II - O agravo de instrumento no sistema processual do final do século XX
O novo agravo aos Tribunais Superiores
(Breve comentário a nova redação do art. 544, CPC - Lei n. 12.322)
1. "O agravo de instrumento no sistema processual do final do século XX.
A formatação do agravo de instrumento aos Tribunais Superiores, que vige neste início de século XXI, nada mais é do que a extensão da ideologia do recurso do final do século passado. À luz do antigo art. 544, incumbia ao agravante, quando não satisfeito com a decisão que inadmite o seu recurso especial ou o extraordinário, zelar pela correta formação do instrumento, extraindo as cópias que iriam propiciar ao juízo ad quem o conhecimento da controvérsia.
Parte-se do pressuposto (equivocado) de que será mais democrático o sistema, na medida em que ofereça a todos os cidadãos acesso aos Tribunais Superiores. Logo, em linha de princípio, qualquer processo pode motivar a interposição dos recursos extraordinário e/ou especial. A vontade do litigante, na prática, é que determina o cabimento de um recurso, ainda que, teoricamente, esta afirmação não encontre perfeito respaldo científico.
Dentro desta ideologia do direito de todo e qualquer jurisdicionado levar a sua causa para o conhecimento dos Tribunais Superiores e que espelharia, na visão de alguns, um dos reflexos de nossa Carta Cidadã de 1988, seria um símbolo da democracia o fato do Supremo Tribunal Federal apreciar mais de 100.000 recursos/ano ou o Superior Tribunal de Justiça julgar mais de 300.000 recursos/ano. Tanto maior o número, quanto mais eficiente a Corte.
Dentro desse panorama, é lugar comum afirmar que o ônus pela formação do agravo de instrumento, deduzido contra a decisão que inadmite o extraordinário ou o especial é de integral responsabilidade do agravante. Essa conclusão relativamente pacífica é corroborada pelo extremo rigor com o qual os Tribunais Superiores aferem a formação do instrumento.
São exemplos da orientação atual da jurisprudência os seguintes precedentes: estando ilegível o protocolo do Tribunal a quo, caberia à parte, em tempo hábil, apresentar certidão que atestasse a data de interposição do recurso, sob pena de seu não conhecimento, não se admitindo nesta instância especial a realização de diligências para suprir eventuais falhas, bem como a juntada tardia de peças para complementar a sua formação. (RCDESP no Ag 1328264/RJ. DJe: 27/10/2010); a Quarta Turma, ao julgar o REsp 805.114/SC (Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 14.5.2007, p. 318), enfrentou situação análoga à dos presentes autos, ocasião em que manteve o não-conhecimento do agravo de instrumento a que se refere o art. 525, I, do Código de Processo Civil, por não ter sido juntada cópia do verso de uma das peças processuais obrigatórias. (AgRg no Ag 884.649/SC . DJ: 29/11/2007, p. 208); a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a ausência das peças obrigatórias de que trata o art. 525, I do CPC (dentre as quais se inclui a cópia da cadeia de substabelecimentos) importa em não conhecimento do recurso. (EREsp 1056295/RJ. DJe: 25/08/2010)
Outra orientação demasiadamente lógica é aquela que não conhece do recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração opostos pela parte contrária, se não ocorre a ratificação. A Corte presume a perda do interesse no julgamento, ainda que nenhum efeito modificativo tenha sido outorgado aos aclaratórios. Esta posição é consolidada na súmula 418, a qual, como dito, é demasiadamente abstrata e lógica, daí sua incoerência com o sistema e os casos concretos apresentados diuturnamente. Data maxima venia, o correto seria o raciocínio contrário, isto é: quando mantida a decisão, presume-se a manutenção do interesse e não o seu desaparecimento.
Enfim, tantas outras situações poderiam ser catalogadas. Todavia, para o fim deste breve ensaio, as assertivas acima demonstram o estado das coisas.
São raros os acórdãos que discrepam dessa linha. Veja-se, a propósito, o recente precedente da 4ª Turma, pelo qual constitui-se excesso de rigor formal não conhecer de agravo de instrumento na hipótese em que as demais cópias trasladadas são suficientes para vislumbrar-se a admissibilidade do recurso especial.
De toda sorte, esses episódicos julgados também não atendem o jurisdicionado, pois é absolutamente incompreensível a razão pela qual um recurso será conhecido e outro será inadmitido pela ocorrência do mesmo vício. Padece o cidadão e a Constituição Federal, quando promete isonomia.
Espera-se que, no século XXI, esse pano de fundo seja diverso. Com efeito, cada ato processual possui uma finalidade e o ato processual deveria ser considerado válido quando, a despeito da preterição da finalidade, tivessem sido respeitadas as garantias de ambas as partes, pela incidência do devido processo constitucional, do pas de nullité sans grief, etc. Não é isso, contudo, que se observa na jurisprudência atual, afinada ainda com o panorama do século passado.
Bem observou Carlos Alberto Alvaro de Oliveira que o formalismo é necessário ao direito, pois representa uma garantia de liberdade frente ao arbítrio. Entretanto, quando levado ao extremo, pode comprometer justamente o direito que iria albergar, mostrando-se pernicioso para o cidadão. A grande missão do jurista, neste aspecto, seria identificar as hipóteses em que o formalismo é bem-vindo (visto que justificado, à luz das exigências constitucionais) e aquelas outras em que ele mais representa uma forma de violar as legítimas expectativas do jurisdicionado.
Este é a realidade sobre a qual a reforma pretende atuar."
* Por Daniel Ustárroz, advogado, professor de Direito Processual Civil e mestre em Direito.
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