Execução Penal em segunda instância e emenda à Constituição
Em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, do dia 26 de março deste ano, o juiz Sérgio Moro, referindo-se ao Precedente do Supremo Tribunal Federal segundo o qual é possível a execução da pena de prisão a partir de decisão condenatória em segunda instância, sugeriu a proposta de uma emenda à Constituição para modificar o texto que garante que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (artigo 5º, inciso LVII, CF).
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O exemplo de racismo institucional defendido por Sérgio Moro na TV Cultura
Pergunto: é possível emendar a Constituição suprimindo direitos e garantias fundamentais? Deve-se alterar a Carta Magna, porque o sistema processual dá margem a recursos protelatórios ou porque a estrutura do Poder Judiciário não atende a necessária celeridade, nos termos do artigo 5º, inciso LXXVIII, que estabelece garantia do direito à razoável duração do processo?
De um lado, temos os profissionais do direito que entendem que a presunção de inocência já não teria mais efeito depois da condenação pelos Tribunais Recursais, como é o caso do juiz entrevistado.
De outro, o entendimento de que a Constituição é clara ao proibir a restrição à liberdade antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, como previsto no artigo 5º, inciso LVII. Como se sabe, ao transitar em julgado a decisão se torna imodificável e, portanto, neste caso, não há mais risco de que um inocente venha a cumprir pena injustamente, pois não há mais dúvida sobre a condenação.
Na verdade, o grande argumento daqueles que defendem a prisão (execução provisória da pena) depois da decisão colegiada em segunda instância é o de que, em virtude de intermináveis recursos associados à falta de estrutura do Poder Judiciário para dar a necessária celeridade ao andamento dos feitos, o condenado, munido de bons e caros advogados, responde em liberdade por prazo indeterminado ficando, assim, impune.
É verdade. Há casos que, por causa da prescrição, o condenado sequer responde pelo crime que praticou, mesmo tendo sido condenado em primeiro e segundo graus.
Por outro lado, não se pode mitigar o valor liberdade consagrado na Carta Maior, em seu Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Sendo clausula petrea, não pode ser objeto de Emenda Constitucional, como sugerido pelo juiz Sérgio Moro, em virtude da vedação constitucional expressamente prevista no artigo 60, 4º inciso IV.
A sociedade brasileira está, compreensivelmente, cansada de impunidade, sobretudo no que se refere ao não cumprimento da pena por notáveis detentores de poderes político e econômico. Contudo, a resposta à esta demanda social não pode ensejar violação de princípios basilares do Estado Democrático de Direito.
Em nossa modesta opinião, as propostas de solução até agora aventadas não se dirigem à raiz do problema. A falta de efetividade da condenação não é causada pela garantia constitucional de execução da decisão somente após o trânsito em julgado.
Não defendemos a exclusão de instâncias nem a de recursos previstos em lei, que garantem a ampla defesa. Mas, o eficaz combate ao uso de recursos com fins, evidentemente, procrastinatórios. O rigoroso controle dos chamados “engavetamentos” de processos.
A priorização no trâmite do julgamento de processos penais que envolvem corrupção, desvio de dinheiro público, violação de interesses públicos especialmente os que possam impactar os processos eleitorais e os destinos do país.
Talvez a criação de uma competência específica no Supremo em razão da matéria de acordo com sua relevância para os interesses supremos da Nação. E, certamente investimento em recursos materiais e humanos para ampliar o número de juízes per capta, tendo em vista o aumento das demandas judiciais bem como a ampliação do uso da tecnologia em favor da celeridade processual.
Enfim, é debruçando-se sobre as verdadeiras causas da falta de efetividade das condenações penais, que tanto incomodam a sociedade brasileira, que se pode propor soluções racionais, adequadas e, principalmente, não violem a Constituição Federal.
Priscilla Cunha é Advogada, Professora de Direito Administrativo e Tributário.
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