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7 de Maio de 2024
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    Carta de proteção a jovens esportistas é apresentada em seminário

    Documento é fruto de dois dias de discussões em evento que reuniu procuradores do MPT, juízes, parlamentares e atletas

    há 9 anos

    Campinas – O encerramento do seminário “Juntos pelos direitos de quem sonha ser atleta”, realizado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), teve a apresentação da Carta de Campinas, que orienta a atuação de entidades e da sociedade na garantia de direitos de jovens esportistas. O evento ocorreu nos dias 1 e 2 de dezembro no Hotel Vitória, em Campinas, e teve a presença de atletas, educadores físicos, procuradores, juízes e parlamentares.

    O documento contém 17 itens. Entre os pontos mais importantes estão o estabelecimento da formação profissional como uma modalidade de trabalho que, portanto, deve respeitar as normas nacionais e internacionais sobre o tema e o reconhecimento do Estado e da sociedade brasileira de que há um cenário de exploração de adolescentes no futebol, inclusive em casos de tráfico de pessoas.

    Outras cláusulas discorrem sobre a importância de compatibilizar o calendário esportivo com o calendário de férias escolares, proporcionando o exercício do direito à educação, a necessidade do trabalho intersetorial e de espaços de diálogo e, principalmente, o respeito às limitações impostas pela Lei Pelé na formação de jovens menores de 14 anos.

    A Carta de Campinas foi lida pelo coordenador nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes (Coordinfância), Rafael Dias Marques.

    Segue abaixo, na íntegra, a Carta de Campinas:

    CARTA DE CAMPINAS

    PELA PROTEÇÃO DOS DIREITOS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM FORMAÇÃO PROFISSIONAL DESPORTIVA

    A. PREÂMBULO

    I – CONSIDERANDO que o Brasil é signatário da Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia das Nações Unidas em 20 de novembro de 1959, a qual, em seu preâmbulo, reconhece que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio de sua família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão.

    II - CONSIDERANDO que o artigo 3º. dispõe que "Os Estados Partes se certificarão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada".

    III – CONSIDERANDO que a Convenção Sobre os Direitos da Criança reconhece o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social (art. 32); e também impõe que os Estados partes tomem medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais para assegurar a aplicação desse artigo.

    IV – CONSIDERANDO que a Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho, (ratificada pelo Brasil, por meio do Decreto 3597 de 12/9/2000), considera o tráfico de crianças ou outras práticas análogas a escravidão como uma das piores formas de trabalho infantil (art. 3º).

    V - CONSIDERANDO que o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Relativo ao Tráfico de Pessoas, conhecido como Protocolo de Palermo (Decreto 5017, de 12/03/2004), define a expressão "tráfico de pessoas" como recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração"(art. 3º, a).

    VI - CONSIDERANDO que o Protocolo de Palermo esclarece que"o consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a)"(art. 3º, b);

    VII - CONSIDERANDO que, para as Convenções Internacionais, o termo" criança "significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos.

    VIII – CONSIDERANDO que a Constituição Brasileira (art. 227), albergando o princípio da proteção integral e prioridade absoluta, assegura ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”;

    IX - CONSIDERANDO que a Constituição Brasileira (art. 7º, XXXIII) estabelece a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

    X - CONSIDERANDO que a CLT define o contrato de aprendizagem como o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.

    XI – CONSIDERANDO que o art. 232 do ECA atribui responsabilidade criminal pela conduta de submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento.

    B. DECLARAÇÃO

    Nós, participantes do Seminário “O Legado dos Megaeventos e os Direitos Fundamentais: A Proteção de Crianças e Adolescentes em Formação Profissional Desportiva", realizado em Campinas, nos dias 1 e 2 de dezembro de 2014, juntamente com representantes de entidades estatais e não estatais interessadas na temática (Ministério Público do Trabalho, Organização Internacional do Trabalho, UNICEF, Ministério do Trabalho, Justiça do Trabalho, Ministério Público, Justiça Comum, Conselho Nacional de Imigração, Conselhos Tutelares, etc).

    DECLARAMOS QUE:

    1.A formação profissional desportiva é uma modalidade de relação de trabalho, e como tal, deve obedecer aos ditames das normas nacionais e internacionais sobre o tema.

    2. A Lei Pelé deve ser interpretada em consonância com as normas que formam o sistema de proteção da infância e juventude (Estatuto da Criança e Adolescente legislação complementar), e, especialmente, com as previsões constitucionais de erradicação do trabalho infantil e proteção do trabalho adolescente a partir dos 16 anos.

    3. As entidades formadoras, que desenvolvem desporto na modalidade de esporte de rendimento, não devem manter, com objetivo de formação profissional, atletas com idade inferior a 14 (quatorze) anos, com vistas a evitar a profissionalização precoce, tão nefasta ao desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adolescentes.

    4. O Desporto de Educação ou participação, nas escolas regulares ou de esportes, devem ser incentivados desde a mesma tenra idade, como instrumento de desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adolescentes.

    5. Os adolescentes maiores de 14 (quatorze) poderão ser submetidos a testes ou seleções, sempre gratuitos e, uma vez aprovados, deverá haver a celebração de contrato de formação desportiva, na forma do art. 29, § 4º, da Lei Pelé e das Resoluções n. 01 e 02 da Confederação Brasileira de Futebol, com fixação de bolsa não inferior a um salário mínimo.

    6. Visando à garantia do direito fundamental à convivência familiar e comunitária, a alojamento de atletas deve ser feita de modo excepcional, apenas em casos em que não seja possível o deslocamento periódico do atleta ao centro de treinamento, de modo que as entidades esportivas, nestes casos, passam a assumir a posição de instituição de acolhimento, que deve ser cadastrada e fiscalizada pelos Conselhos Municipais de Direitos de Crianças e Adolescentes.

    7. Em casos de alojamentos de atletas, devem ser garantidos os direitos à educação, saúde, à integridade física e psicológica, à alimentação adequada, à convivência familiar e comunitária, a um ambiente seguro e protegido, ao cuidado por profissionais especializados em áreas como técnico-desportiva, médica, dentre outros cuidados.

    8. O Estado e a sociedade brasileiras devem reconhecer que a exploração de adolescentes no futebol é um grave desrespeito aos direitos humanos, podendo, em alguns casos, vir a ser enquadrada como tráfico de pessoas. Como consequência, devem ser adotadas as medidas pertinentes à prevenção, tais como campanhas de esclarecimento à população, capacitação dos órgãos de atenção às vítimas e famílias e lei específica.

    9. As Federações Estaduais e a Confederação Brasileira de Futebol possuem o dever, decorrente de sua responsabilidade social, de fiscalizar e sancionar a existência de clubes de futebol envolvidos em competições oficiais que submetem jovens atletas a condições degradantes e indignas de alojamento e trabalho, de modo a evitar que as competições que organizem, que geram arrecadação aos clubes, federações e confederação, seja realizada com aproveitamento do labor dos atletas aviltados em seus direitos fundamentais.

    11. O Brasil deve, com urgência, editar legislação específica sobre a formação profissional desportiva de crianças e adolescentes, cuja norma deve estar em acordo com os direitos fundamentais da infância e da juventude, em especial educação, saúde e convivência familiar e comunitária.

    12. Em ordem a garantir o direito fundamental à educação, as Confederações e Federações desportivas devem compatibilizar o calendário de suas respectivas competições ao calendário escolar, de modo a prejudicar a formação educacional.

    13. Devem ser criados e/ou fortalecidos espaços de diálogos com as entidades formadoras desportivas, confederações e federações desportivas, atletas e sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes, visando à sensibilização e estabelecimentos de consensos.

    14. O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente, por seus múltiplos integrantes governamentais, devem atuar de modo integrado e intersetorial, de modo a se construir, juntamente com as entidades formadoras, um pacto pela proteção de crianças e adolescentes em formação profissional desportiva.

    15. Família, Estado e Sociedade, nesta incluídas as entidades formadoras desportivas e empresários, são solidariamente responsáveis pela garantia da proteção integral de crianças e adolescentes nos esportes, de modo que a formação profissional desportiva não seja um instrumento de lesão de qualquer direito fundamental constante do art. 227 da CF/88.

    16. O Estado brasileiro não deve permitir o rebaixamento da idade mínima de profissionalização, a fim de que seja mantido o limite etário de 14 anos, como forma de evitar o retrocesso social e a diminuição do parâmetro de proteção dos direitos fundamentais.

    17. Devem ser aprimorados os mecanismos de fiscalização e de sanção a eventuais casos de violação de direitos, de modo que seja reforçado o papel fiscalizador das Confederações e Federações Desportivas nesse contexto.

    Campinas, 2 de dezembro de 2014.

    Informações:

    MPT em Campinas

    prt15.ascom@mpt.gov.br

    (19) 3796-9746

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