projetos na Editora Abril e trabalhou na revista “Veja”. Conquistou o Prêmio Esso de Reportagem 1994, com a matéria “Mulher, a grande mudança no Brasil”, em parceria com Dorrit Harazim e Laura Greenhalgh. Foi editora-executiva da revista até 2000.

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35 Comentários

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Penso que o racismo não tem a ver exatamente com a cor da pelé, mas com o ânimus do ser humano em menosprezar quem é diferente de si. Tenho uma colega negra que foi vítima de racismo entre seus próprios, vamos dizer assim, pares. Isso porque ela tem o nariz fino e estava defendendo sua ideia contra a Lei de Quotas. Foi chamada de falsa negra. Negra de alma branca.
Entendo que ela foi vítima de racismo também, mas nem por isso foi até uma delegacia fazer queixa. Ela simplesmente riu. continuar lendo

A dificuldade em conceituar o que venha a ser racismo faz que você não entenda o próprio episódio por ti narrado. Não existe racismo entre pessoas pertencentes a mesma comunidade étnico-racial, Por que? logo te respondo. Racismo é a ideologia que promove a hierarquização de raças, portanto quando o debate de idéias entre pessoas da mesma comunidade étnico-racial fazem colocações dessa natureza não podemos chamá-las de racistas, pois assim estaríamos diante de uma aberração lógica, qual seja, contradição nos próprios termos. Sugiro ao comentarista a leitura de bons livros a respeito, pois o senso comum, na maioria das vezes, é a consagração daquilo que se combate, não porque a ciência sempre esteja acompanhada de valores humanos, muitas vezes, e a história está para confirmar, vestiu o traje do racismo científico, mas não é dessa ciência que estou a tratar, mas aquela que contesta o senso comum racista e a ciência financiada para manutenção do status quo, com o velho timbre da verdade ciêntífica. continuar lendo

Zumbi está em todos aqueles que lutam por igualdade racial. Zumbi vive! continuar lendo

Como pode um País que foi colonizado por Negros, ter o Racismo tão velado infelizmente eles estão rasgando a história do País..o goleiro Aranha teve a lucidez de ir procurar os seus direitos ,parabéns que sirva de exemplo,e que não deixe que a propaganda samos todos macacos não se repita mais ,porque somos Seres Humanos com direito de ir e vir e não macacos... continuar lendo

Essa é a questão...

O país não foi colonizado por negros (tendo por colonizar: formar instituições , estabelecer regras de propriedade e administrar).
Eles (os negros) foram explorados nesse sistema.

O problema é a galerinha-branca-que-sonha-em-ser-européia que ainda tem pensamentos EUGENISTAS nesse sentido, que existem pessoas de primeira e segunda classe... continuar lendo

Não vejo nenhum insulto de chamar o goleiro de macaco, assim como girafa, urso panda ou qualquer animal que seja.

O insulto esta nesta mídia ordinária que nos assola a cada dia, e que tenhamos a mesma opinião dela.

Vale dizer que este destaque é uma manipulação de fato.

A mídia tem o seu papel, mas as vezes exagera muito na manipulação em direcionar os leigos incautos. continuar lendo

Perfeito Carlos!
Tanto que o apelido do goleiro é "Aranha"...
Aranha pode..."macaco" é ofensa.
Defesa fácil de fazer para qualquer advogado!!!!
Exma. Tinha gente chamando ele de aranha e ele não reclamava...porque reclama quando chamam de "macaco"?
A mídia está sendo uma das coisas mais nefastas do nosso Brasil.
Vejam que os bandidos políticos...os bandidos de toga...os bandidos corruptores não tem, por parte da mídia, o mesmo tempo de difusão, não tem os questionamentos diretos e comparativos como fizeram com relação a garota. Só porque ela não colocou a mão próximo da boca como fazem hoje os próprios jogadores e juízes quando falam em campo: colocam a mão na frente para não decifrarem o que estão dizendo.....
é um país ridículo o nosso Brasil. continuar lendo

Você esta procurando justificativas para um ato claro de racismo amigo. É hipocrisia atribuir a mídia a culpa por um ato criminoso flagrado pelas câmeras. continuar lendo

Caro amigo é preciso fazer uma ressalva. É óbvio que muitas pessoas aceitam alcunha de animais sem prolema algum e, na maioria dos casos isso se dá em relação a uma qualidade da pessoa. Sou negro e não vejo problema algum meu amigos me chamarem de negão, neguinho etc. Simples questão de contexto. Você é inteligente e deve saber que as palavras só tem sentido quando estão inseridas dentro de um contexto. Ex. "Sicrano sobe em árvores como um macaco", ágil igual a um macaco.
No caso do jogo grêmio x santos, a torcedora estava com raiva em razão do seu time estar perdendo e resolveu por livre e espontânea iniciativa, xingar o goleiro usando a palavra macaco como um termo pejorativo. Esse era o contexto.
Para finalizar, observe que vivemos num mundo de ação e reação. Nada nos acontece de graça. Agora só resta a ela, fazer um exame de consciência e tomar tudo isso como uma grande lição. Que isto sirva de exemplo a todo racista. continuar lendo