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16 de Junho de 2024
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    Artigo: ÓRFÃOS DA LEI

    Agosto de 2012. Visitei os 10 abrigos para menores de Uberlândia-MG. Existiam 208 institucionalizados. Relatórios concluídos, não dormi durante dois dias. Sofri muito com as lembranças dos olhares tristes e melancólicos de muitas crianças. Senti que precisava agir. Rapidamente. Vi diante de mim uma tragédia silenciosa, como o psicólogo May Rollo, em O homem que foi posto numa jaula . Numa delas estavam vinte e três crianças recém-nascidas, filhas de mães viciadas em crack, que foram levadas dos hospitais diretamente para os abrigos. Enfileiradas em berços simples e iguais. Resolvi estudar psicologia. Queria entender os problemas causados pelo abrigamento prolongado e coletivizado. Não me conformava com o visível drama psicológico das crianças. Fiquei preocupado com os resultados do mais completo estudo científico realizado no Hospital infantil de Boston, de Margaret Sheridan que, mediante ressonância magnética, constatou nas crianças abrigadas, a perda de 10% do volume de substância cinzenta cortical. Ainda li outros estudos europeus tradicionais: A família em desordem , de Elisabeth Roudinesco; Luto e melancolia , de Sigmund Freud; Cuidados maternos e saúde mental , de John Bowlby; Manicômios, prisões e conventos , de Erving Goffman; A polícia das famílias , de Jacques Donzelot; finalmente, assisti no Youtube, A tragédia dos orfanatos , legendado, de Georgette Mulheir. Em todos a mesma conclusão: as crianças devem ser criadas nas famílias, por mais pobres que sejam. Depois, estudamos detidamente a alvissareira Lei n. 12.010/09. Começamos a trabalhar em total parceria com o Dr. Epaminondas (Promotor) e a Dra. Édila (Juíza). Os processos judiciais foram revistos. Um por um. Acolhimento institucional, doravante, somente depois do exaurimento das medidas de proteção dos arts. 101 e 129 do ECA. Iniciamos a busca ativa das famílias, estimulando-as a receberem os filhos de volta. Nos feriados e finais de semana visitei casas, barracos e favelas de mais de (100) cem famílias. Conheci a pobreza de vários bairros: Canaã, Lagoinha, etc. Antes da devolução das crianças, ouvimos também vizinhos e parentes. Quem estava disposto, depois do formal compromisso em audiência, recebeu os filhos, netos e enteados de volta, mediante guarda judicial, exceto traficantes, pedófilos e os pais ausentes. Os novos cuidadores, na volta para casa, são os avós, principalmente. Cuidam dos netos e não recebem auxílio financeiro dos governos ou dos pais das crianças, sendo alguns, ainda, ameaçados. Se pudesse sensibilizava o poder público municipal a pagar aos avós que exerçam a guarda de crianças oriundas de abrigos, a quantia mensal de um salário mínimo. Nos abrigos, cada criança custa para a prefeitura, em média, R$ 1.200,00. Os avós e os tios e tias são meus heróis nessa luta. E ainda dizem que a pobreza acabou. Os órfãos da lei precisam de famílias, escolas, hospitais, etc. O trabalho não é perfeito. Surgirão equívocos. Também precisamos estimular o Município a disponibilizar proteção psicossocial, 24 horas por dia, inclusive nos feriados e finais de semana, para evitar o abrigamento prolongado. Várias famílias também precisam de ajuda, urgente. É difícil cuidar das crianças que viveram em abrigos. São silenciosas e tristes. Outras são agressivas. O trabalho psicoterápico é imprescindível. Jamais para abrigar, novamente, porém, para proteger, nas famílias! Depois de 8 (oito meses) de reuniões, audiências concentradas, visitas às residências, debates, sobretudo a conjugação de esforços da VIJ, em maio de 2013, ainda estão acolhidas 58 (cinquenta e oito) crianças e adolescentes. Finalizo: as ideias não são minhas. Estão na Lei n. 12.010/09, no art. 101.

    JADIR CIRQUEIRA DE SOUZA

    Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da comarca de Uberlândia-MG.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/artigo-orfaos-da-lei/100591621

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