Aplicar conceito de “mero aborrecimento” prejudica o consumidor
O presente artigo pretende abordar o comportamento abusivo e prepotente das grandes companhias frente ao consumidor brasileiro, fenômeno que cresce em proporções geométricas graças à atuação equivocada do Judiciário pátrio.
Vivemos em um mundo de realidades gigantescas e números que se multiplicam assustadoramente a cada instante, quadro que, como não poderia deixar de ser, acaba por afetar todo o nosso sistema jurídico em uma espiral que envolve todos os operadores do direito, desde o estagiário de um pequeno escritório de advocacia até os ministros do Supremo Tribunal Federal, o que, por sua vez, redunda em uma outra situação ainda mais grave, qual seja a padronização desmesurada e irremediável dos conflitos de interesses.
Podemos afirmar, sem medo de ser panfletário, que o sistema judiciário como um todo vive o que podemos chamar de “a era dos modelos”. O mais assustador nessa realidade é a constatação de que não existe, pelo menos em curto prazo, mecanismo capaz de reverter essa teratologia, uma vez que a demanda criada pelo acesso irrestrito e, cada vez mais, irresponsável ao judiciário segue numa curva ascendente e acelerada.
Não há soluções simples ou milagrosas para combater o câncer, que já em grau avançado de metástase toma conta do nosso sistema jurídico, contudo, algo urge de ser feito, sob pena de evertemos e subvertemos todo o sentido e fins que trouxeram à luz e fizeram crescer e florescer a ideia do Judiciário como bastião seguro para a solução dos conflitos que estremecem a vida em sociedade, visando a tão necessária paz social, viga estruturante e fundamental para nossa necessidade gregária.
Muitos são os problemas, porém este singelo libelo pretende se ocupar especificamente de uma das mazelas que afligem e solapam hodiernamente o sistema referido em linhas volvidas, contribuindo sobremaneira para a avalanche de processos que assombra os escaninhos da justiça pátria, qual seja as ações de indenização movidas pelos consumidores em desfavor das empresas brasileiras.
Em uma pesquisa perfunctória, apenas a título de ilustração, extraída de um dos sites de reclamação colocados à disposição do consumidor para verter sua insatisfação acerca dos péssimos serviços prestados pelas empresas atuantes no nosso país, chegamos ao número absurdo de 582.814 reclamações (página: www.reclameaqui.com.br/ranking), sendo que em tal número estão computadas apenas as reclamações dirigidas contra 20 empresas, supostamente as mais negligentes e reiteradamente abusivas. Tal número se torna ainda mais impactante se levarmos em linha de consideração o fato de que essas reclamações são única e exclusivamente as que foram feitas diretamente naquele site específico. Com base nesses dados, que representam uma pequena amostragem do universo possível e real de infrações perpetradas pelas empresas em detrimento dos consumidores brasileiros, podemos apenas vislumbrar o número bilionário de ações ilícitas de tais pessoas jurídicas viciosamente cometidas dia após dia, mês após mês, ano após ano, em um círculo odioso e de completo desprezo pelas mais comezinhas regras de conduta tão valorizadas e necessárias para o resto da população.
Desses milhares de atos ilícitos cometidos diariamente e reiteradamente pelas empresas em face dos consumidores, esses cada vez mais atônitos e impotentes com a desfaçatez e abusividade espelhado no comportamento daquelas, algumas centenas acabam por acorrer ao Judiciário, também diariamente, com a esperança ingênua de que a conduta desregrada e afrontosa dessas empresas será finalmente enquadrada e combatida. Ledo engano, do qual o já abusado consumidor apenas irá se dar conta após aguardar por meses, e não raro por anos, em algumas esperançosas peregrinações em salas de espera e de audiência pelos juizados afora...
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6 Comentários
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O referido artigo, escrito por um magistrado, é recomendação de leitura para todos.
Gostaria de aproveitar esse tema para expor que não concordo que indenização por dano moral possa ensejar enriquecimento sem causa. Isso é um construção errônea, data máxima vênia.
Como enriquecimento sem causa? houve o cometimento de um ilícito que gerou dano moral! onde está a "falta de causa"?.
Não se pode confundir mensuração do dano moral, o que é deveras difícil, com enriquecimento ilícito.
Essa construção deve ter nascido nos escritórios que defendem grandes corporações e que como tal deviam reduzir o valor da indenização.
A meu ver, indenizações ínfimas como é de costume no Brasil além de ridicularizar a Lei, em especial o CDC, estimula a prática de ilícitos por parte das Empresas, pois, sabem que as indenizações são poucas diante do ganho.
A moral é um patrimônio intangível que somente o ofendido pode compreender sua real extensão.
. continuar lendo
Vejo, também, como solução a aplicação de multas destinadas a fundos relacionados ao caso julgado.
Essas multas seriam interessantes dado que, ainda se aplicado o dano moral, em muitos o valor seria insignificante para a empresa.
Por exemplo, uma grande empresa de telefonia faz propaganda enganosa com um cliente e isso lhe traz grande transtorno e prejuízos. Para uma pessoa comum, um valor de R$ 1 milhão seria, claramente, exagerado, acarretando em enriquecimento. No entanto, se a empresa fosse condenada a pagar R$ 10 mil para a pessoa e R$ 900 mil ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
Isso sim teria efeito educativo sobre as empresas acostumadas a desrespeitar o consumidor (e sem gerar enriquecimento exagerado a uma pessoa exclusivamente). continuar lendo
Concordo com ressalvas.
O problemas é que o Brasil possui vários fundos e todos acabam escoando na corrupção ou em entidades que em nada agregam ao consumidor, no caso.
É preciso alterarmos nossa cultura, o que é deveras difícil.
Penso, aliás, que ao invés de punir, poderíamos começar a estimular as pessoas e empresas a agirem em prol do bem alheio. Sei que atitudes como essa deveriam ser obrigação moral. Mas, como vemos na prática que isso não é real, ao menos quanto à massa.
Acredito que o estimulo ajudaria a melhorar o mundo tanto dos consumidores quanto das empresas. continuar lendo
Robson,
Eu acho que deixar de recolher aos referidos fundos por causa da corrupção seria a mesma coisa de deixar de prender pelo motivo do preso sair pior do que entrou.
O que é necessário é uma reforma institucional com mecanismos de controle e punição eficazes e céleres.
Ouvi uma expressão interessante "às vezes, no serviço público, quando não conseguem eliminar os carrapatos, matam a vaca!"
Os países ditos desenvolvidos tem regulações duras em relação a casos de abuso contra o consumidor, ver por exemplo os casos de recall de veículos nos EUA (lá se a empresa "pisar na bola", o custo de contravenção é pesado. O que eu discordo nos EUA é que uma pessoa às vezes leva "uma bolada" nessas ações).
Eu não acredito em pura e simples boa vontade. As pessoas respondem a incentivos e planejam a partir de expectativas. No caso do Brasil, se as empresas têm pouca concorrência (baixa qualidade pouco afeta sua base de clientes) e o estado é conivente com suas estripulias (risco e custo da punição baixos), acho natural que se comportem dessa maneira. Afinal, qualidade custa dinheiro e a matemática é simples + custo = - lucro.
Eu acredito em instituições fortes no sentido de que as regras sociais serão cumpridas efetivamente e em tempo hábil. Tem um exemplo muito interessante disso, que é o Rei Leopoldo II da Bélgica. No país dele, era reconhecido por ser uma pessoa justa e bom governante. No entanto ele tinha uma colônia (atualmente o Congo) que hoje é conhecido como Holocausto Negro.
Aí a pergunta, qual a razão do Leopoldo ser "bonzinho" na Bélgica e ser um "monstro" no Congo?
A resposta são as instituições. Na Bélgica, havia diversos mecanismos que limitavam seu poder de ação. No Congo, não. continuar lendo
Brilhante artigo! continuar lendo
Gostei.....
O que é mero para uns,não tem o mesmo significado para outros,e,assim,pode uma decisão equivocada (e eu bem sei) pode gerar danos irreparáveis,pois,só que passou pela experiencia pode dizer....Cada um com a sua sensiibilidade !
Quando vi essa decisão do STJ ,sinceramente,não me convenceu nem um pouco !
Posso dizer : NÃO ME CONVENCEU E NÃO GOSTEI ! continuar lendo