ARTIGO DO DIA - Extorsão mediante sequestro e morte da vítima. Não se trata de homicídio
LUIZ FLÁVIO GOMES
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Extorsão mediante sequestro e morte da vítima. Não se trata de homicídio . Disponível em http:// www.lfg.com.br - 06 de outubro de 2010.
A vítima foi seqüestrada e antes mesmo da exigência do resgate para liberá-la ela morreu. Isso configura extorsão mediante sequestro ou sequestro mais homicídio?
A conduta punível no crime de extorsão mediante sequestro é a de se (art. 159 do CP) questrar em sentido amplo, ou seja, abrange-se também o cárcere privado .(aqui há hipótese de interpretação extensiva) Trata-se de um crime de execução livre, podendo ser antecedido de violência, grave ameaça, fraude ou qualquer outro modo.
Distingue-se do crime de extorsão, além da elementar sequestrar que subentende uma privação de liberdade, também e principalmente, no que tange à vantagem. Enquanto a redação do artigo 158 do CP traz a expressão indevida vantagem econômica , na extorsão mediante sequestro fala-se em qualquer vantagem.
Quanto à consumação do crime de extorsão mediante sequestro, há dois posicionamentos. Uma primeira corrente entende que o crime consuma-se com a privação da liberdade seguida da indevida exigência, dispensada a obtenção da vantagem. A segunda corrente aponta para a consumação do delito apenas com a privação da liberdade da vítima, sendo desnecessárias a exigência e a obtenção da vantagem; prevalece na jurisprudência este segundo.
Aliás, com base na inteligência desta segunda orientação, o Superior Tribunal de Justiça acaba de se posicionar sobre o crime em comento ao julgar o HC 113.978 de São Paulo. Veja-se o entendimento fixado:
Sexta Turma
EXTORSAO. SEQUESTRO. MORTE. CONSUMAÇAO.
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor da ora paciente condenada à pena de 26 anos de reclusão a ser cumprida no regime integralmente fechado, pela prática do crime de extorsão mediante sequestro com resultado morte, em que a defesa pretende a cassação da sentença criminal com a determinação de que se remetam os autos ao Tribunal do Júri, sob o argumento de que, na verdade, trata-se de crime contra vida, razão pela qual sustenta que não houve a correta tipificação penal. Aduz a defesa que os elementos constitutivos do tipo não se consumaram, pois não ocorreu a exigência de resgate, uma vez que todos os réus foram presos de imediato e o homicídio foi praticado anteriormente à extorsão. A Turma denegou a ordem, afastando a incidência do crime de homicídio ao fundamento de que a intenção dos agentes, inclusive da ora paciente, era pleitear o resgate no valor ajustado entre os acusados, sendo que a morte da vítima deu-se em decorrência de sua resistência e dos incessantes gritos de socorro. Registrou-se o ensinamento do Min. Assis Toledo manifestado em precedente deste Superior Tribunal no sentido de que a extorsão mediante sequestro qualificada pelo resultado morte não se descaracteriza quando a morte do próprio sequestrado ocorre no momento de sua apreensão, como ocorreu in casu . Precedentes citados : HC 87.764-SC , DJe 25/5/2009, e RHC 1.846-GO, DJ 20/4/1992. HC 113.978-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/9/2010 .
A Sexta Turma foi instada a se manifestar sobre a possibilidade de um determinado fato ser considerado um simples homicídio, em detrimento do reconhecimento do crime de extorsão mediante sequestro com resultado morte. A pena base, na hipótese de ser reconhecido aquele crime, seria menor que o disposto no 3º do art. 159 do CP (Se resulta morte: pena reclusão, de vinte e quatro a trinta anos). Isso possivelmente tenha motivado o pedido da defesa.
O fato é que para o relator Ministro Og Fernandes, a intenção dos agentes era pleitear o resgate, mas a morte da vítima ocorreu antes, por motivos que nada interfeririam no subjetivo dos co-autores. Ou seja, a intenção dos condenados era a obtenção da vantagem e, para tanto, apreenderam a vítima, mas porque ela resistiu e gritou por socorro foi morta. Contudo, como exposto, o entendimento que prevalece sobre a consumação do crime de extorsão mediante sequestro é de que ele ocorre já com a privação da liberdade da vítima, sendo indiferente se houve auferimento da vantagem e tampouco se chegaram a exigi-la.
O julgado reconhece a importância da intenção especial do agente que acompanha, em alguns crimes, o dolo. Aliás, é essa intenção especial que ilumina a tipificação do fato. A sequestra a vítima B, a coloca no carro e sai em disparada. Que crime é esse? Pode ser um simples sequestro (quando a finalidade do agente é só privar a vítima da sua liberdade), pode ser um ato preparatório de algum crime sexual, pode ser extorsão mediante sequestro (se a finalidade é pedir resgate) etc. Como se vê, a intenção especial do agente é muito relevante no direito penal.
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1 Comentário
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Bom dia! Excelente artigo. Mas a dúvida que me ocorre é relativa à Morte. Somente a morte da vítima qualifica o crime ou também a morte de outra pessoa, como um segurança ou mesmo policial, nos moldes do roubo? Grato pela atenção! continuar lendo