Breves apontamentos sobre o crime de estupro - Ã?urea Maria Ferraz de Sousa
Até agosto de 2009, o crime de estupro era assim tipificado no Brasil:
Estupro
Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Até então dois crimes eram previstos distintamente: o crime de estupro e o crime de atentado violento ao pudor, este assim tipificado no Código Penal:
Atentado violento ao pudor
Art. 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Pena reclusão, de 6 (seis) a 10 (anos).
Hoje, no entanto, com o advento da Lei 12.015/09 há um só crime para as condutas acima descritas, que agora reunidas no artigo 213 do mesmo Código, assim se encontra redigido:
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Note-se que a maior alteração talvez seja quanto aos sujeitos no crime de estupro.
Hoje, estupro é praticar conjunção carnal violenta contra homem ou mulher e também o comportamento de obrigar a vítima, homem ou mulher, a praticar ou permitir que se pratique outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Antes da referida Lei, o estupro só poderia ser praticado contra mulher, daí a menção no artigo da conjunção carnal, ao passo que o atentado violento ao pudor poderia ser praticado contra qualquer pessoa, o que justificava a previsão no artigo 214 da expressão ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Com a junção de ambas as condutas em um único tipo penal (artigo 213, CP), algumas consequências foram percebidas pela doutrina e, aos poucos, pela jurisprudência. Vejamos.
Sujeitos
Hoje, o homem é vítima em potencial do crime de estupro. Assim como também a mulher passa a ser potencial sujeito ativo do mesmo crime que, antes era praticado (por ela) apenas na modalidade de autoria mediata.
Veja-se, assim, que qualquer pessoa poderá ser vítima ou praticar o delito, por este motivo é considerado um crime comum.
Concurso de crimes
Outra questão relevante, suscitada com a alteração do CP, foi a do concurso de crimes quando da prática da conjunção carnal seguida de atos libidinosos. Antes da alteração, entendia-se que a conduta deveria ser punida na regra do concurso material de crimes (art. 69, CP).
Com as condutas tipificadas em um mesmo artigo, iniciou-se no STJ uma discussão, mais precisamente entre suas Quinta e Sexta Turmas.
Para a Quinta Turma do STJ, ainda hoje, mantém-se o concurso de crimes para a conduta daquele que mantém contra a mulher conjunção carnal e atos libidinosos diversos da conjunção carnal num mesmo contexto fático (HCs 104.724-MS e 78.667-SP, 2010); isso porque o novo artigo 213, para aqueles Ministros, é um tipo misto cumulativo.
Para a Sexta Turma do STJ, no entanto, o novo artigo 213 é um crime de conduta múltipla ou de conteúdo variado, logo, a prática de mais de uma conduta não desnatura o crime, há crime único (HC 144.870-DF). Este entendimento também foi adotado pela Segunda Turma do STF.
A respeito desta discussão, leia mais em: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Estupro e atentado violento ao pudor: crime único ou concurso de crimes? Disponível em http://www.lfg.com.br - 01 de julho de 2010. -
Ação penal
No tocante à ação penal, deve ser salientado que, antes da Lei 12.015/09, o crime de estupro era perseguido por ação penal privada. Se a vítima fosse pobre, a ação penal seria intentada pelo Ministério Público, mediante sua representação. Se o crime fosse cometido com abuso do poder familiar, por padrasto, tutor ou curador, a ação penal seria pública incondicionada. Assim também, se o crime fosse praticado mediante o emprego de violência real (súmula 608 STF).
Agora, com a nova lei, a ação penal é pública condicionada, transformando-se em pública incondicionada quando a vítima é menor de 18 anos ou pessoa vulnerável.
Ação penal
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Outras questões
1. Antes de agosto de 2009, o fato de a vítima ser menor de dezoito anos era circunstância judicial desfavorável ao acusado. Hoje, trata-se de uma qualificadora:
Art. 213, 1º. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
2. Se a vítima era menor de quatorze anos, a consequência era de que a violência era presumida. Veja a antiga redação do artigo 224 (hoje revogado):
Presunção de violência
Art. 224. Presume-se a violência, se a vítima:
a) não é maior de quatorze anos;
(...)
Hoje o mesmo fato configura estupro de vulnerável:
Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Art 21777-AA. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
3. Além da qualificadora da idade, há ainda a qualificadora do resultado grave ou morte:
Art. 213. (...)
1º. Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
2º Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Frise-se que a qualificadora abrange a violência física e moral, bem como que a natureza da violência é preterdolosa, ou seja, há dolo na conduta do estupro e culpa na lesão grave ou morte, pois se houver dolo na lesão ou na morte haverá concurso material de crimes.
4. Por fim, note-se a presença também de causas de aumento de pena:
Aumento de pena
Art. 226. A pena é aumentada:
I - de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;
II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;
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