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16 de Junho de 2024
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    Des. Rosemary de Oliveira: A lei material e processual no tempo - questões a serem enfrentadas

    Publicado por JurisWay
    há 7 anos

    Mestre em Direito Civil e doutora em Direito do Trabalho pela UFMG, a desembargadora do TRT de Minas Rosemary de Oliveira Pires é também professora dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade Milton Campos, em Belo Horizonte. Ela trouxe ao Seminário uma questão que constitui hoje a grande tormenta para os aplicadores do Direito frente à reforma trabalhista: como proceder quanto aos contratos e processos em curso? Que lei aplicar? Há contratos que estão findos, mas os processos estão em curso. E há contratos em curso que gerarão novos processos. Como proceder em cada caso?

    Ela começa sua análise a partir do Artigo 14 do CPC: A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

    Entretanto, lembra a magistrada, as mudanças foram substanciais e profundas, alquebrando a espinha dorsal do direito do trabalho: o princípio da proteção. A reforma não veio para acrescer direitos ao trabalhador, ela retroage e retira direitos, pontua, e daí surge um problema de aplicação da lei que ela, mais tarde, irá situar.

    Para a professora, o desafio aí é estabelecer um critério único para nortear a aplicação da lei nova em todos os casos concretos semelhantes, para não se cair no casuísmo. Ela lamenta que a lei da reforma não tenha estabelecido uma disposição transitória para normatizar essa transição legal, como faculta a LC nº 95. Mas só veio a disposição sobre o período de vacatio legis e vigência, e isso não resolve o problema do direito intertemporal.

    Pelo que se lê na doutrina, as lacunas na lei podem ser preenchidas pelas fontes doutrinária e jurisprudencial. E essa análise cabe ao juiz, no caso a caso. Mas isso, no entender da magistrada, seria casuísmo e não científico. Casuísmo leva ao arbítrio e o arbítrio conduz fácil à arbitrariedade, alerta.

    Ela propõe, então, uma análise sobre as limitações da retroatividade do direito positivo, com base em dois pontos:

    - Constituição Federal, Artigo , XXXVI, pelo qual a lei não retroagirá para prejudicar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

    - Artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

    Então, conforme observou a palestrante, a lei pode ser retroativa ou irretroativa. Podemos afirmar que o nosso princípio é o da retroatividade com essas limitações, postula, acrescentando que, quando a norma quer retroagir ela deve ser expressa. Assim, podemos dizer que a lei da reforma não é retroativa porque não há nada de expresso nela nesse sentido, conclui.

    Mas daí vem ainda a dúvida: Como identificar nos contratos em curso o que é direito adquirido ou ato jurídico perfeito para saber qual norma aplicar? Segundo explica a magistrada, direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito são três conceitos que, na prática, acabam se fundindo. Um constitui o outro. Por exemplo, a coisa julgada que reconhece o direito adquirido. E há também, como aponta a palestrante, outros conceitos que perpassam essa problemática, como o de expectativa de direito, direitos eventuais e, ainda, as normas de ordem pública, em face das quais, diz o legislador, não há que se falar em direito adquirido. E, por outra, há quem diga que não há direito adquirido a estatuto legal.

    O problema é como vemos a lei e a cláusula contratual, ressalta a palestrante. Isto porque, a CF/88 faz essa junção, ou seja, a lei trabalhista é lei contratual. Do ponto de vista prático, é uma lei que se prende ao contrato. Assim, se a reforma altera algo que outra lei já inseriu no contrato, é possível retroagir e retirar esse direito?

    A solução, de acordo com a professora Rosemary de Oliveira, é focar tudo sob o prisma do princípio da proteção. Ela lembra que se trata de princípio com base constitucional (artigos 1º, 6º, 7º caput, entre outros), que rege o direito do trabalho e se transmuda para o direito processual (as partes devem ser consideradas iguais, mas há que se buscar o equilíbrio e tratar desigualmente os desiguais). Assim, considerando necessariamente o princípio da proteção, podemos entender que os direitos dos trabalhadores previstos em seus contratos atuais não podem ser retirados. Primeiro porque o contrato de trabalho é ato jurídico perfeito. Segundo porque os direitos consagrados na Constituição Federal se tornaram direitos adquiridos dos trabalhadores, conclui.

    Portanto, como ensina a palestrante, toda vez que temos nova lei ou nova disposição contratual, seja individual ou coletiva, que for prejudicial ao trabalhador, ela não poderá retroagir e impedida estará a sua aplicação a posteriori pelo efeito do ato jurídico perfeito e do direito adquirido. Então, não podemos aplicar a lei da reforma aos contratos em curso porque, uma vez adquiridos por força de lei ou por força de contrato e incorporados ao patrimônio do trabalhador, esses direitos não podem ser retirados, frisa, ressaltando que o princípio da proteção é princípio solar e ilumina todos os outros. E aí conta também o princípio da validade da cláusula mais benéfica aos trabalhadores.

    A conclusão apresentada pela palestrante, então, é que a regra de direito intertemporal aplicável à lei da reforma tem base no princípio da proteção: todas as regras mais favoráveis ao trabalhador são aplicadas de imediato; as desfavoráveis não, em respeito ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido ou à própria lei.

    Ela cita exemplos históricos na jurisprudência, como as decisões do TST que não aplicaram aos contratos em curso a lei da prescrição menor para o trabalhador rural, e ainda no caso recente da Lei das Terceirizações, também não aplicável aos contratos em curso, no entendimento da Corte Superior Trabalhista.

    Com base nessa premissa, a palestrante se põe a analisar casos de dúvida quanto à aplicação da lei nova:

    - Dano extrapatrimonial - Se o dano ocorreu sob a égide da lei anterior, aplica-se integralmente a lei anterior. Em tudo, inclusive quanto à não cumulação de danos da mesma natureza, quantum indenizatório etc. Se o dano é posterior à nova lei, a ela se submete.

    - Não ultratividade dos instrumentos normativos - Vale para as novas convenções, mas todas as normas que vigoravam antes da lei estão amparadas pela irretroatividade. Continuam valendo.

    - Reversão ao cargo anterior - Se o empregado já tinha 10 anos no cargo de confiança e for revertido ao cargo antigo, vale a lei antiga. Mas se ele ainda não tiver completado os 10 anos na função, vai poder ser revertido sem indenização, pois ainda não tinha direito adquirido.

    - Horas in itinere - Se os empregados já recebiam as horas de percurso, a empresa não pode, simplesmente, parar de pagar a partir de 11 de novembro, porque isso seria entendido como redução salarial. Mas os novos contratados não mais receberão essa parcela.

    - Teletrabalho, equiparação salarial e gestantes em trabalho insalubre nos contratos em curso, a lei não pode retroagir para prejudicar esses direitos, pois não se mexe nas normas contratuais que já estão em vigor. Portanto, a lei nova não atinge os contratos atuais.

    Já as rescisões desses contratos em curso vão se submeter às novas regras, pois, segundo esclareceu amagistrada, ninguém tem direito adquirido a uma forma de rescisão.

    Outro ponto são os honorários sucumbenciais. Como direito substantivo criado no processo, só a partir da sentença, constitutiva desse direito, o advogado terá direito à verba honorária. Então, nas sentenças dadas após a lei, declarada a sucumbência, cabem honorários. Mas, e se a decisão estiver em grau de recurso e a sentença, anterior à lei, não tiver declarado a sucumbência? Ela entende que o recurso pode impor isso, já que ninguém tem direito adquirido a não pagar custas, honorários etc.

    Enfim, a palestrante conclui dizendo que muitas outras questões envolvendo a aplicação da nova lei vão surgir no direito processual. O que se tentou foi traçar um critério para orientar todos os casos. Se não dá conta de resolver todas as situações, ao menos, serve de norte. E vamos caminhando..., encerra.

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