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1 de Maio de 2024
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    Direito de pedir indenização por tortura durante a ditadura é imprescritível

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 20 anos

    A indenização pela tortura sofrida no período de ditadura militar no Brasil pode ser pedida a qualquer tempo. Isso porque todas as ações que visem à reparação por danos materiais e morais em relação à violação dos direitos fundamentais da pessoa humana são imprescritíveis. A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que, na ação judicial para postular a defesa de direitos fundamentais – indenização por danos morais decorrentes de atos de tortura por motivo político ou de qualquer outra espécie –, não pode prevalecer o prazo de cinco anos para que ocorra a prescrição. O entendimento dos ministros é que o artigo 14 da Lei 9.140 /95, que trata dos pedidos de indenização, não restringiu seu alcance aos desaparecidos políticos.

    A questão foi decidida em um recurso especial de um advogado paranaense, preso arbitrariamente no período militar quando exercia suas funções profissionais. Vlademir Amarante foi líder estudantil e narra na ação que estava com um cliente, em uma sala de audiências no Fórum de Guarapuava (PR), quando foi preso sem nenhuma explicação. O fato ocorreu em 15 de outubro de 1975, quando ele tinha 29 anos. O fórum foi invadido pelos soldados do Exército, armados, "como em guerra", que o levaram algemado.

    No quartel, foi-lhe dada voz de prisão e, à noite, os soldados, juntamente com integrantes do DOI-Codi, teriam vedado seus olhos e o jogado no chão, passando a chutá-lo e desferir-lhe tapas e socos. Ele permaneceu preso por cerca de quatro anos. Além disso, teve problemas junto à Ordem dos Advogados do Brasil, em Santa Catarina e no Paraná, em razão de ter sido instaurado procedimento contra por estar respondendo a processo contra a segurança nacional, por prática de crime político.

    A Justiça Federal do Sul do país garantiu-lhe a indenização em um mandado de segurança. O juiz entendeu que ele foi preso por crime de pensamento, privado do convívio de sua família e, após solto, passou a viver em liberdade vigiada, sem poder exercer cargos públicos ou estatais, fazer viagens ao exterior, participar de concurso público, sendo monitorado pelo DOPS. Para chegar ao valor da indenização, o juiz considerou que o advogado contava com 29 anos de idade, estava no início da carreira, já com movimentado escritório de advocacia, quando foi retirado do meio social e colocado na clandestinidade, mas que se encontrava vivo, "talvez capaz de aproveitar um pouco a reabilitação social". Assim, fixou em R$ 50 mil a indenização pelos danos morais sofridos pelo advogado em decorrência das atividades dos agentes da União na repressão ao crime de pensamento. Pelo tempo que ele ficou preso – de 15 de outubro de 1975 a 30 de agosto de 1979 –, a União foi condenada a pagar-lhe R$ 600,00 por cada mês (R$ 27.600 no total), a serem pagos imediatamente devido ao caráter alimentar da indenização por danos materiais.

    A União apelou, mas o Tribunal Regional Federal da Quarta Região, sediado em Porto Alegre, manteve a decisão de primeiro grau, reconhecendo o direito dele à indenização porque, provado que ele foi preso de forma arbitrária, sofrendo torturas e privado do exercício da profissão à época do regime militar, existe o nexo causal (relação existente entre a ação e o dano dela decorrente necessária para que se configure a responsabilidade penal ou civil) para que sejam devidas as indenizações moral e material. Para o TRF, a tortura à época da ditadura militar é fato notório e de conhecimento da população e da imprensa, não necessitando de prova específica.

    Diante desse entendimento, a União recorreu ao STJ, tentando reverter a decisão. Segundo sustenta, o acórdão contrariou o Decreto 20910 , ao não reconhecer a prescrição, uma vez que o direito do autor nasceu com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a ação somente foi proposta em 1996.

    No STJ

    Para o relator do caso no STJ, ministro Francisco Falcão, se o tribunal de origem entendeu terem ficado provados os fatos – o exercício da atividade de advogado e a prisão arbitrária pelos militares na data de 15 de outubro de 1975, quando exercia suas funções profissionais, tendo o mandado de prisão sido expedido apenas em fevereiro do ano seguinte –, não cabe ao tribunal superior reapreciar as provas.

    Quanto à prescrição, o ministro afirmou que a leitura isolada do artigo primeiro do Decreto 20.910 /1932 poderia levar à impressão que as alegações da União estariam certas quanto a ter ocorrido a prescrição. O artigo dispõe que as dívidas passivas da união, dos estados e dos municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

    No entanto, posterior legislação (a Lei 9.140), ao dispor sobre as indenizações decorrentes dos abusos cometidos no regime militar, em seu artigo 14 , não restringe o alcance da lei aos desaparecidos políticos. "Pelo contrário, ele abrangeu todas as ações indenizatórias decorrentes de atos arbitrários do regime militar, incluindo-se aí os que sofreram constrições à sua locomoção e sofreram torturas durante a ditadura militar", entende Falcão. Para ele, o prazo prescricional para ajuizar ação de indenização foi reaberto pelo artigo 14.

    O ministro levou em consideração julgamento anterior, do qual o ministro José Delgado foi relator, que teve decisão no mesmo sentido, segundo a qual o dano sofrido atinge o mais consagrado direito da cidadania: o do respeito á vida e de respeito à dignidade humana. O delito de tortura é hediondo e a imprescritibilidade deve ser a regra quando se busca indenização por danos morais conseqüentes de sua prática. "A imposição do Decreto 20.910 /32 é para situações de normalidade e quando não há violação a direitos fundamentais protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Constituição Federal", afirmou Delgado.

    Ao acompanhar esse entendimento, o ministro Luiz Fux destacou que a tortura é o mais expressivo atentado à dignidade da pessoa humana, valor erigido como um dos fundamentos do Brasil. Segundo as cláusulas pétreas da Constituição brasileira , é juridicamente sustentável estabelecer que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento. Conseqüentemente, não se pode falar em prescrição da ação que visa implementar um dos pilares da República, especialmente porque a Constituição Federal não estipulou lapso de tempo para extinguir-se o direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade.

    "A exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz", afirma Fux. Para ele, esse caso é emblemático: toda e qualquer ação que objetive a reparação pelos danos aos direitos fundamentais da pessoa humana é imprescritível.

    Processo: REsp 529804

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    3 Comentários

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    Meu comentário se couber, nesse espaço, seria para saber se meu pai, preso politíco da revolução de 1964, torturado e humilhado, e, nós, como família sofremos, juntos, teria direito à indenização que tantos outros receberam, Ele era ferroviário da Estrada de Derro Noroeste do Brasil, com sede, em Bauru, Foi preso, entre final de abril e começo de maio de 1964, por 40 dias. Mesmo depois de solto, era vigiado, dia e noite, Nós os filhos (4) não sabemos quais os direitos, dele e, por consequência, nosso. Ele faleceu, em 1971.
    Por favor, se puderem me dar uma orientação, agradeço.
    rosita-soler@hotmail.com
    Campinas = SP. continuar lendo

    Como eu consigo entrar contra o estado fui torturado na ditadura meu nome valdoir Antônio Lacerda meu tel 51997015229 continuar lendo