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16 de Junho de 2024

Direito Penal não é antídoto para problemas sociais

Publicado por Consultor Jurídico
há 11 anos

No fim de maio, na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal fazia audiência pública para discutir saídas para a execução penal no país e quebrava a cabeça para lidar com o número maior de presos no regime semiaberto do que o de vagas disponíveis, o site do Senado Federal informava haver pelo menos três projetos de lei em tramitação na casa para redução da maioridade penal e inclusão de maior número de novos inquilinos nos presídios. O descompasso não é novo. Há mais de 20 anos, o então desembargador Alberto Silva Franco, do antigo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, destoava da maioria de seus colegas de corte ao levar em conta que o Direito Penal não é solução para problemas sociais e que as garantias previstas na Constituição deveriam ser concretizadas pelo Judiciário. Suas posições, assim como as de seus colegas de Câmara no tribunal, contrariavam o entendimento punitivo em alta durante a ditadura militar e vigente ainda hoje diante da sensação de falta de segurança dos indivíduos.

O grupo não ficou muito tempo no tribunal. Depois de passar pela Vice-Presidência do Tribunal de Alçada Criminal, Franco deixou a corte no mesmo ano em que foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele e os demais integrantes de sua Câmara saíram para fundar a primeira entidade voltada para o direito de defesa e para olhar o Direito Penal do ponto de vista científico. O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), criado em 1992 para promover o debate, hoje é uma das mais conceituadas instituições acadêmicas na área. Franco é autor de diversas obras doutrinárias sobre Direito Penal.

O instituto criou uma mentalidade diferente. Temos hoje pessoas com bastante representatividade que expressam pensamentos garantistas: no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça, mesmo no Tribunal de Justiça de São Paulo. É claro que ainda são minorias, mas há uma mensagem no ar. Isso é importante, comemora o ex-desembargador. As pessoas precisam viver na ditadura para valorizar o que é a liberdade.

Alberto Franco e o IBCCrim são bem conceituados no meio jurídico acadêmico. A eles é atribuída participação na nomeação dos ministros Cezar Peluso para o STF e Maria Thereza de Assis Moura para o Superior Tribunal de Justiça, além de vários desembargadores para o TJ-SP. A relação entre Peluso e Franco é estreita. O recém-lançado livro Ministro Magistrado Decisões de Cezar Peluso no Supremo Tribunal Federal, que reúne os votos mais marcantes do ministro, é prefaciado pelo fundador do IBCCrim.

Franco foi ainda o articulador da menina dos olhos do instituto a parceria com a Universidade de Coimbra, que desde 1994 promove seminários anuais no país com a participação de professores portugueses. Em agosto proóximo, as entidades ministram curso sobre Teoria Geral do Crime.

Presidente de honra do IBCCrim, Franco recebeu a ConJur na sede do instituto, juntamente com a atual presidente Mariângela Gama de Magalhães Gomes e o secretário Pedro Bueno de Andrade. Os três falaram dos desafios para o direito de defesa no atual cenário, da recente centralização da administração das execuções penais em São Paulo e das possibildiades de investigação pelo Ministério Público, assunto em discussão no STF.

Leia a entrevista:

ConJur Como desembargador, o senhor foi um dos poucos a levantar a bandeira da presunção de inocência durante o período militar. Foi uma espécie de embrião de garantismo no Tribunal de Justiça de São Paulo?

Alberto Silva Franco Exatamente. Foi na 5ª Câmara do antigo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo [o tribunal foi incorporado ao Tribunal de Justiça com a Emenda Constitucional 45/2004] que começou essa discussão. Não era uma postura individual, mas de um grupo que tinha uma compreensão diferente daquela da maioria. Passaram pela 5ª Câmara nomes como Adauto Suannes; Ercílio Cruz Sampaio; Dirceu Rocha Lima; Edmeu Carmesini; e Ranulfo de Melo Freire, que é sempre tido e havido como o guru de todos nós; também Dirceu de Melo, que na ocasião em que eu ingressei era o presidente da Câmara. Esse colegiado passou a tomar posições muito independentes das da jurisprudência daquela época, sempre baseadas na ideia de que o cumprimento da Constituição era mais importante do que o cumprimento da lei, porque muitas leis eram autoritárias. Nós achávamos que era muito mais relevante respeitar-se a Constituição embora ainda estivéssemos diante de uma Constituição de regime autoritário.

ConJur Como era aplicar princípios constitucionais em um período de garantias restritas?

Alberto Silva Franco Embora a Constituição atual tenha aumentado em muito as garantias, a Constituição de 1967 também apresentava uma série de direitos. Nós procurávamos torná-los válidos.

ConJur Havia apoio?

Alberto Silva Franco Tivemos um grande contato com a Igreja Católica que, na época, era dirigida pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. Esse grupo procurou se aproximar da Igreja para a discussão da problemática da Justiça, tendo em vista a questão da Teologia da Libertação.

ConJur Quando surgiu a ideia desse grupo de juízes de fundar o IBCCrim?

Alberto Silva Franco Em 1992 o instituto nasceu. Mas havia já uma ideia de que a gente deveria ter algo do tipo. Não havia um instituto que tivesse a preocupação com Direito Penal e Processo Penal. Faltava estudo científico. Não havia nenhuma ressonância sobre questões penais fora dos limites internos das universidades. Tínhamos uma revista de Direito Penal, dirigida por Heleno Fragoso, mas que não tinha periodicidade. Quando ele faleceu, a revista foi junto. A ideia de se criar um instituto com esses propósitos foi acolhida por esse grupo anteriormente. Tínhamos feito os estatutos, estava tudo mais ou menos preparado. Mas faltava um leitmotiv, alguma coisa que justificasse a criação. E ocorreram duas, exatamente no mesmo dia. Foram o impeachment do presidente Fernando Collor primeira vez que ocorria isso na história política do país , e o massacre do Carandiru. Doze dias depois, nós fundamos o Instituto, com 94 sócios.

ConJur Por que esses fatos foram o estopim?

Alberto Silva Franco O impeachment trouxe os holofotes para o campo político. Era a primeira vez que um presidente era colocado fora do cargo pela via legal. Já o massacre mostrou a forma cruel com que agia a Polícia Militar. Tudo isso chamava a atenção para a necessidade de um Direito Penal que fosse mais garantista.

ConJur Já se passaram mais de 20 anos desde a criação do IBCCrim. Qual é o balanço?

Alberto Silva Franco O instituto criou uma mentalidade um pouco diferente. Temos hoje pessoas com bastante representatividade que expressam pensamentos garantistas: no...

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3 Comentários

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f f
10 anos atrás

O titulo por si só já responde o problema. Será mesmo que o Direito Penal vai solucionar todos os nossos problemas? Por que então os países que adotaram um Direito Penal bastante repressivo e com penas severas, a exemplo dos Estados Unidos, não nos parece tão seguro assim? continuar lendo

f f
10 anos atrás

Engraçado ver a sociedade cobrar um direito penal mais repressivo, parece que foi ontem que todos nós lutamos por um Estado Democrático de Direito que trouxesse mais direitos e garantias aos cidadãos. continuar lendo