A testemunha que caiu do céu
Manhã fria e a caminhada de sempre entre o único hotel da cidade e a Junta de Conciliação e Julgamento localizada à frente da praça repleta de plátanos.
Nas calçadas homens de bombacha, boina ou chapéu, lenço no pescoço, botas e pala.
O juiz havia sido designado, não fazia muito, para atuar na pequena cidade, sede da jurisdição. Ainda despertava a curiosidade, especialmente dos advogados. A assistência era plena na sala de audiências. Era preciso “tirar a febre”.
Dando início às ditas instruções, na pilha dos autos um processo no qual um empregado rural, entre outros direitos, postulava o adicional de insalubridade, alegando o contato com graxa e óleo.
Colhido o depoimento, o autor confirma a versão que mantinha contato com graxa é óleo em decorrência da lubrificação do trator.
No transcorrer, ingressa na sala a sua única testemunha. Um homem simples, visivelmente desconfortável com a situação.
Na qualificação a testemunha declara o seu endereço que é em outro município, na vizinha cidade.
O juiz pergunta:
- Seu Carlos Henrique, o senhor é parente ou amigo íntimo do reclamante?
- Não doutor, não conheço ele. E nem sei onde mora...
- O senhor trabalhou ou trabalha na fazenda do Passo Largo?
- Não doutor, não tenho nem ideia onde ela fica e de quem é.
- Então como o senhor conheceu o reclamante?
- É muito simples doutor, eu estava abastecendo a minha camionete Pampinha no posto do Vidigal, aquele ali na rótula da BR. Enquanto o frentista abastecia, me fixei em um trator laranja que estava parado e no homem que estava engraxando a suspensão. É justamente aquele homem ali - e apontou para o reclamante.
O juiz antevendo o que estava pela frente, para, respira, passa a mão na barba e decreta:
- Bem, vamos em frente. Acho que, para o senhor, apenas mais três perguntas.
E veio a primeira, para saber se de fato a testemunha não havia conversado com o reclamante no posto. A negativa foi peremptória, reafirmando que jamais conheceu o reclamante.
Diante disso, vem a segunda pergunta: se era correto afirmar que os dois não sabiam dos respectivos endereços residenciais?
Com satisfação, a testemunha eleva o tom da voz para enfatizar que não era parente e muito menos amigo do reclamante, o que parece que finalmente havia sido compreendido pelo julgador.
Sala repleta, o juiz olha para a testemunha e resume:
- O senhor viu um homem que não conhecia, lubrificando um trator em um posto de combustível. Não falou com ele, não sabe onde ele mora e vice-versa. Se não teve qualquer contato com ele, pergunto: como chegou até aqui para prestar depoimento, em dia e horário designados?.
Antes que o depoente respondesse, o magistrado desfiou mais uma rápida interrogação:
- O senhor caiu do céu?
O homem parou, olhou vagarosa e pensativamente para os lados, para cima, para baixo. E fitando firme para o juiz, definiu a situação:
- Doutor, agora o senhor me pegou!
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