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17 de Junho de 2024

Internet: um direito emergente?

Publicado por Justificando
há 8 anos

Recentemente, no mês de junho deste ano, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou a Resolução A/HRC/32/L.20 sobre a promoção e proteção dos direitos humanos na internet, onde condena países que adotam restrições ao seu uso. Baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Resolução apela aos governos de todo o globo para aderirem aos quinze pontos destacados na Resolução que poderão garantir o respeito aos direitos humanos no mundo virtual.

A resolução afirma que todos os direitos que pessoas possuem off-line devem ser protegidos e garantidos no mundo virtual, em particular a liberdade de expressão. A Resolução também demanda aos Estados que promovam a “alfabetização digital” (digital literacy) para facilitar o acesso à informação na internet, de modo que isso pode ser uma importante forma de facilitar a promoção do direito à educação. Nesse sentido, a Resolução também evoca aos Estados para aumentar o uso de tecnologias que permitam promover o empoderamento das mulheres.

A proposição número 10 condena qualquer medida que intencionalmente venham a bloquear o acesso à internet ou a disseminação de informação online, considerando essa prática como uma violação ao direito internacional dos direitos humanos. De fato, existe atualmente um empenho por parte de governos de determinados países no sentido de restringir o acesso à internet, com o argumento de impedir o contato de sua respectiva cultura com demais culturas, ou mesmo que a internet seja utilizada como forma de organização de movimentos sociais.

Tomando em consideração essa nova Resolução, pode-se dizer que o acesso à internet é considerada pelas Nações Unidas como um direito humano básico. Essa disposição vai ao encontro de uma série de debates sobre o acesso à internet em todo o mundo. No ano de 2011 Frank La Rue, jurista da Guatemala e Relator Especial da ONU sobre liberdade de expressão, submeteu seu relatório ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre os direitos de procurar e receber informações por meio da internet, com um total de 88 recomendações.

O referido Relatório deu ensejo ao Conselho de Direitos Humanos da ONU promulgar, já em 2012, a Resolução A/HRC/20/L.13, também sobre a proteção, promoção e fruição do direito humano à internet. No plano nacional, essa discussão vem sendo travada em diversos países, a maioria deles europeus, que vem reconhecendo o direito de “acesso à internet” em seus respectivos ordenamentos jurídicos. É o caso da Estônia, Finlândia, Grécia e Espanha, bem como na França que onde este direito foi reconhecido nos Tribunais. No Brasil, discussão no Congresso Nacional sobre os direito na esfera da internet também vem ganhando cada vez mais espaço.

Definir “acesso”

No ano de 2014 pela primeira vez o acesso à internet chegou a 50% das casas no Brasil, alcançando 32.3 milhões de domicílios, é o que mostra a pesquisa TIC Domicílios 2014. Nesse contexto, como assevera Ameneh Dehshiri, especialista iraniana em Direitos Humanos, a questão central no debate sobre o acesso à internet é justamente definir o conceito de “acesso”, pois ele pode ter um grande leque de definições, tais como 1) acesso ao conteúdo online e plataformas digitais; 2) ter conexão à internet como uma rede mundial; 3) ter acesso a um padrão mínimo de internet. A depender do contexto que se insere, o conceito de “acesso à internet” pode, portanto, ganhar conotações muito distintas.

Para Dehshiri, a questão do conceito de “acesso” é a parte negligenciada daquilo que pode-se chamar de direito ao acesso à internet. A noção de “acesso”, em si, implica que os Estados atuem no sentido de garantir que cidadãos o gozo desse determinado direito. No entanto, isso não indica que a internet deva ser um espaço sem regras, pois como também afirma o Relatório de Frank La Rue, poderão haver limites ao conteúdo em casos de pornografia infantil, discurso de ódio, difamação, incitação ao cometimento de crimes, hostilidades e violência. Isso demonstra que a questão do acesso é muito mais complexa do que parece e merece uma reflexão por parte da sociedade quanto ao seu conteúdo e limites.

Um direito emergente à internet?

Nesse contexto, pode-se afirmar que existe atualmente um direito emergente à internet? A questão que se coloca pode ser respondida sob uma série de prismas e visões. Para alguns, a internet continua sendo um luxo, um privilégio, algo talvez distante de sua própria realidade, caso pensemos em comunidades remotas e mesmo em países com alto nível de pobreza. Para outros, a internet é e deve ser considerada um direito, pois é um instrumento importante para o aprimoramento da humanidade. Para muitos, ainda, a internet não deveria ser considerada um direito, pois existem outras questões e reivindicações pelo qual governos deveriam prioritariamente prover, sendo um erro considerar uma determinada tecnologia como um direito, pois poderíamos estar valorando e dimensionando as coisas erradas.

De fato, pensar na emergência de um direito à internet implica em revisitar as teorias da necessidade à luz das novas realidades que o mundo atual se insere. Hodiernamente, a internet assume uma dimensão de essencialidade para uma numerosa parcela da população, de modo que pode-se afirmar até mesmo que criamos uma dimensão virtual da vida, uma nova forma de relação permeada por uma tela. Essa nova relação traz aspectos positivos e negativos. Se por um lado permite a comunicação com pessoas de todas as partes do mundo, difusão de conhecimentos e informações, e o encurtamento dos espaços, por outro também propicia uma espécie de “alienação virtual” ou “analfabetismo virtual”, onde o indivíduo passa por um processo de des-subjetivação, como descreve Márcia Tiburi, perdendo o controle sobre sua própria existência e ação e deixando-se manipular pelos dispositivos.

Marcia Tiburi afirma que a internet passa a fazer parte de nosso cotidiano, o que permite falar-se em “cotidiano virtual” como o lugar da experiência com a internet e, sobretudo, com as redes sociais. O ponto central que se posiciona no âmbito da interação virtual é o de reconhecer que a internet é um meio e não um fim, de modo que o meio deve promover a interação e não nos separar ou aprisionar. Isso porque a inteligência artificial nunca poderia resolver nossos problemas éticos, mas ela nos coloca cotidianamente diante de inúmeros problemas dessa natureza, sobre o que somos, o que fazemos e o que vivemos.

A internet pode ser entendida como um instrumento quu pode ser utilizado tanto para enobrecer seu aspecto negativo quanto para insuflar seu aspecto negativo. Pode ser um espaço de trocas democráticas e não-democráticas como afirma Marcia Tiburi. Contudo, para uma grande parcela da população mundial a internet é hoje uma necessidade, seja para a utilização no ambiente de trabalho, seja para estudo ou mera distração. O fato é que a internet conseguiu colocar-se como uma nova necessidade para a sociedade da era da informação, sendo um desafio para a nossa e para as futuras gerações. Encontrar mecanismos de “alfabetização digital”, como prevê a Resolução da ONU, implica em revisitar o modo pelo qual nos relacionamos com a internet e com as tecnologias de modo geral, trata-se de uma tarefa civilizatória.

Respondendo à pergunta de se a internet pode ou não ser considerada um direito, numa perspectiva ampla pode-se dizer que trata-se da emergência de um novo direito à medida que a internet torna-se cada vez mais uma necessidade. O reconhecimento de qualquer direito passa pela relação da sociedade com suas necessidades, desejos e anseios coletivos. A resolução não tem força normativa, mas é uma mensagem para o mundo e sobretudo para as lideranças globais, no sentido de reforçar a liberdade. Como esse direito será aplicado? Quais serão seus limites? De que modo poderá ser exercido? De que modo poderá a “alienação virtual” ser combatida? São questões que merecem a profunda reflexão de todos os que estão em contato com a plataforma virtual.

Thiago Burckhart é estudante de Direito na FURB. Pesquisador da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Pesquisador do Núcleo de Estudos em Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (FURB). Pesquisador do Centro Didático Euro-Americano sobre Políticas Constitucionais (Università del Salento – FURB). Escritor e Membro da Associação de pesquisa, produção cultural e promoção dos Direitos Humanos Imaginar o Brasil.

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