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17 de Junho de 2024
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    Direito ao esquecimento: e a responsabilidade com nossa história?

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    Na mitologia grega, o rio Lete era um dos rios do Hades, deus das profundezas e dos mortos, e aquele que bebesse de suas águas experimentava completo esquecimento de suas vidas passadas. É, também, curiosamente, o contrário da palavra grega alétheia, que quer dizer "busca da verdade". A mitologia grega antecipou muitas das questões que depois vieram a ocupar as mentes dos filósofos, e, talvez, pode-se dizer que já intuía o esquecimento como um obstáculo à busca da verdade, empreendimento a que se prestam os seres pensantes.

    Essa é apenas uma pequena digressão que faço para falar do tão discutido direito ao esquecimento e suas implicações no meio digital. O direito ao esquecimento, como posto no mundo online, já vinha ganhando seus contornos no mundo "offline", com certos dispositivos de nosso ordenamento que, mesmo sem saber, já vinham dando respaldo ao direito de ser esquecido. Nesse sentido, a nossa Carta Cidadã de 1988 já dispunha em seu artigo 5º, inciso X:

    "X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"

    Na mesma linha, o artigo 20 do Código Civil de 2002 - o artigo questionado na ADIn 4815, que analisou o embroglio envolvendo as biografias não autorizadas:

    "Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais."

    O direito ao esquecimento, como se pode ver, não é um direito inteiramente novo, tampouco autônomo. É um ramo do direito à privacidade, direito à imagem e à honra, já contemplados pelos dispositivos mencionados. O diretor do ITS Rio, Sérgio Branco, afirmou, com muita propriedade, não se tratar de um direito ao esquecimento, mas um direito "a não ser indexado", como demonstrou o consgrado leading case do direito ao esquecimento "Mario Costeja versus Google Spain".

    O caso diz respeito a um espanhol, Mario Costeja, que não queria ver seu nome ainda associado a dívidas antigas, veiculadas pelo jornal "La Vanguardía" em 1992. A Corte de Justiça da União Europeia, ao analisar esse caso em 2014, teve a oportunidade de se manifestar sobre o direito ao esquecimento no meio digital, em julgado memorável que obrigou a Google a remover as notícias relacionadas às dívidas de Mario Costeja, criando um precedente para que sites de busca e indexadores se responsabilizem pelo conteúdo que veiculam.

    Como podemos ver, esse leading case data do ano de 2014, apenas há dois anos atrás, e ainda não temos distanciamento suficiente para determinar de forma inequívoca como a sociedade irá se portar no meio digital. O que podemos, por ora, é antecipar desafios a partir de questões antigas: se o esquecimento é o contrário da busca da verdade, como já acreditavam os antigos gregos, como o Direito irá dosar esses remédios antagônicos? Temos realmente o direito a sermos esquecidos? E o nosso dever de memória, nossa responsabilidade com nossa história? Estamos em um turning point em que os juristas e aplicadores do Direito devem estar atentos para não errar a mão e não fazer do Direito um instrumento para a espetacularização da sociedade, expondo a intimidade e a vida privada alheais como fetiche, tampouco um obstáculo para a busca incessante da verdade. Podemos beber as águas do Lete, mas em doses homeopáticas...

    Giulia Willcox Rosa é Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalha na área de direitos de propriedade intelectual e com crescente interesse por Direito da Internet.
    • Sobre o autorMentes inquietas pensam Direito.
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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/direito-ao-esquecimento-e-a-responsabilidade-com-nossa-historia/336857170

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