Embriaguez ao volante: legislador continua embriagado
LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Embriaguez ao volante: legislador continua embriagado. Disponível em http://www.lfg.com.br - 28 abril. 2010.
A lei seca (Lei 11.705/2008) trouxe vários acertos e também alguns erros. Um dos erros mais crassos está da redação do art. 306 do CTB, que exige 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue. Essa exigência era desnecessária, posto que bastava mencionar a embriaguez e a direção anormal (que coloca em risco concreto a segurança viária, que é um bem jurídico coletivo). A quantificação alcoólica é um complicador terrível para a aplicação da lei penal. De duas maneiras podemos comprovar a taxa alcoólica: por exame de sangue ou por bafômetro (etilômetro). Mas se o agente recusa ambos os exames (constitucionalmente ninguém é obrigado a se auto-incriminar), fica-se sem a possibilidade de fazer a prova da quantificação alcoólica exigida pelo tipo penal.
Matéria assinada por Fabiana Schiavon (Consultor Jurídico, 20.04.10) dá conta de que o Min. Og Fernandes, do STJ (HC 166.377-SP), concedeu liminar para livrar o réu de qualquer tipo de responsabilidade, visto que foi condenado sem a prova do exato teor alcoólico no sangue. "Com a decisão, ele se livrou a obrigação de comparecer ao fórum criminal, trimestralmente. Em recurso, os advogados Francisco de Paula Bernardes Júnior e Filipe Sarmento Fialdini, do escritório Fialdini, Guillon, alegaram que o seu cliente sofria constrangimento ilegal por ter sido submetido somente a exame clínico, insuficiente para comprovar o estado de embriaguez. Como a comprovação deste tipo de crime exige prova de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas, segundo o artigo 306 do Código Penal, a ação deveria ser trancada. Essa comprovação só pode ser feita com uso do bafômetro ou exame de sangue."
"O homem processado por dirigir alcoolizado foi parado por policiais, quando dirigia na contramão. Ele se recusou a fazer o bafômetro e acabou submetido a exame clínico, em que o médico concluiu que ele dirigia embriagado. No decorrer do processo, ele aceitou o benefício chamado" suspensão condicional do processo "que o obrigou, pelo período de dois anos, a assinar um termo de comparecimento no fórum criminal. Ele também foi proibido de se ausentar do estado sem prévia autorização do juiz."
"Na decisão, o ministro acatou a justificativa e entendeu que houve falta de justa causa para instauração de Ação Penal"em razão da inexistência de provas". Com a liminar do STJ, ele não precisará cumprir a suspensão até que o mérito da ação seja julgado pela corte superior. O Supremo Tribunal Federal já deferiu uma liminar semelhante. O ministro Eros Grau suspendeu uma audiência de proposta de transação penal por falta de provas. Neste caso, não foi feito nenhum exame que pudesse constatar o estado de embriaguez do acusado."
1. Muito acertada a decisão do Min. Og Fernandes. Todo requisito típico tem que ser devidamente comprovado. O erro do legislador vem gerando impunidade. E essa impunidade está custando cerca de 35 mil vidas por ano. Há tempos temos denunciado isso. Até quando ("Quousque tandem) o equívoco vai permanecer? Por mais amor que se tenha por um produto legislativo, quando ele se revela desajustado, o mais prudente e adequado é sua imediata reforma. O legislador não pode continuar embriagado com o seu próprio texto. Acorda!
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