Exceção ao caráter retroativo dos efeitos da revogação de liminar em ação de segurança
DECISÃO
Portadora de doença degenerativa não devolverá valor recebido da União para tratar doença no exterior ( www.stj.jus.br )
Uma portadora de retinose pigmentar (doença degenerativa da retina) não terá que devolver os valores recebidos da União para tratar sua doença no exterior. Ela havia obtido uma liminar garantindo o custeio do tratamento, mas, posteriormente, a liminar foi revogada por sentença, o que levou a União a cobrar os valores recebidos por ela. A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acompanhando o voto do relator, ministro Humberto Martins, negou provimento ao recurso com o qual a União pretendia cobrar esses valores da paciente.
A paciente impetrou mandado de segurança contra o secretário de Assistência à Saúde com o objetivo de obter autorização para realizar tratamento em Cuba, país que possui o campo mais avançado na área oftalmológica. Em 2001, uma liminar autorizou o custeio do tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Na época, o STJ entendia que essa pretensão era juridicamente exigível do Estado.
Pouco tempo depois de realizado o procedimento médico, cujo gasto foi de R$ 25.443,43, enquanto ainda vigorava a decisão do STJ, a sentença revogou a liminar e denegou a segurança. Em 2004, com a mudança de orientação do Tribunal sobre o tema, a União promoveu uma ação de cobrança contra a paciente. A cobrança foi repudiada nas instâncias ordinárias pelo respeito ao fato consumado e à irreversibilidade do provimento.
Com isso, a União recorreu ao STJ. O pedido havia sido negado por decisão individual do relator, o que levou a novo recurso, um agravo regimental.
Nos seu voto, o ministro Humberto Martins afirma que a paciente se viu envolvida nas ondas jurisprudenciais que modificaram o entendimento da Corte sobre o problema. Para ele, são nítidos os contornos do respeito às expectativas legítimas das partes e da boa-fé objetiva. Ele afirma ainda que, segundo seu ponto de vista, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) acertadamente manteve a sentença que negou o pedido de ação de cobrança para atender ao dever do Estado de assegurar a estabilidade das relações jurídicas constituídas por força de decisão judicial. Para o TRF4, por se tratar de fato consumado por força de decisão judicial que produziu seus efeitos de forma definitiva, é inviável fazer qualquer modificação.
O ministro afirma ser óbvio que essa solução não pode ser aplicada a todos os casos. Sobre o caráter particular dessa decisão, afirma ser vedada a cobrança dos valores recebidos de boa-fé pela recorrida neste caso e presentes as circunstâncias dos autos. Ressalta que o sacrifício ora realizado em detrimento da segurança jurídica, mas em favor da justiça, é tópico e excepcional. Segundo o ministro, no caso se aplica o que a doutrina alemã consagrou como pretensão à proteção , que serve de fundamento à manutenção do acórdão recorrido.
NOTAS DA REDAÇÃO
O ponto em questão da notícia publicada está no caráter retroativo dos efeitos da revogação de liminar em ação de segurança (efeito ex tunc), o qual, se considerado absoluto, deve desconstituir todos os efeitos da liminar, a despeito das conseqüências possíveis.
O enunciado nº. 405 da Súmula do STF afirma:
Denegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária.
Todavia, não se pode perder de vista que a análise do processo deve ser feita à luz do caso concreto, bem como que o Direito não se presta à repetição cega de preceitos legais. Alguns conceitos devem ser mitigados, quando a situação de fato sobrepõe-se à realidade jurídica .
Em seu voto, o ministro Humberto Martins salientou que Impõe-se, no caso, a aplicação da Teoria do Fato Consumado, segundo a qual as situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais. Entendimento esse aplicado em casos de prestações alimentícias recebidas de boa-fé, as quais são irrepetíveis.
Extrai-se da leitura que (a) trata-se de situação jurídica consolidada pelo decurso do tempo , ou seja, que produziu seus efeitos de forma definitiva ; (b) amparada por decisão judicial . E, por reunir ambos os requisitos, não deve ser desconstituída. Tal decisão está fundada no respeito ao princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais.
Ademais, o ministro notou expectativa legítima das partes, tendo a apelada recebido os valores de boa-fé. Entretanto, advertiu que a decisão não deve ser observada como paradigma e, portanto, não cabe em todos os casos, exigindo, sempre, análise apurada dos fatos:
É óbvio que a solução aqui exposta não pode ser aplicada em todos os casos. Há de ser vista modus in rebus, com ponderação e prudência, sem qualquer vocação a se projetar como um modelo jurídico ou um precedente aspirante à universalidade. Veda-se a cobrança dos valores recebidos de boa-fé pela recorrida neste caso e presentes as circunstâncias dos autos. O sacrifício ora realizado em detrimento da segurança jurídica é tópico e excepcional.
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