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2 de Maio de 2024
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    Extradição de brasileira acende debate sobre relações internacionais

    há 7 anos

    Em março, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por três votos a um, atender ao pedido de extradição de Cláudia Cristina Sobral para os Estados Unidos. Naturalizada americana, com o nome Cláudia Hoerig, ela é acusada de matar o marido, o major da Força Aérea Karl Hoerig, em março de 2007.

    Nos registros, não há outro caso em que o STF tenha atendido pedido de extradição de brasileiro nato. Mais que o ineditismo histórico, o caso tem pontos de contato com o Direito Constitucional, tratados internacionais, atribuições do Ministério da Justiça, relações bilaterais Brasil – EUA e princípios de territorialidade em Direito Penal. O relator do caso na Suprema Corte, ministro Luís Roberto Barroso, considerou válida uma portaria do Ministério da Justiça, de 2013, que decretou a perda da nacionalidade brasileira de Cláudia, o que abriu caminho legal para a extradição. Um direito fundamental, a nacionalidade é assegurada pelo artigo 12 da Constituição Federal. “A Constituição prevê a perda da nacionalidade do brasileiro que adquirir outra, mas há exceções expressas”, explica Roberto Dias da Silva, presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB SP.

    Em 1999, ao naturalizar-se americana, Cláudia fez o juramento à bandeira dos EUA, quando declarou renunciar a fidelidade a qualquer outro Estado ou soberania. A defesa dela alegou que o ato não provoca a perda da nacionalidade brasileira, pois seria a única maneira dela continuar morando e trabalhando nos Estados Unidos. Essa hipótese, de imposição da naturalização para permanência ou exercício de direitos em outro país, figura entre as exceções da Constituição brasileira para perda de nacionalidade.

    Ao afastar a exceção, o ministro Barroso alegou que Cláudia já tinha o green card, ou seja, não precisava do processo de naturalização para permanecer e trabalhar em solo americano. “Nesse caso concreto, acredito que a perda da nacionalidade estaria condicionada à manifestação expressa, consciente das implicações futuras”, avalia Dias da Silva.

    Outra controvérsia, apontada pelo voto divergente do ministro Marco Aurélio de Mello, diz respeito à competência do Ministério da Justiça. Para ele, o direito à nacionalidade não pode ser alvo de ato administrativo, mas apenas de decisão judicial. “Decretar a perda da nacionalidade era competência do presidente da República, após processo no Ministério da Justiça, de acordo com a Lei Federal nº 818/1949. Essa competência foi delegada ao ministro da Justiça, por meio de um Decreto Federal, em 2000”, lembra George Niaradi, presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB SP.

    Fator políticoUm fator exclusivo no caso de Cláudia e Karl Hoerig chamou a atenção no plano das relações bilaterais Brasil – EUA: um deputado federal americano tomou a extradição de Cláudia como bandeira. Em 2013, o congressista democrata Timothy Ryan chegou a propor projeto de lei que previa a não concessão de vistos para brasileiros, além da suspensão dos já concedidos, caso nossa Constituição não fosse alterada para permitir a extradição de cidadãos natos. O projeto não teve apoio no Congresso americano, porém, cinco meses depois, o Ministério da Justiça brasileiro publicou portaria declarando a perda de nacionalidade de Cláudia.

    Um mês após essa decisão, havia maior diálogo entre os sistemas diplomáticos dos dois países, pois estava programada uma visita da presidente Dilma Rousseff ao presidente Barack Obama, em Washington. A viagem foi adiada com a notícia de que a Agência de Segurança Nacional americana espionava as comunicações pessoais de Dilma. Nessa época, o STF recebeu o pedido de prisão preventiva de Cláudia, que foi atendido em abril de 2016.

    Agora, ao conceder a extradição, o ministro Barroso determinou que a eventual condenação não imponha penas que não são previstas no ordenamento jurídico brasileiro, o que exclui a prisão perpétua e a pena de morte. Logo que o STF concluiu o julgamento do caso, no mesmo dia, o congressista americano comemorou a decisão em suas redes sociais.

    Desde 1961, Brasil e Estados Unidos têm um tratado bilateral de extradição, assinado pelo ministro de Relações Exteriores, Santiago Dantas, e pelo presidente dos EUA, George Ball. O texto afasta a obrigação de extraditar nacionais caso a Constituição não permita. A vedação à extradição de brasileiro nato já era prevista na Constituição de 1946, permanecendo nas cartas seguintes, de 1967 e 1988. Ao contrário do Brasil, a Constituição dos Estados Unidos não veda a extradição de seus cidadãos natos.

    “Extraditar nacionais que cometem crimes graves no exterior é uma tendência em relações internacionais, especialmente com a evolução da cooperação policial para o combate aos crimes transnacionais”, explica Maristela Basso, conselheira Secional da OAB paulista e professora de Direito Internacional na Universidade de São Paulo (USP). Um exemplo dessa tendência é a Colômbia, que tem obtido vantagem na luta contra os cartéis ao extraditar, na maioria das vezes para os EUA, grandes chefes do tráfico internacional de drogas. No início da década de 90, a extradição de colombianos natos foi proibida, devido à pressão dos cartéis de Cali e Medellin. Assim, os grandes chefes que eram presos continuavam a comandar seus grupos de dentro dos presídios, onde tinham TV, telefone, festas e outras regalias.

    Em 1997, a Colômbia restabeleceu a possibilidade de extradição de nacionais e os resultados vêm servindo de exemplo para o México, que ainda reluta em enviar seus cidadãos para julgamento nos EUA, apesar de haver tratado bilateral de extradição. Em janeiro, a extradição do narcotraficante Joaquín Archivaldo Guzmán Loera, conhecido como “El Chapo”, chefe do cartel de Sinaloa, foi um marco na mudança do sistema jurídico mexicano sobre o tema.

    Os Estados Unidos, com alguma frequência, recusam a extradição de seus cidadãos natos. Um exemplo expressivo ocorreu com David Headley, que colaborou com o grupo terrorista LashkareTaiba (LeT) nos atentados que deixaram 166 mortos em Mumbai, na Índia, em 2008. As investigações dos EUA concluíram que Headley foi pago para estudar os locais em que as bombas foram plantadas. A justiça americana o condenou a 35 anos de prisão, e os insistentes pedidos de extradição do governo indiano foram negados, apesar de haver tratado bilateral de extradição. “Quando há recusa de extradição, sem impedimento constitucional ou legal expresso, cabe recuso às cortes internacionais, como o Tribunal Penal Internacional (TPI). Porém, os EUA não são signatários do Estatuto de Roma, o que os afastam do TPI, implicando a necessidade de instituir um tribunal ad hoc, algo raro de ocorrer”, avalia Niaradi.

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