Festa com cadáver: a banalização do mal
Por Eduardo Baldissera e Caticlys Matiello
Na madrugada de primeiro de janeiro, durante as comemorações do réveillon, um jovem foi assassinado por três tiros em Balneário Camboriú (SC). Seu corpo ficou estirado na areia da praia, tendo os espectadores apenas tapado o cadáver e dado sequência aos festejos.
Segundo um dos policiais, “o corpo foi ignorado pelas pessoas que festavam no local. Apenas cobriram e continuaram dançando ao redor como se aquele ser não estivesse ali”[1].
Não fosse ele mais uma vítima da violência urbana, o fato evidencia a indiferença de nossa sociedade. Temos assistido a cenas de assassinato, fome, miséria e barbárie sem estranhar. A insensibilidade à desgraça, como diz Hannah Arendt, é a banalização do mal.
Segundo a filósofa alemã, a banalização do mal ocorre quando o sujeito deixa de pensar, ignora a condição humana e trivializa a violência. É o que tornou factível as atrocidades do nazismo.
Mas, diferentemente da teoria arendtiana, a banalização do mal contemporânea não relaciona-se com o progresso positivista ou a burocratização do sujeito, mas somente com a falta de reflexão. Por exemplo, os indivíduos têm repetido nas redes, sem pensar, informações falsas que lhes são postas, ecoando impropérios que muitas vezes tem o único fito de causar o mal.
A anestesia da sociedade pós-moderna tem feito com que percamos a capacidade de nos surpreender com a bestialidade. Tal qual no nazismo (em que cumpriam ordens sem questionamentos), deixamos de problematizar os fatos sob o argumento de que “não é comigo”, e, portanto, não há responsabilidade envolvida. Da tortura na ditadura aos mortos na “guerra às drogas”, a insensibilidade nos tem feito esquecer os episódios de violência e absurdo.
Quando o indivíduo deixa de diferenciar o certo do errado, abandona a condição humana, pois esta, conforme Descartes, deriva da reflexão (penso, logo existo).
Nosso alerta é que a apatia e a indiferença verificadas em Balneário Camboriú (SC) neste início de ano mostram que a sociedade pós-moderna deixou de pensar, tornando cada vez mais possível a repetição das atrocidades e violações à dignidade do ser humano registradas na história.
Eduardo Baldissera Carvalho Salles é Mestrando em Direito (UNOESC). Graduando em Ciências Sociais (UFFS). Membro da Comissão de Acadêmicos de Direito da OAB/SC.
Caticlys Niélys Matiello é Pós-graduanda em Filosofia e Direitos Humanos (PUC-PR). Graduada em Direito (UNOCHAPECÓ) e Filosofia (UFFS). Assistente de Promotoria (MP-SC).
[1] Diarinho online. Festa continuou mesmo com morto no chão. Disponível em: < http://www.diarinho.com.br/materias.cfm?caderno=25&materia=97774>. Acesso em: 3 jan 2015.
Fonte: http://justificando.com/2015/01/06/festa-com-cadaverabanalizacao-do-mal/
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.