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3 de Maio de 2024
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    Golpe é golpe

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a Presidenta da República Dilma Rousseff fosse notificada para responder à ação da Procuradoria Parlamentar da Câmara. A Câmara dos Deputados, atendendo a um pedido do Deputado Federal Júlio Lopes (PP-RJ), requereu ao STF que a Presidenta Dilma esclareça o uso do termo “golpe” nos discursos públicos, sobre o processo de impeachment.

    Trata-se de interpelação judicial criminal ajuizada por Júlio Luiz Baptista Lopes, Carlos Henrique Focesi Sampaio, Pauderney Tomaz Avelino, Rubens Bueno, Antônio José Imbassahy da Silva, Paulo Pereira da Silva, Deputados Federais.

    Dentre as explicações pretendidas destacam-se:

    1) Quais atos compõem o golpe denunciado pela Interpelada?
    2) Quem são os responsáveis pelo citado golpe?
    3) Que instituições atentam contra seu mandato, de modo a realizar um golpe de estado?
    4) É parte desse golpe a aprovação, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, da instauração de processo contra a Interpelada, por crime de responsabilidade, nos termos do parecer da Comissão Especial à Denúncia por Crime de Responsabilidade 1/2015, dos Srs. Hélio Pereira Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaina Conceição Paschoal?

    Com bem salientou a ministra Rosa Weber, “o pedido de explicações fundado no art. 144 do Código Penal constitui providência facultativa que, sem previsão de procedimento específico, segue o rito das notificações ordinárias, pela aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (art. 726), na forma do art. do Código de Processo Penal. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, necessário objetive esclarecer expressões caracterizadas por dubiedade, equivocidade ou ambiguidade, sob pena de se ressentir de instrumentalidade e de interesse de agir (PET 5187, Rel. Min. Celso de Melo, Dje 16.09.2014; PET 5172, Rel. Min. Dias Toffoli, Dje 31.7.2014; PET 5151, Rel. Min. Luiz Fux, Dje 10.12.2014)”.

    Portanto, quando for notificada, a Presidenta Dilma terá prazo de até 10 dias para enviar ao STF, caso assim entenda, resposta à notificação.

    Mas, afinal, o que é golpe?

    Aurélio, o clássico dicionário da língua portuguesa, apresenta vários significados para a palavra golpe: 1. Choque ou pancada produzida por um corpo, que em movimento rápido, atinge outro com maior ou menor intensidade. 2. Incisão ou marca deixada por tal choque ou pancada. 3. Ato ou gesto pelo qual alguém alcança ou tenta alcançar pessoa, animal ou coisa com um objeto contundente ou cortante. 4. Ferimento, ferida, corte, ou outra lesão resultante de tal ato. 5. Ação súbita e inesperada. 6. Acontecimento súbito e inesperado. 7. Abalo, choque, comoção moral. 8. Rasgo, lance. 9. Ímpeto, impulso. 10. Manobra desonesta com o fim de enganar, prejudicar, roubar outrem. 11. Talho que se faz na seringueira para obter o látex. (...) Golpe de Estado - talvez o que interesse ao STF – “Subversão da ordem constitucional e tomada de poder por individuo ou grupo de certo modo ligados à máquina do Estado”. [1]

    sm (gr kólaphos, pelo lat vulg) 1 Ferimento ou pancada com instrumento cortante ou contundente. 2 Corte, incisão. 3 Desgraça, infortúnio. 4 Ímpeto, chofre. 5 Crise. 6 Disposição decisiva que se toma em qualquer negócio. 7 Lance. 8 Gole, trago. 9 Esperteza. 10 gír Manobra traiçoeira. 11 Reg (Amazônica) Talho feito na seringueira, para obtenção do látex. G. baixo: a) Esp: em lutas, golpe aplicado na região genital, ou qualquer golpe desleal, como mordida, puxão de cabelo, cabeçada ou dedo nos olhos; b) fig ação desleal, visando prejudicar alguém ou tirar vantagem sobre ele: Mentir para mamãe foi um golpe baixo. G. de estado, Dir: medida extraordinária, pela qual o chefe do governo de um país altera ou tenta alterar, violentamente, as suas instituições políticas, para tornar-se ditador, quase sempre com o apoio das forças armadas. G. de mão, gal: tentativa ousada e rapidamente executada; expedição, ataque imprevisto. G. de mar: embate de uma vaga que, ao desenvolver-se, alcança de flanco o navio. G. de mestre: lance arrojado e notável, realizado com habilidade. G. de morte: pancada ou ferida que causa morte rápida. G. de preto: o mesmo que golpe de morte. G. de vento: súbita rajada de vento. G. de vista: olhar lançado rapidamente para alguma coisa; panorama. G. publicitário: ação planejada para promover um produto ou artista, ou aumentar as vendas. G. do báu: casamento por mero interesse financeiro. G. seco: modo de golpear, em que não se acompanha o animal laçado. Dar o golpe: agir traiçoeiramente. De golpe: subitamente. Errar o golpe: falhar na tentativa. [2]

    Dentre tantos conceitos e significados, provavelmente a Câmara dos Deputados e o STF estão interessados em saber o significado de “Golpe de Estado”.

    Como já dito, Golpe de Estado é a subversão da ordem constitucional e a tomada de poder por um indivíduo ou um grupo, ligado, de certo modo, à máquina do Estado; é a deposição de um governo legitimamente instalado.

    O termo Golpe de Estado é conhecido também em sua versão francesa, Coup d’État, e em sua versão alemã, Staatssreich, sendo que todos eles identificam uma ruptura institucional inesperada. Ou seja, o controle do Estado passa subitamente das mãos de um governo legítimo e constitucionalmente eleito para outro grupo de governantes.

    Hodiernamente, o Golpe de Estado caracteriza-se pelas vias excepcionais de tomada do poder, que pode se dar com o apoio militar ou não.

    Golpes de Estado são próprios de momentos conturbados, em que grupos políticos de oposição que ambicionam o poder ultrapassam os limites da legalidade constitucional e democrática, por vezes com uso da violência, para derrubar um governo legítimo.

    Necessário observar que “o significado da expressão Golpe de Estado mudou no tempo. O fenômeno em nossos dias manifesta notáveis diferenças em relação ao que, com a mesma palavra, se fazia referência três séculos atrás. As diferenças vão, desde a mudança substancial dos atores (quem o faz), até a própria forma do ato (como se faz). Apenas um elemento se manteve invariável, apresentando-se como o traço de união (trait d’union) entre estas diversas configurações: o Golpe de Estado é um ato realizado por órgãos do próprio Estado. Uma breve síntese histórica esclarecerá melhor as citadas diferenças quanto à permanência deste último elemento”. [3]

    Importante destacar que é um grande e imperdoável equívoco confundir, como desejam alguns, revolução com golpe.

    Interessante notar as observações de Bobbio, para quem a distinção entre revolução e golpe de Estado “corresponde muito bem a oposição, tão frequente na linguagem comum e, ao mesmo tempo, tão incisiva, entre ‘praça’ e ‘palácio’, que permite somar à dimensão temporal também a espacial: a revolução se faz na praça, como a da Bastilha (e também as revoltas, aliás: vimos um exemplo recente na Praça da Paz Celestial, em Pequim); o golpe de Estado, dentro do palácio”. [4]

    Mais adiante, Bobbio ressalta que a revolução deve ser entendida como a ruptura entre o velho e o novo, que marca a descontinuidade do curso da história. Não há de se estranhar a história das interpretações da revolução como transformação radical, uma transformação não somente do sistema político ou do sistema social, mas até da natureza humana. Nesse sentido, a revolução “tende ou deveria tender para a criação de um novo homem”. [5]

    Não obstante as afinidades existentes, o constitucionalista Paulo Bonavides observa que “os conceitos de revolução, guerra civil, conjuração e putsch, o golpe de Estado não se confunde com nenhuma dessas formas e significa simplesmente a tomada do poder por meios ilegais”. [6]

    O golpe de Estado é próprio de regimes instáveis, sendo mais comum em democracias neófitas que se libertaram recentemente de ditaduras militares, como aconteceu em vários países da América Latina e da África. Para Bonavides, o golpe de Estado “é a técnica política predileta de tomada do poder que mais se emprega nos países subdesenvolvidos ou em fase de desenvolvimento. A traição e o medo se aliam ao golpe de Estado”. [7]

    Em geral, o golpe de Estado é contra um governante e seu modo de governar. Já a revolução se faz contra um sistema de governo, contra a classe dominante, contra um princípio de organização política e social.

    O golpe de Estado, conclui Bonavides, “é a prevalência do interesse egoístico de um grupo ou a satisfação de uma sede pessoal de poder, a revolução, o atendimento dos anseios coletivos, movendo-se de conformidade com novos princípios e ideias; a revolução é a legitimidade, o golpe é a usurpação e como todas as usurpações concomitantemente ilegal e ilegítimo”. [8]

    Acredita-se, sem nenhuma vênia, que as pretendidas explicações constantes da interpelação feita pelos deputados Federais não são dignas de resposta, uma vez que fatos incontestáveis, públicos e notórios não necessitam de provas.

    Certa feita, numa pequena cidade do interior de Minas Gerais, o vice-prefeito, tendo um dedo de prosa com sua mulher Margarida, bela, recatada e do lar, disse:

    - Muié, vou virar Prefeito da cidade.

    - Como, Zé? O Prefeito não morreu.

    - Vou dar um golpe, Margarida. Vou dar um golpe - repetia o vice-prefeito, animado.

    - E ocê sabe lá o que é golpe Zé! - exclamou espantada Margarida.

    - Ora se sei muié. Golpe é golpe uai.

    Belo Horizonte, 19 de maio de 2016.

    Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado e Professor de Direito Penal da PUC-Minas.
    REFERÊNCIAS 1 Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 2 http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=golpe 3 BARBÉ. Carlos. Dicionário da política. Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino: trad. Carmen C. Varrialle et al. 8ª ed. Brasília – DF. Editora Universidade de Brasília, 1995. 4 BOBBIO, Norberto. Norberto Bobbio: o filósofo e a política: antologia/ organização e apresentação José Fernández Santillán; trad. César Benjamim. Rio de Janeiro: Contraponto, 2003. 5 BOBBIO, Norberto, ob. cit. 6 BONAVITES, Paulo. Ciência política. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016. 7 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016. 8 Idem
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