ARTIGO DO DIA - Excesso de prazo justificado - (ir) razoabilidade
LUIZ FLÁVIO GOMES
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Excesso de prazo justificado - (ir) razoabilidade. Disponível em http:// www.lfg.com.br - 13 de setembro de 2010.
Antes da reforma processual era possível traçar o seguinte panorama no que tange à sequência de atos processuais a serem perseguidos na ação penal: a) oferecimento da peça acusatória, b) recebimento da peça acusatória, c) citação por mandado ou por edital, d) interrogatório do acusado, e) defesa prévia, f) oitiva de testemunhas de acusação e defesa (em audiências distintas), g) fase de diligências (artigo 499, CPP), h) alegações finais (artigo 500, CPP), i) diligências ordenadas de ofício pelo juiz com ciência às partes e j) sentença.
Com a reforma processual, no entanto, introduzida principalmente pela Lei 11.719/08, a sequência de atos é a seguinte: a) oferecimento da peça acusatória, b) rejeição da peça acusatória ou recebimento da peça acusatória, c) citação do acusado, d) resposta à acusação e e) formação do processo com a presença de audiência única - de instrução e julgamento, na qual se reúnem a tomada de declaração do ofendido, a inquirição de testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, bem como os esclarecimentos dos peritos, acareações e reconhecimento de pessoas e coisas e, por fim, o interrogatório do acusado.
No antigo procedimento, esta sequência de atos se dava em, aproximadamente, 81 dias (prazo estabelecido pela jurisprudência para o tempo necessário à finalização da instrução probatória). Hoje, no entanto, o próprio Código de Processo Penal indica o prazo no artigo 400, de acordo com o qual, a audiência de instrução e julgamento deverá ser realizada no prazo máximo de 60 dias. A importância da estipulação deste prazo, em regra, é a de indicar um parâmetro a ser seguido na instrução criminal, para que não se incorra na ilegalidade do excesso de prazo, principalmente quando há segregação cautelar do acusado.
Vale lembrar, no entanto, que estes 60 dias devem ser considerados como um prazo impróprio e que deve ser observado ou não, conforme as peculiaridades do caso concreto. Neste sentido é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS Nº 134.312 - CE (2009/0073621-4)
RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
EMENTA
HABEAS CORPUS . CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO E FORMAÇAO DE QUADRILHA, CONEXOS AO FURTO QUALIFICADO À CAIXA-FORTE DO BANCO CENTRAL DO BRASIL EM FORTALEZA/CE. EXCESSO DE PRAZO PARA A FORMAÇAO DA CULPA. INSTRUÇAO ENCERRADA. APLICAÇAO DA SÚMULA N.º 52 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. FATOS QUE GERARAM GRAVE PREJUÍZO AO ERÁRIO. ORDEM DENEGADA.
1. O excesso de prazo desproporcional, desmotivado e irrazoável para a conclusão do feito, mormente em se tratando de réu preso, não pode, em qualquer hipótese, ser tolerado.
2. Na hipótese dos autos, contudo, a alegada demora no julgamento não extrapola os limites da proporcionalidade: os prazos indicados para a conclusão dos feitos criminais servem como necessário parâmetro geral, a fim de se evitarem situações abusivas. Entretanto, devem ser consideradas, a fim de se verificar constrangimento ilegal, as peculiaridades de cada caso concreto, razão pela qual a jurisprudência admite a mitigação dos referidos prazos, à luz do Princípio da Razoabilidade.
(...)
7. Feito juízo de valor estabelecido entre interesses postos em conflito, sobreleva muito acima a necessidade de pronta resposta estatal para o resguardo da ordem pública, frontalmente ameaçada com prática de crimes graves, o que demonstra forma de agir atentatória às instituições que dão suporte à existência de um Estado Democrático de Direito.
8. Habeas corpus denegado, com recomendação de urgência na conclusão ao feito.
O Habeas Corpus acima transcrito refere-se ao julgamento de um dos acusados de participação no roubo de R$ 164,7 milhões do Banco Central em Fortaleza. Na oportunidade, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou o pedido de revogação da prisão preventiva porque, nas lições da Ministra Laurita Vaz (relatora), os prazos indicados para a conclusão da instrução criminal servem apenas como parâmetro geral, pois oscilam conforme as peculiaridades de cada processo.
No caso em apreço, a dilação do prazo para o término da instrução probatória estava (aparentemente) justificada pela complexidade do feito, que envolve 22 acusados. De qualquer modo, ainda que se admite o excesso de prazo nos casos complexos, é certo que esse excesso não pode extrapolar o razoável (porque todo réu tem direito de ser julgado em prazo razoável). No caso em tela um dos acusados está recolhido há mais de três anos, sem julgamento do mérito do processo. Três anos nos parece um exagero, um excesso fora do razoável, ainda que contra o réu recaíam acusações graves, com consequências extremamente prejudiciais. A postura do julgado, data vênia, não deveria ter sido denegação da liberdade pura e prontamente (diante da gravidade do crime). Por mais grave que seja o crime, três anos é um excesso nada razoável (de acordo com nosso opinião).
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