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4 de Maio de 2024
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    Comentários à Lei do Superendividamento

    Publicado por Hamilton Apolinario
    há 3 anos

    Aprovada em 1º de julho de 2021, em vigor desde o dia 2 de julho, a Lei 14.181/2021 efetuou diversas alterações no Código de Defesa do Consumidor (CDC) para incluir mecanismos judiciais e extrajudiciais de prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas naturais (pessoas físicas).

    O superendividamento é caracterizado pela “impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer o seu mínimo existencial”[1]. Por dívidas a Lei 14.181 considera “quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada”.

    Naturalmente não estão incluídas a dívidas contraídas mediante fraude ou má-fé, aquelas contraídas com o propósito de não realizar o pagamento ou relativas a contratação de produtos e serviços de luxo e alto valor.

    A lei consagra o princípio do crédito responsável, que exige do devedor um comportamento de prudência e de boa-fé ao assumir novas dívidas. Por outro lado, também exige do credor o dever de não fornecer crédito irresponsável, assim entendido aquele que não é factível de pagamento mediante o exame prévio da situação financeira do consumidor.

    Novos direitos do Consumidor

    A Lei acrescentou ao CDC novos direitos básicos do Consumidor como a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial; a preservação do mínimo existencial na repactuação de dívidas e na concessão e crédito e o direito à informação sobre os preços dos produtos por unidade de medida.

    Embora a Lei tenha deixado para regulamentação posterior a definição do conceito de “mínimo existencial” a sua introdução do na legislação brasileira é um aspecto positivo para a garantia da proteção da dignidade e dos interesses econômicos dos consumidores.

    Para o Professor Rizzato Nunes, o mínimo existencial “trata-se, na verdade, da tentativa de garantir ao ser humano um "mínimo vital" de qualidade vida, o qual lhe permita viver com dignidade, tendo a oportunidade de exercer a sua liberdade no meio social em que vive[2].”

    Novas cláusulas abusivas

    A nova Lei torna nulas as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que limitem o acesso do consumidor ao Poder Judiciário bem como as cláusulas que estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais, impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor a partir da quitação da dívida ou de acordo com os credores.

    Novas obrigações do fornecedor de crédito

    O fornecedor de produtos ou serviços ou o fornecedor de crédito deverá informar ao consumidor, previamente a realização da oferta, o custo efetivo total da operação, a taxa efetiva mensal de juros, a taxa de juros de mora e o total de encargos previstos na hipótese de atraso de pagamento, o montante das prestações, o prazo de validade da proposta que deve ser de no mínimo dois dias, o nome e endereços físico e eletrônico do fornecedor, o direito à liquidação antecipada do débito.

    Procedimentos proibidos aos fornecedores

    O fornecedor de produtos, serviços e crédito é proibidos de indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção e crédito ou sem a avaliação da situação financeira do consumidor; de ocultar o dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação de crédito ou da venda a prazo; de assediar ou pressionar o consumidor a contratar o produto, serviço ou crédito; condicionar a venda à renúncia ou a desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais.

    Com isso, passa a ser um dever do fornecedor avaliar a situação financeira do consumidor antes de efetuar a venda de produto, serviço ou conceder crédito.

    Obrigações do fornecedor de crédito previamente à contratação

    O fornecedor deve informar e esclarecer adequadamente o Consumidor, levando em consideração a idade do Consumidor, sobre a modalidade do crédito oferecido, todos os custos incidentes e sobre as consequências caso fique inadimplente; deve considerar o disposto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), informar quem é o agente que está responsável pelo financiamento e entregar cópia do contrato ao Consumidor, ao seu fiador ou garantidor e aos demais coobrigados com aquele contrato.

    Sanções ao fornecedor que descumprir as obrigações legais

    O fornecedor que descumprir as obrigações acima poderá ser obrigado, judicialmente, a reduzir juros, reduzir os encargos ou qualquer acréscimo ao valor principal e a aumentar os prazos de pagamento previstos no contrato. Poderá ainda ser condenado a pagar ao Consumidor indenizações por perdas e danos, patrimoniais e morais.

    Solidariedade entre fornecedor de produtos e serviços e o de crédito.

    Se diferentes, o fornecedor de produtos e serviços e o fornecedor de crédito serão solidariamente responsáveis. A Lei considera os dois contratos como conexos, coligados e interdependentes.

    Uma consequência da conexão entre os contratos é que o exercício de arrependimento da compra de produto ou serviço ou do contrato de crédito acarretará a extinção dos dois contratos. A mesma consequência se aplica se o pagamento for feito com cheque pré-datado, cartão de crédito ou similar.

    Outras obrigações do fornecedor de produtos e serviços que envolva crédito.

    É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:

    - efetuar a cobrança ou o débito em conta quando o Consumidor contestar a quantia em compra realizada por cartão de crédito ou similar. Entretanto, o Consumidor deve notificar a administradora de cartão com 10 dias antes do vencimento da fatura;

    - se recusar a entregar ao Consumidor a minuta dos contratos de fornecimento e de crédito e a cópia do contrato após concluída a venda;

    - no caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito, impedir ou dificultar que o Consumidor obtenha a anulação ou o bloqueio do pagamento ou a restituição dos valores indevidamente recebidos;

    - no caso de desconto mediante consignação em folha de pagamento, a formalização da compra só pode ser efetuada após o fornecedor de crédito obter da fonte pagadora do salário do consumidor a confirmação de existência de margem consignável.

    Procedimento de conciliação no superendividamento

    O consumidor, pessoa natural, superendividado que desejar obter a renegociação das dívidas deverá instaurar um “processo de repactuação de dívidas”, onde apresentará uma proposta de plano de pagamento em até 5 anos, com vistas a realização de audiência de conciliação com a presença de todos os seus credores.

    Não poderão ser incluídas no “processo de repactuação de dívidas” os débitos contraídos mediante fraude ou má-fé, os créditos com garantia real, os de financiamento imobiliários e de crédito rural.

    O fornecedor que de forma injustificada não comparecer à audiência de conciliação estará sujeito a aceitação compulsória do plano de pagamentos, a suspensão da exigibilidade do crédito e a interrupção dos encargos e mora, além de ser colocado por último na fila para recebimento dos créditos.

    Havendo conciliação, o plano de pagamento acordado entre as partes será homologado pelo juiz em sentença judicial sendo que o pedido de “repactuação de dívidas” não importará em insolvência civil.

    O consumidor que tiver o seu plano homologado só poderá pedir novamente outro “processo de repactuação de dívidas” 2 anos após o término do pagamento do plano de pagamentos do processo anterior.

    Instauração de Plano Judicial Compulsório

    Não havendo êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o Consumidor poderá pedir ao juiz para instaurar um “processo por superendividamento” para revisão e integração dos contratos remanescentes mediante um “plano judicial compulsório”

    Este plano também poderá ter a duração de até 5 anos com 180 dias de carência para pagamento da primeira parcela, podendo o juiz nomear um administrador.

    Atuação concorrente do Sistema Nacional de Defesa dos Consumidores

    Os órgãos públicos pertencentes aos Sistema Nacional de Defesa dos Consumidores (Procons, Ministério Público, Defensoria Pública) poderão atuar de forma concorrente e facultativa da fase de conciliação e preventiva do processo de repactuação de dívidas.

    Estes órgãos poderão promover a conciliação administrativa para prevenir o superendividamento do consumidor pessoa natural por meio de audiência com todos os seus credores e elaborar o plano de pagamento. O acordo administrativo deverá prever a data para exclusão do nome do consumidor dos bancos de dados e cadastros de inadimplentes bem como de condutas que o consumidor deverá se sujeitar para evitar nova situação de superendividamento.

    Estes órgãos deverão também desenvolver programas de educação financeira para os consumidores.

    Alteração do Estatuto do Idoso

    A Lei dispõe que não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso, ou seja, o fornecedor de produtos, serviços e crédito poderá negar crédito ao Idoso se identificar o seu superendividamento, sem que isto seja considerado discriminação ou crime.

    Algumas considerações finais

    A Lei 14.181/2021 aplica-se exclusivamente ao consumidor pessoa natural, não se aplicando as empresas que já contam com a Lei 11.101/2005 de recuperação judicial, recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária.

    Importante observar que esta lei não constitui um salvo conduto para o consumidor se endividar contando com a possibilidade de repactuação futura de suas dívidas. Como visto, ela não se aplica as dívidas contraídas mediante fraude ou má-fé, aquelas contraídas com o propósito de não realizar o pagamento ou relativas a contratação de produtos e serviços de luxo e alto valor. Também, não poderão ser incluídas no “processo de repactuação de dívidas” os créditos com garantia real, os de financiamento imobiliários e de crédito rural. Em outras palavras, a lei não protege o consumidor superendividado ativo consciente.

    Por outro lado, a Lei atribui responsabilidades aos fornecedores e produtos, serviços e créditos ao prever a obrigatoriedade de avaliarem a situação financeira do consumidor previamente a concessão do crédito, ficando responsáveis pelo crédito fornecido em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor e submetendo-se às sanções decorrentes.

    A regulamentação da Lei será importante para a sua aplicação pois, entre outras definições, deverá trazer o conceito de “mínimo existencial” a ser aplicado nos procedimentos de conciliação.

    A Lei 14.181/2021 tem uma grande abrangência de aplicação podendo marcar uma nova fase na aplicação do Direito do Consumidor no país.

    Hamilton Apolinário

    São Paulo, 12/08/2021.


    [1] Art. 54-A, § 1º do Código de Defesa do Consumidor.

    [2] https://www.migalhas.com.br/coluna/abc-do-cdc/348593/o-superendividamentoeas-alteracoes-no-cdc

    • Sobre o autorAdvogado áreas Cível, Trabalho e Imobiliário. Experiência anterior em Tecnologia
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