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17 de Junho de 2024
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    ARTIGO DO DIA: Embriaguez ao volante, por si só, já é crime?

    há 14 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Embriaguez ao volante, por si só, já é crime?. Disponível em http://www.lfg.com.br - 05 maio.2010.

    O artigo 306, do Código de Trânsito Brasileiro, estabelece que o crime acontece a partir do momento em que o motorista conduz o veículo (em via pública) "com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência". A embriaguez ao volante seria punida independente do perigo concreto, conforme entendimento do eminente advogado criminalista Alberto Zacharias Toron (entrevista dada a Marina Ito, do renomado Consultor Jurídico).

    Da matéria ainda consta o seguinte: "No começo deste mês [abril de 2010], a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por maioria, trancou Ação Penal contra motorista flagrado em uma blitz. Segundo o jornal O Globo, os desembargadores entenderam que o teste de bafômetro, mesmo com resultado positivo, não é suficiente para a abertura de um processo criminal por embriaguez ao volante. O motorista apresentava mais de seis decigramas de álcool por litro de sangue. O entendimento levou em conta o"perigo concreto à coletividade"que, no caso, não foi comprovado"."Para Toron, os desembargadores exigem o que a lei não determina para a caracterização do crime previsto no artigo 306."

    Numa espécie de"diálogo" com meu amigo (e respeitadíssimo) Toron eu diria: a lei "secamente" lida de fato não exige o perigo concreto. Isso decorre da moderna teoria do bem jurídico assim como do princípio da ofensividade (que tem apoio constitucional). Os desembargadores do Rio conseguiram ver (e ler) (com sutilidade elogiável) algo que está detrás da norma: o seu aspecto valorativo. A norma não é só imperativa (como dizem muitos autores ou como dizia a doutrina penal nazista, sustentada pela Escola de Kiel). Ela também é valorativa. Existe para proteger um valor (Miguel Reale já dizia: direito é fato, valor e norma). No caso (art. 306 do CTB) o valor protegido é a segurança viária. Sem afetação concreta desse bem jurídico não há que se falar em delito. Não se pode interpretar o art. 306 como delito de perigo abstrato.

    Não se pode confundir a infração administrativa de dirigir embriagado (art. 165 do CTB) com o crime do art. 306. Neste é necessário o perigo concreto (indeterminado, para pessoas indeterminadas; não precisa apresentar uma vítima concreta, basta comprovar a condução anormal). Naquele não há que se falar em perigo concreto. Quem dirige veículo embriagado mas corretamente (correta mão de direção, velocidade normal, respeitando as regras de trânsito etc.) comete infração administrativa (está certo o TJ do RJ). Quem dirige veículo embriagado anormalmente (em zig-zag, passando o sinal vermelho etc.), com 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue, comete crime (art. 306 do CTB). A confusão continua generalizada (mas não há como confundir as coisas).

    Ele também (Toron) afirma que a decisão deixa a sociedade desprotegida naquilo que representa uma das maiores causas de acidentes de trânsito. "O legislador andou bem ao cunhar a norma dessa maneira, pois não precisamos ficar de braços cruzados aguardando as mortes no trânsito ou dos pedestres nas ruas", disse o criminalista.

    Não devemos mesmo ficar de braços cruzados contra essa tragédia nacional (35 mil mortes por ano). Temos que reagir contra esse absurdo. O condutor bêbado tem mesmo que ser punido severamente (ora administrativamente, ora penalmente). A reação pronta (fiscalização) é que previne delitos. Mas não podemos confundir o direito penal com o direito de trânsito (administrativo). Ambos, aliás, são eficazes (desde que aplicados infalivelmente). A tragédia do trânsito se resolve com Educação, Engenharia, Fiscalização e Punição (fórmula EEFP). Nenhum desses fatores tem efetividade (100%) no Brasil. Nisso reside a origem da tragédia (que não tem que conduzir todo mundo nem todas as situações para o Direito penal, como se ele fosse a salvação da pátria).

    Para concluir: "Admitir-se que o simples fato de conduzir veículo com concentração de álcool proibida no sangue representa perigo concreto, ou seja, caracteriza uma presunção absoluta de condução anormal do veículo, é atentar contra o princípio constitucional da ofensividade", entendeu o desembargador Gilmar Augusto Teixeira, relator do caso na 8ª Câmara. Acertou o desembargador. Errada está a política brasileira de contenção da violência no trânsito (que não vem cumprindo com efetividade a EEFP).

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    1 Comentário

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    Luis Antônio Máximo
    6 anos atrás

    Excelente abordagem. continuar lendo